Definitivamente, o Framboesa de Ouro é a “premiação” mais polêmica do cinema. Criada como uma grande brincadeira, a cerimônia é considerada o “anti-Oscar” em Hollywood e aponta o que de pior o cinema entregou a cada ano. Existem os que torcem o nariz e que o consideram algo de mau gosto, afinal taxar produções cinematográficas que foram resultado de sangue e suor de artistas, às vezes envolvidos por anos em suas confecções, é uma espécie de declaração de guerra à arte. A verdade é que o Framboesa de Ouro não se leva a sério, e realmente não deve ser levado a sério. De fato, ao longo dos anos muitos artistas souberam levar na esportiva e entraram na brincadeira, inclusive indo aceitar a “honraria” – como foi o caso com Bill Cosby, Halle Berry e Sandra Bullock. É preciso ter bom humor e jogo de cintura.
A verdade é que o Framboesa apenas tem coragem de vociferar o que grande parte do público e dos críticos conversam entre si nos círculos de cinéfilos. Todos têm suas próprias opiniões e ninguém gosta de tudo o tempo todo. Afinal, o que seriam dos filmes bons sem os filmes ruins para servir de comparação. Em grande parte, o Framboesa indica e premia obras execradas pela crítica especializada e que deram prejuízo em bilheteria, ou seja, o público optou por ignorar, pelos mais diversos motivos. O que acontece é que vez ou outra o Framboesa também erra e acaba lembrando de filmes que terminam por resistir ao teste do tempo, sendo redescobertos como cult, ou simplesmente conquistam uma legião de fãs tão grande a cada geração, só aumentando o amor do público por eles.
Confira abaixo os filmes adorados dos anos 80, que terminaram sendo indicados pelo Framboesa de Ouro em seu ano de lançamento.
O Iluminado (1980)
Quando O Iluminado estreou em 1980, o cineasta Stanley Kubrick já era um nome famoso em Hollywood, mas igualmente controverso. Embora tivesse entregue filmes como Lolita, 2001 – Uma Odisseia no Espaço e Laranja Mecânica, Kubrick era tido como um diretor “maldito”, graças ao conteúdo controverso de grande parte de seus longas. E O Iluminado não foi exceção. Sua única investida no gênero do terror não foi vista com bons olhos por metade dos críticos, que consideraram o longa algo abaixo do talento do diretor – algo comparado com o que ocorreu com Alfred Hitchcock na época de Psicose. Hoje tida como obra extremamente reverenciada no gênero, cuja popularidade imensa só aumenta, na época de seu lançamento, O Iluminado teve muitos detratores, incluindo o próprio autor do livro em que é baseado, Stephen King. Tamanha polêmica levou o filme a ser indicado ao Framboesa de Ouro bem no ano da estreia da premiação. O Iluminado recebeu indicações para pior atriz (Shelley Duvall) e pior diretor (Stanley Kubrick) – algo inconcebível hoje.
O Enigma de Outro Mundo (1982)
Não é incomum filmes execrados pela crítica ou que se mostrem fracassos financeiros em sua época de lançamento ressurgirem como item cult, reverenciados e estudados por acadêmicos da área de cinema ou crítica cinematográfica anos depois. Dizem que o cinema é uma arte eterna, que dura para a posteridade. Assim é curioso presenciar esse fenômeno de ressurgimento de certas produções. Veja, por exemplo, essa obra-prima de terror e ficção científica do mestre John Carpenter. Tudo bem, não é para todos os gostos e na época, muitos a consideraram de mau gosto devido às cenas explícitas envolvendo todo tipo de “nojeira corpórea”. Mas o que ninguém pode imaginar hoje é que na época o filme tenha sido indicado ao Framboesa de pior trilha sonora – e justo para quem: o icônico Ennio Morricone.
Scarface (1983)
Um dos maiores injustiçados pelo Framboesa de Ouro – ao menos na década de 1980 – foi o diretor Brian De Palma. Alguém no Framboesa devia ter alguma coisa contra o cineasta, não é possível. Reverenciado pela maioria dos especialistas e cinéfilos por seu talento como contador de histórias – dono de um estilo único, que vai muito além de um “fã de Hitchcock” -, De Palma se viu alvo da premiação zoeira no período. Aqui começamos com sua “ópera” do crime e máfia, Scarface, remake de uma produção noir clássica da década de 1930. Para sua versão, De Palma resolveu abordar a temática da imigração ilegal cubana em Miami. Violento e com uma atuação deliciosamente exagerada de Al Pacino, Scarface em pouco tempo se tornou um favorito dos entusiastas do gênero. Mas na época, o longa não escapou da mira do Framboesa, que indicou De Palma para pior diretor.
Vestida para Matar (1980)
Antes de Scarface, no ano de estreia do Framboesa de Ouro, os organizadores já inauguravam também sua cisma com De Palma. No começo de carreira, o cineasta era tido como o discípulo mais fiel de Alfred Hitchcock. Isso porque muito de seus filmes eram tidos como a mais pura homenagem a alguma produção do mestre do Suspense. Essa aqui, por exemplo, Vestida para Matar é Psicose puro. Admirado e estudado como um grande exemplar de um thriller erótico e noir, o longa mistura pesadelo e realidade, possuindo fortes subtextos dignos de discussões sobre as mais variadas temáticas controversas. Um filme à frente do seu tempo, Vestida para Matar já discutia, por exemplo, questões de gênero e o psicológico dos transgêneros. Mas nada disso o fez escapar do Framboesa e das indicações de pior diretor (De Palma), pior ator (Michael Caine) e pior atriz (Nancy Allen).
