A terra do cinema americano é um lugar semelhante à uma sala de aula do primário; há sempre o popular da classe, o mais influente, aquele que dita às regras e os outros o seguem. Um belo dia, esse menino(a) popular traz para a classe um novo brinquedo, transado e irresistível e o proclama como sendo a melhor coisa que surgiu no mundo.
No outro dia metade da classe estará com o seu em mãos até o momento em que saia de moda e o popular traga outro brinquedo para o desespero dos pais.
E o que tem a ver isso tudo com Hollywood? Bem, por lá basta o “popular” da vez inventar uma nova tendência, que é rapidamente absorvida pela indústria e os clones pipocam sem parar até tirar o último centavo do bolso do espectador. O “bam-bam-bam” foi James Cameron que, com seu épico orçamentário Avatar “revolucionou” a indústria com o uso do artifício 3D, o messias que veio trazer uma nova maneira de fazer cinema.
A partir daí, uma enxurrada de outras produções integraram o 3D em sua campanha promocional e lotaram os cinemas do mundo na procura pela última bolacha do pacote em termos da nova mania, desde “Fúria de Titãs” até pornografia em terceira dimensão!
Mas será que o 3D no cinema é uma novidade criada por James Cameron? Será que é apenas um déjà vu a sensação de que essa “mania” já aconteceu há um bom tempo atrás e se repete agora? Não, caro amigo, não é um déjà vu, a indústria do cinema não envisionou o poder da terceira dimensão junto de Avatar, mas sim apenas reviveu um recurso que já havia virado piada, coisa antiga e ultrapassada, que agora é cool.
E até mesmo as cretinices atuais de colocar uma cena em que um personagem atira algo na tela e o filme já ganha o “3D” no cartaz. Estes são recursos que fizeram a fama de “tapa-furo para chamar gente aos cinemas” no passado e, após um amnésia geral no planeta terra, fazem nos dias de hoje, em pleno 2014.
A História do 3D no cinema
A ideia de juntar cinema com o recurso de terceira dimensão inicia em 1890 quando o britânico William Friese-Geene patentiou a ideia de colocar dois filmes distintos rodando em uma única tela, onde o espectador olhava através de um estereoscópico que “misturava” ambas as imagens e criava um efeito que a imagem saia da tela (semelhante ao processo de estereoscopia em fotos, as famosas fotos em 3D).
A ideia era boa, mas impraticável e muito cara. No início de 1900, Friese-Geene criou uma câmera munida de duas lentes que registrava em terceira dimensão diretamente, sem a necessidade do estereoscópico.
Em 1915 foi mostrada para audiências, pela primeira vez, os famosos anaglifos em vermelho e azul (padrão que continua até hoje) e a introdução do (desconfortável) óculos para assistir as produções.
Diversos curtas foram produzidos, ao longo dos anos, utilizando essa tecnologia, até que em 1951 foi lançado “Bwana Devil”, um longa totalmente em terceira dimensão que iniciou a febre na década de 50, considerada os anos de ouro da técnica no cinema.
O primeiro filme em 3D de terror, gênero em que a técnica mais prosperou, foi “A Casa de Cera” dirigido por André de Toth e estrelando Vincent Price, filme responsável pela mania terceira-dimensão no cinema americano. Ele também foi responsável por criar uma gama de clichês típicos de produções utilizando esta técnica como em um incêndio no museu de cera que “saia” da tela, um homem sendo lançado em direção aos espectadores e muito mais.
Jogando Ping-Pong com o público
Uma irônica curiosidade sobre o filme é que o diretor de Toth era cego de um olho e não pode apreciar o filme em 3D, o que causou um divertido comentário por parte de Price: “Andre de Toth era um excelente diretor, mas ele realmente era errado para dirigir um filme em 3D. Ele ficava irritado e dizia, ‘Porque todos estão excitados a respeito disso?’ não fazia qualquer sentido para ele”.
