quarta-feira , 25 dezembro , 2024

Retro Dance #03 | O intimismo derradeiro de Amy Winehouse e do clássico ‘Back to Black’

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Na terceira edição do especial Retro Dance, voltamos uma década e meia no passado para analisar o classicismo instantâneo de Back to Black, a magnum opus da saudosa Amy Winehouse.

Amy Winehouse deixou e continua a deixar saudades desde seu trágico falecimento em 2011. Dona de uma voz única, Winehouse apostou fichas em estilos que não estavam em voga à época de sua ascensão no cenário fonográfico – trazendo de volta o soul e o jazz ao escopo mainstream com longevidade notável e que, até hoje, continua a influenciar a nova geração de artistas. E é quase óbvio dizer que sua magnum opus se deu em 2006, com o lançamento do aclamado Back to Black (considerado por diversos especialistas musicais como um dos melhores álbuns não só do século, mas também da história da música).



Aliando-se aos produtores Mark Ronson e Salaam Remi, Amy foi influenciada diretamente pelas incursões artísticas dos grupos femininos dos anos 1960 – como Gladys Knight & The Pips, The Marvelettes e The Sisters Lovers (todas curadas sob o emblema da Motown). A ideia de construir o álbum veio logo depois da estreia de seu début, ‘Frank’, em 2002. Um ano mais tarde, redescobriu o estilo musical supracitado para começar a delinear uma série de sucessos comerciais e críticos que teria, como pontapé inicial, a premiada “Rehab”: a divertida e nostálgica faixa, infundida em soul e R&B, se tornou uma das assinaturas da cantora e compositora, levando, inclusive, os prêmios de Gravação do Ano e Música do Ano na 50ª cerimônia do Grammy Awards. E é evidente que ninguém poderia entregar a canção senão Amy, fosse por sua íntima conexão com a letra, fosse por uma rendição memorável que a colocaria no centro dos holofotes.

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Mas não foi apenas essa faixa que conquistou os fãs e os críticos. Ao perceber que tinha uma mina de ouro nas mãos, a Island Records (produtora responsável pelo disco) investiu esforços em outros quatro singles oficiais – entretanto, Winehouse não tinha interesse em se tornar mundialmente conhecida ou se deleitar na fama; tudo o que sempre quis fazer era cantar e poder compartilhar de sua arte com os outros. Não é surpresa, pois, que as incursões fonográficas de Back to Black atravessam a barreira do espaço-tempo e emergem em um cosmos único, movido a uma idiossincrasia invejável que envelhece da melhor maneira possível – consagrando-se como pérolas atemporais que apenas melhoram com o pássaro do tempo.

Temos, por exemplo, a subestimada “You Know I’m No Good” (faixa favorita deste que voz escreve), arquitetada sob uma estrutura que mistura blues e hip hop em uma envolvente narrativa de autoconhecimento e pincelada com alguns dos versos mais bem escritos do século; a track titular, reconhecida de longe até pelos ouvidos menos treinados, abre espaço para o funk em uma ecoante e sinestésica balada que fala sobre um relacionamento falido e que faz a performer “voltar para o escuro”, confinada em seus próprios pensamentos e sentindo que é incapaz de escapar deles; “Tears Dry on Their Own” já se volta para incursões mais pop, fundindo-se a interpolações de Marvin Gaye e Tammi Terrell e narrando sobre um amor que foi embora; e “Love Is a Losing Game”, servindo como single de encerramento dessa exuberante era, é uma tocante balada que explora os altos e os baixos do amor.

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Back to Black é uma produção movida à melancolia, porém, não através de fórmulas cansativas; aqui, Amy demonstra uma habilidade lírica que rompe as barreiras entre a música e a literatura, conseguindo expressar sentimentos universais através de experiências pessoais e despindo-se de quaisquer armaduras para transformar a obra em uma carta declamatória e essencial. Há um estado de prostração proposital e bem-vindo que acompanha cada uma das faixas, permitindo que a música sirva como palanque para que ela consiga colocar afora o que engolia há muito tempo – sem deixar que as burocracias da indústria a tirassem de si mesma. Ora, é notável como ela detém todo o aparato criativo para fazer o que bem entender (e o que nos faz amar tanto o álbum quanto a artista mais ainda, se é que isso é possível).

A concepção da obra é narcótica, saudosista e, ao mesmo tempo, demonstra uma urgência de originalidade que permitiu que o cenário da música tomasse outro rumo: em outras palavras, Adele, Duffy e Estelle conseguiram se estabelecer dentro da ressurgência do soul, boa parte de suas conquistas se deve ao pioneirismo de Amy – que é citada constantemente como uma grande influência. Em 2006, o disco permitiu que resquícios de um experimentalismo sonoro voltassem a cair no gosto do público, permitindo que um gênero outrora usurpado pela elite conseguisse voltar para as massas e garantir sua sobrevivência do modo mais orgânico possível. Para além das tracks promocionais supracitadas, iterações como “Me & Mr. Jones”, “Some Unholy War” e “He Can Only Hold Her” permitiram que o mid-tempo entrasse em conflito com o dance-pop e o EDM, que dominavam as paradas e as playlists.

