A cantora britânica Paloma Faith definitivamente é um nome não muito conhecido no cenário musical atual, mas sem sombra de dúvidas deixou sua marca em 2009 quando lançava seu primeiro álbum de estúdio, ‘Do You Want the Truth or Something Beautiful?’, no qual colocava sua marca pessoal em uma lista de adoráveis e dinâmicas dez músicas. Mas diferente de outras cantoras da era digital, Faith mergulhava em um estilo único, fundindo o melhor do pop, do rock, do jazz e do soul, com algumas pitadas deliciosas de um gospel mezzosoprano de tirar o fôlego. E ainda que não tenha ganhado muita visibilidade desde que resolveu produzir seu próprio disco com ajuda da Epic, essa voz representa o melhor do passado, do presente e do futuro.
O álbum já começa com um frenético rock-country que nos transporta direto para os anos 1990 e 2000, na altiva “Stone Cold Sober”, cuja guitarra casa perfeitamente com a bateria e já prepara terreno para a suave voz da cantora, que caminha em um interessante, porém convencional crescendo, culminando em um pré-coro um tanto quanto estranho para a composição geral. Entretanto, a mudança de tom e os breaks que fazem parte da principal estrutura são meticulosamente pensados, ainda que com um objetivo mais comercial que intimista – não é surpresa que possa desagradar a alguns ouvintes. Porém, o modo com o qual Faith brinca com suas habilidades vocais é algo a se levar bastante em consideração, principalmente conforme seguimos o curso do CD.
Paloma busca por uma mixórdia perigosa ao unir diversos gêneros musicais; entretanto, a esperada saturação acaba criando camadas muito envolventes e bem colocadas que aumentam toda a complexidade e as mensagens que ela deseja passar. Em meio às suas tentativas de viver consigo mesmo e com seus medos, ela se entrega para canções contraditórias entre si – que começam com a quase perfeita “Smoke and Mirrors”, que buscam referências até mesmo com Dolly Parton em uma versão mais contemporânea para finalizar a si mesma. O caminho trilhado aqui pode até ser previsível, mas mesmo assim encontra algumas brechas para a artista mostrar a que veio – e ela faz isso com falsetes irretocáveis.
Já em “Broken Doll”, Faith mergulha em uma homenagem sincera para uma das divas mais recentes do blues e do jazz, Amy Winehouse. O silencioso grito de desespero da faixa em questão é o que mantém relações com a aceitação e resignação de Winehouse em “You Know I’m No Good”, principalmente quando diz para seu amado e para o próprio público que era a própria definição de “problemas”. À prima vista, as duas construções se assimilam pela voz e pela entrada no piano clássico – até mesmo pelas referências a “componentes” do cenário jazz, seja a bebida, seja a vitrola quebrada, seja seu pesaroso sofrimento.
É claro que o álbum tem seus altos e baixos, procurando por uma zona de conforto conforme passamos da metade e nos aproximamos da aprazível conclusão. Enquanto “Romance Is Dead” é bastante prática, ela peca um pouco em sua falta de originalidade, ainda que abra espaço considerável para os vocais da lead singer. O início fabulesco e fixado ao piano é um acompanhamento perfeito para a infeliz unidimensionalidade; no refrão, ela acaba por se encontrar no conformismo do pop, e, mesmo assim, consegue se entregar muito mais que diversas conterrâneas. O que quebra essa “magia”, por assim dizer, é a adição inexplicável dos maneirismos do synth pop, incluindo o teclado eletrônico.
Paloma se reencontra nas próximas canções, principalmente em “New York” e “My Legs Are Weak”, duas rendições que deixam bem claro o tema de suas composições: o apreço pela teatralidade musical. Desde o pano de fundo místico até as oscilações dos instrumentos principais, é muito fácil visualizar a cantora entregando-se a performances de tragicomédias musicais, encarnando em cada uma das faixas uma personagem única. Talvez em “Stargazer” ela volte a um puerilismo desnecessário, mas ainda se mantém fiel à própria identidade.
De qualquer forma, é a música-título e “Upside Down” que acabam roubando os holofotes mais que qualquer outra produção. Naquela, a única coisa que talvez incomode os ouvidos mais atentos seja a transição entre alguns dos atos, mas o encontro entre o clássico e o novo se concretizam com extrema força aqui. O baixo e a guitarra ao fundo são a base necessária para que Faith entregue-se de corpo e alma aos seus escritos vocalizados – e até mesmo os violinos aumentam a catarse que produz nos ouvintes, brincando com nossas percepções ao transitar entre vários tons. E mais: a letra é carregada com um tom confessional e ao mesmo tempo acusatório, que praticamente dá um ultimato ao interlocutor em questão.
Já nesta, a perfeição está em contradizer-se no tocante ao ritmo da anterior e, ao mesmo tempo, completá-la. Aqui, ela não aceita que os outros a tratem como tola, mas ela mesma prefere viver “invertida” ao que os outros consideram normal. Entretanto, o que nos rouba quase imediatamente é a deliciosa construção que nos joga de volta para os anos 1950, principalmente com a participação dos backing vocals enquanto a cantora mais uma vez diverte-se em uma narrativa. A bateria, a guitarra e o piano elétrico também contribuem para a construção de uma atmosfera extremamente dançante que não cai em fórmulas.
‘Do You Want the Truth or Something Beautiful?’ é um começo praticamente perfeito para Paloma Faith, inclusive por permitir que una o melhor de todos os mundos em um único local. E o mais interessante é que os deslizes, mesmo existindo, parecem ser propositais para aumentar nossas expectativas e nos envolver em uma experiência nova e bastante interessante.