Em 1953, a Universal lançou o sci-fi “A Ameaça veio do Espaço” dirigido por Jack Arnold, o primeiro do estudio utilizando a nova tecnologia. O filme foi um sucesso enorme de público, se tornando a sétima maior bilheteria do ano. Na mesma época, a primeira comédia em 3D foi lançada, um filme dos três Patetas “Spooks and Pardon My Backfire”.
No ano seguinte, em 1954, um eterno representante do horror clássico foi lançado pela Universal utilizando a tecnologia, “O Monstro da Lagoa Negra” dirigido pelo mesmo Jack Arnold e que gerou uma continuação, “A Vingança da Criatura”, que ainda usou o efeito e é lembrado como o último filme da “era de ouro do 3D” utilizando a técnica.
Um dos exemplos mais celebrados de bom uso da técnica é o clássico “Disque M para Matar” de Hitchcock que, ironicamente, não foi exibido na época de lançamento em 3D. Só foi lançado desta forma na década de 80 após um enorme sucesso em exibições teste nos Estados Unidos.
Após 1954, a técnica perdeu força com a chegada do formato Widescreen nos cinemas.
A volta do 3D na década de 80
Apesar de ter perdido força, o 3D nunca chegou a morrer e no início da década de 60 era comum o lançamento de exploitations obscuros utilizando anaglifos, levando a técnica para o “underground”.
Arch Oboler, responsável pela explosão do 3D na década de 50, reinventou um formato que utilizava sobreposição de imagens em apenas uma tela, o que facilitava a exibição e permitia ser exibido em Widescreen, sem possibilidade de ficar fora de sincronia.
A nova técnica trouxe de volta a possibilidade de exibição nos cinemas e uma nova compania especializada foi criada, chamada Stereovision. Já nos anos 70, lançou a comédia erótica softcore “The Stewardesses” que custou a bagatela de $100,000 e rendeu incríveis $27,000,000, se tornando o filme 3D mais rentável da história até aquele momento, recriando o interesse das majors pela técnica até então adormecida.
Com a chegada da década de 80, horror e filmes eróticos acabaram se tornando o alvo da renovada tecnologia 3D, rendendo diversas continuações de franquias já consagradas no formato e tornando a idéia de 3D como sendo um dispositivo promocional poderoso, já que poucas vezes o artifício era usado e acabava sendo um recurso muito mais desviar a atenção do público de roteiros frágeis e ruins.
Se tornou comum o clichê de lançar a “parte III” de uma franquia em 3D, fazendo uma analogia ao numero que o filme carregava. Abaixo uma lista de produções que utilizaram a técnica nos anos 80:
- Parasite (1982) – Esta tranqueira dirigida por Charles Band e contando com Demi Moore no elenco, se usou da tagline “The first futuristic monster movie in 3-D” para fazer caixa no cinema.
- Dogs of Hell aka Rottweiler (1982) – Esta desconhecida pérola conta com o técnico Chris Condon que serviu de consultor 3D para várias produções da época
- Friday the 13th Part III (1982) – Dirigido por Steve Miner e conhecido por ser o primeiro filme da franquia a ter Jason com a máscara de hoquei, o filme reciclou clichês como jogar a toda hora pessoas contra a tela.
- Amityville 3D (1983) – Considerado o início do declínio total de uma série já irregular, esta terceira parte foi lançada com recursos em terceira dimensão nos cinemas.
- Jaws 3D (1983) – Terceira parte da franquia iniciada por Steven Spielberg, o filme se usa do recurso 3D especialmente nas partes finais com a destruição de um parque aquático pelo tubarão.
- Hyperspace aka Gremloids (1984) – Estranho filme que parodia Star Wars, dirigida por Todd Durham e estrelando Chris Elliott (ator famoso posteriormente por estrelar em várias séries).
- Plan 3-D from Outer Space (1985) – O filme mais famoso de Ed Wood foi relançado nos cinemas em 3D na década de 80.
Foi nesse momento que o 3D ganhou fama de puro oportunismo por acompanhar produções pobres, com roteiros razos e até mesmo pouquíssimas cenas que utilizavam o recurso, sensação essa que perdura até hoje e fez escola para diversos diretores atuais voltarem a faturar dessa forma.