Dublê de Corpo (1984)
Finalizando a “trilogia da implicância” do Framboesa de Ouro com o mestre Brian De Palma, chega agora mais um filme de seu repertório entre os indicados. Não me leve a mal, não é que eu considere certos diretores infalíveis, ou que acredite que Brian De Palma não possua filmes que, por variados motivos, não atingiram todo o seu potencial. Entendo perfeitamente que certos filmes de sua filmografia não estejam tão alinhados quanto outros. É só que acredito que seus piores filmes não sejam estes. E se Vestida para Matar é o Psicose dele, Dublê de Corpo é o seu Janela Indiscreta. O filme conta a história de um ator que termina presenciando uma mulher com quem se envolveu ser morta da janela da casa de um colega do outro lado da rua. Mas as coisas podem não ser muito como ele imagina. Um thriller de tirar o fôlego com a assinatura do mestre. Mas não teve jeito, alvo direto do Framboesa, De Palma novamente recebeu sua costumeira nomeação a pior diretor.
Rocky III e Rocky IV (1982 e 1985)
Quem não gosta da franquia Rocky bom sujeito não é. Tudo bem que o filme original lá de 1976 é o melhor de todos da franquia, mais voltado para o drama. Enaltecido como um dos melhores filmes de esporte de todos os tempos, Rocky – Um Lutador emplacou forte no Oscar daquele ano e terminou vencendo o prêmio de melhor filme daquele ano. Merecidamente. O segundo filme, já dirigido por Stallone, manteve a seriedade e seguiu de perto a cartilha do original. Já quando foi a vez de adentrar os anos 80, com o terceiro e quarto filmes, é inegável que Rocky sofreria uma atualização para os novos tempos – e se tornaria maior e mais exagerado, mais repleto de ação e situações bem ridículas, é verdade.
É inegável também que se tornavam mais empolgantes e cada vez mais populares junto ao grande público. Se para mais nada, estes filmes nos deram “hinos” como ‘Eye of the Tiger’ e ‘Burning Heart’. Mas se tem um artista que o Framboesa “perseguia” tanto quanto Brian De Palma era o astro Sylvester Stallone. Bem, muitos dariam razão para o Framboesa. Nós não. Enquanto Rocky III foi indicado para pior revelação (Mr. T), o mais empolgante Rocky IV recebeu uma enxurrada de indicações: pior filme, pior ator coadjuvante (Burt Young), atriz (Talia Shire) e pior roteiro (Stallone); além de ter levado os Framboesa de pior ator e diretor (Stallone), trilha sonora, e atriz coadjuvante e revelação para Brigitte Nielsen, então esposa de Stallone.
Flashdance – Em Ritmo de Embalo (1983)
Um dos musicais mais queridos dos anos 80 e da história do cinema, Flashdance é uma história de empoderamento feminino, trazendo uma protagonista que é uma mulher forte e independente. Alex, papel de Jennifer Beals, sonha em ser dançarina, mas para sustentar este sonho faz jornada dupla, trabalhando em dois empregos. De dia, ela enfrenta o preconceito dos colegas de trabalho como soldadora, visto como uma função de homem. De noite, ela é uma dançarina exótica num clube masculino. O mais legal de Flashdance é perceber como ainda hoje o filme se mantém atual, e era muito à frente de seu tempo. E quem poderia esquecer as canções ‘What a Feeling’, de Irene Cara, ou ‘Maniac’, de Michael Sembello, temas do filme que foram vencedor e indicado ao Oscar, respectivamente? Bem, a resposta é: O Framboesa; que indicou Flashdance para pior roteiro.
A Última Tentação de Cristo (1988)
Martin Scorsese é, ainda hoje, considerado por muitos como o maior diretor vivo de sua geração. Mesmo com as tretas com a Marvel, onde a nova geração começou a olhar torto para o “tiozinho”, quem conhece cinema de verdade a fundo (e não apenas a diversão da semana) precisa reconhecer Scorsese como um dos grandes. Touro Indomável, Taxi Driver, Os Bons Companheiros, Os Infiltrados – a lista é simplesmente imensa. Mas o diretor já teve sua cota de polêmicas, e numa época bem antes dos filmes da Marvel se tornarem uma realidade. Uma destas polêmicas, talvez a maior, envolveu o lançamento de seu controverso A Última Tentação de Cristo, de 1988. Neste filme, entre outras coisas, Scorsese mostra Jesus Cristo cedendo a uma noite de tentação, e se deitando com Maria Madalena. Na época, foi o suficiente para uma comoção por parte de religiosos e católicos fervorosos que começaram a boicotar o filme, e até a realizar quebra-quebra em cinemas que o exibiam. Hoje, o filme é enaltecido como cult. Mas na época, não escapou da indicação de pior coadjuvante para o grande Harvey Keitel no papel de Judas.
Willow – Na Terra da Magia (1988)
Finalizando nossa lista, temos um dos maiores clássicos da Sessão da Tarde dos anos 80. Willow é uma aventura de fantasia medieval que tem direção de Ron Howard e produção de George Lucas. O longa não foi um sucesso de bilheteria em sua estreia, mas pouco tempo depois, devido às locadoras de vídeo, ressurgiria como item cult. Por décadas, Willow foi um dos raros exemplos de filmes dos anos 80 que não tiveram uma continuação, mesmo que seu enredo aventuresco fosse totalmente favorável a isso. Eis que em nossos tempos modernos, a Disney compra a LucasFilm, “herda” Star Wars, Indiana Jones e… bem, Willow. Fora isso, o streaming da Disney+ igualmente é criada e assim Willow estava resgatado de seu ostracismo oitentista, pronto para virar série na plataforma. Mas voltado ao passado, lá para a década de 1980, Willow foi outro filme que não escapou da “fúria” de Framboesa, recebendo indicações para pior roteiro e ator coadjuvante (Billy Barty).