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Falar do espetacular anacronismo de Back to Black é cair na redundância; afinal, Amy Winehouse fez história ao comandar o álbum, permitindo que a arte se desdobrasse e se remodelasse a seu bel-prazer. O resultado já conhecemos: a performer e a obra, inalienáveis entre si, continuam a conquistar os fãs e a angariar novos seguidores – um feito que não é comum e que reafirma a potência e a majestosidade de uma das maiores vozes de todos os tempos.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Amy Winehouse deixou e continua a deixar saudades desde seu trágico falecimento em 2011. Dona de uma voz única, Winehouse apostou fichas em estilos que não estavam em voga à época de sua ascensão no cenário fonográfico – trazendo de volta o soul e o jazz ao escopo mainstream com longevidade notável e que, até hoje, continua a influenciar a nova geração de artistas. E é quase óbvio dizer que sua magnum opus se deu em 2006, com o lançamento do aclamado Back to Black (considerado por diversos especialistas musicais como um dos melhores álbuns não só do século, mas também da história da música).

Aliando-se aos produtores Mark Ronson e Salaam Remi, Amy foi influenciada diretamente pelas incursões artísticas dos grupos femininos dos anos 1960 – como Gladys Knight & The Pips, The Marvelettes e The Sisters Lovers (todas curadas sob o emblema da Motown). A ideia de construir o álbum veio logo depois da estreia de seu début, ‘Frank’, em 2002. Um ano mais tarde, redescobriu o estilo musical supracitado para começar a delinear uma série de sucessos comerciais e críticos que teria, como pontapé inicial, a premiada “Rehab”: a divertida e nostálgica faixa, infundida em soul e R&B, se tornou uma das assinaturas da cantora e compositora, levando, inclusive, os prêmios de Gravação do Ano e Música do Ano na 50ª cerimônia do Grammy Awards. E é evidente que ninguém poderia entregar a canção senão Amy, fosse por sua íntima conexão com a letra, fosse por uma rendição memorável que a colocaria no centro dos holofotes.

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Mas não foi apenas essa faixa que conquistou os fãs e os críticos. Ao perceber que tinha uma mina de ouro nas mãos, a Island Records (produtora responsável pelo disco) investiu esforços em outros quatro singles oficiais – entretanto, Winehouse não tinha interesse em se tornar mundialmente conhecida ou se deleitar na fama; tudo o que sempre quis fazer era cantar e poder compartilhar de sua arte com os outros. Não é surpresa, pois, que as incursões fonográficas de Back to Black atravessam a barreira do espaço-tempo e emergem em um cosmos único, movido a uma idiossincrasia invejável que envelhece da melhor maneira possível – consagrando-se como pérolas atemporais que apenas melhoram com o pássaro do tempo.

Temos, por exemplo, a subestimada “You Know I’m No Good” (faixa favorita deste que voz escreve), arquitetada sob uma estrutura que mistura blues e hip hop em uma envolvente narrativa de autoconhecimento e pincelada com alguns dos versos mais bem escritos do século; a track titular, reconhecida de longe até pelos ouvidos menos treinados, abre espaço para o funk em uma ecoante e sinestésica balada que fala sobre um relacionamento falido e que faz a performer “voltar para o escuro”, confinada em seus próprios pensamentos e sentindo que é incapaz de escapar deles; “Tears Dry on Their Own” já se volta para incursões mais pop, fundindo-se a interpolações de Marvin Gaye e Tammi Terrell e narrando sobre um amor que foi embora; e “Love Is a Losing Game”, servindo como single de encerramento dessa exuberante era, é uma tocante balada que explora os altos e os baixos do amor.

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Back to Black é uma produção movida à melancolia, porém, não através de fórmulas cansativas; aqui, Amy demonstra uma habilidade lírica que rompe as barreiras entre a música e a literatura, conseguindo expressar sentimentos universais através de experiências pessoais e despindo-se de quaisquer armaduras para transformar a obra em uma carta declamatória e essencial. Há um estado de prostração proposital e bem-vindo que acompanha cada uma das faixas, permitindo que a música sirva como palanque para que ela consiga colocar afora o que engolia há muito tempo – sem deixar que as burocracias da indústria a tirassem de si mesma. Ora, é notável como ela detém todo o aparato criativo para fazer o que bem entender (e o que nos faz amar tanto o álbum quanto a artista mais ainda, se é que isso é possível).

A concepção da obra é narcótica, saudosista e, ao mesmo tempo, demonstra uma urgência de originalidade que permitiu que o cenário da música tomasse outro rumo: em outras palavras, Adele, Duffy e Estelle conseguiram se estabelecer dentro da ressurgência do soul, boa parte de suas conquistas se deve ao pioneirismo de Amy – que é citada constantemente como uma grande influência. Em 2006, o disco permitiu que resquícios de um experimentalismo sonoro voltassem a cair no gosto do público, permitindo que um gênero outrora usurpado pela elite conseguisse voltar para as massas e garantir sua sobrevivência do modo mais orgânico possível. Para além das tracks promocionais supracitadas, iterações como “Me & Mr. Jones”, “Some Unholy War” e “He Can Only Hold Her” permitiram que o mid-tempo entrasse em conflito com o dance-pop e o EDM, que dominavam as paradas e as playlists.

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Falar do espetacular anacronismo de Back to Black é cair na redundância; afinal, Amy Winehouse fez história ao comandar o álbum, permitindo que a arte se desdobrasse e se remodelasse a seu bel-prazer. O resultado já conhecemos: a performer e a obra, inalienáveis entre si, continuam a conquistar os fãs e a angariar novos seguidores – um feito que não é comum e que reafirma a potência e a majestosidade de uma das maiores vozes de todos os tempos.

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