Ele vai te pegar!
Na década seguinte, alguns outros filmes de horror investiram na tecnologia, como a sexta parte de “A Hora do Pesadelo”, lançada em 1991, e tranqueiras como Dino Island II e T-Rex – Back to the Cretaceous.
James Cameron teve contato com a tecnologia em um curta para a Universal chamado “Terminator 2: 3-D: Battle Across Time” e, posteriormente, lançou “Into the Deep” para os cinemas Imax, inteiramente filmado em terceira dimensão.
O Segundo retorno nos anos 2000
Durante os anos 2000, a tecnologia foi muito utilizada em produções para Imax como viagens ao fundo do mar e curtas infantis até retornar com força no cinema através de Avatar. Somado à isso, diversos filmes foram relançados para cinemas especiais usando a tencologia como “A Noite dos Mortos Vivos” original e “The Nightmare Before Christmas”.
No cinema de horror e fantasia em geral, o 3D voltou com força estampando cartazes promocionais de filmes como “Premonição 4″, “Dia dos Namorados Macabro” e “Resident Evil: Retribuição”. Neste fim de semana, estreia o remake de “Poltergeist“, filmado no formato.
A antiga tecnologia não apenas pegou de assalto o cinema, mas também contagiou a industria eletrônica, que já lançou televisões que permitem o uso de efeitos em 3D. Videogames e outros dispositivos eletrônicos também prometem trazer uma experiência em terceira dimensão para o consumidor.
É bom ou é ruim ?
A volta do 3D no cinema sucita uma pergunta que qualquer cinéfilo deve estar se fazendo: “Isso vai ajudar a termos filmes melhores ou só vai piorar?”.
Apesar de ser uma pergunta generalista, é difícil analisar se o uso da tecnologia é benéfica de um modo geral, ou será apenas um dispositivo promocional usado por produtores para chamar público para os cinemas. Avatar pode ter inúmeros defeitos como filme, mas dá uma aula de como usar o 3D de forma a contribuir para uma experiência audio-visual diferente, talvez porque James Cameron concebeu o filme pensando no uso da tecnologia.
Entretanto, por outro lado, a parte ruim é que iniciada a moda, diversas produções que nada tinham a ver com o pastel inseriram algumas (poucas) cenas que utilizam a técnica e sairam vendendo seu peixe como sendo a ultima novidade 3D do momento. Se por um lado isso é interessante para a indústria do segmento, por outro é uma enganação total utilizando o hype para lucrar com o que, por sinal, foi o que matou o 3D nas outras duas vezes em que se tornou mania.
E apesar de ser uma tecnologia promissora, em especial pela evolução enorme dos efeitos especiais, pode acabar sendo sinônimo de oportunismo na mão de produtores mal-intencionados que entreguem ao consumidor trabalhos mal feitos, sem sentido nenhum e que se escondem atrás de uma ceninha onde alguém é jogado contra a tela.
O próprio Tim Burton, que dirigiu “Alice no País das Maravilhas” utilizando a tecnologia, falou:
“Com certeza nós iremos ver vários filmes em 3D péssimos em um futuro próximo, porque Hollywood canibaliza qualquer coisa por sucesso, é como a indústria funciona… É algo incrível quando você o usa como uma ferramenta técnica e não como uma arma poderosa”.
A tentativa de enfiar a tecnologia guela a baixo do consumidor também é cretina, televisões com 3D são caríssimas e não fogem do uso dos tradicionais (e incitadores de dores de cabeça) óculos, prometendo mundos e fundos com belos comerciais, mas esbarrando nas limitações que já existem há, pelo menos, 5 décadas.
Se vai passar? Bem, das outras duas vezes em que se tornou mania, o 3D acabou morrendo vítima de quem o explorou de forma errada. Mas agora, apesar de acontecer a mesma coisa, uma enorme parte da indústria descobriu a nova mina de ouro e por algum tempo ouviremos falar desta antiga tecnologia, requentada por quem a esqueceu…