Em 2007, Lindsey Stirling começava de fato sua carreira ao abrir seu canal no YouTube e mostrar ao mundo uma junção inesperada de duas vertentes musicais que aparentemente não se misturavam: o gênero clássico e o dubstep. Em meio a suas memoráveis composições que se iniciaram com competentes covers de ‘O Senhor dos Anéis’, ‘O Fantasma da Ópera’ e ‘Piratas do Caribe’, Stirling ganhou fama ao participar do reality show ‘America’s Got Talent’, estreando na carreira solo em 2012 com seu álbum homônimo. E, dois anos depois de ter lançado ‘Warmer in the Winter’, a artista retornou aos holofotes com uma produção que beirou o impecável e que a reafirmou como um dos grandes nomes desse ainda novo suis-generis.
Em cada uma de suas iterações, Lindsey se propõe a quebrar os tabus engessados pela academia ao violino, seu principal instrumento de trabalho – e isso não seria diferente em ‘Artemis’, uma nova jornada épica que se vale bastante da sinestesia sonora (ainda mais se levarmos em conta que ela não se vale de vocais para expandir seu legado). Nessa epopeia propositalmente atemporal, ela nos convida a conhecer lugares mágicos saídos do mais profundo das nossas imaginações, permitindo que nos deliciemos com pequenas joias artísticas que divergem para longe de quaisquer convencionalismos que tenhamos ouvido antes. Mergulhando em uma experiência sensorial que se restringe, é claro, às híbridas composições de pop, synth-pop e um apreço pelo barroco, Stirling se consagra como nunca antes – mesmo se respaldando em algumas repetíveis progressões musicais.
O álbum se inicia com o abafado e saudosista prólogo de “Underground”, acompanhado da sutileza dramática do piano. Munida de seu costumeiro e reconhecível Cleopatra, a violinista espera o momento certo antes de se render a uma arquitetura obscura e épica (já presente em diversos hits, como “Crystallize” e “Shatter Me”), ambientada num caótico futuro do qual, através da sonoridade dissonante, ela tenta fugir de alguma maneira. Mais do que isso, Lindsey parece se afastar das fórmulas eletrônicas presentes em peças anteriores e opta por uma transição menos marcada do drop – até mesmo os bridges se recusam a fragmentar-se durante os mais de quatro minutos da canção.
Se a persona que nos guia nessa aventura se livra de suas amarras ao encarnar a deusa que empresta seu nome ao título, ela alcança todo o seu poder na track seguinte, “Artemis”. Já era de se esperar que a artista canalizasse seus esforços para uma investida epônima, também encontrando território fértil para diversas homenagens estéticas e extremamente nostálgicas. Não é surpresa que a delineação sonora mantenha relações exímias com John Williams, mais especificamente para com seu trabalho na franquia ‘Star Wars’; Stirling não pensa duas vezes antes de imprimir sua emulação – e mais, consegue fazer isso com emocionante perfeição.
Ela também se aproveita de seu status revolucionário para entregar-se a uma breve performance vocal que resgata o misticismo de múltiplas histórias fantásticas, adicionando elementos orquestrais que funcionam e se completam de modo invejável e arrepiante. Essa talvez seja a razão pela qual a violinista une grande parte das músicas em um mesmo escopo cíclico, construindo uma narrativa com começo, meio e fim que dialoga até mesmo com as concepções clássicas do monomito. Para além disso, ela também permite que as entradas sintéticas tão presentes para modernizar suas rendições insurjam através de inesperadas menções – em “Til the Light Goes Out”, por exemplo, temos o bombardeio explícito do folk europeu, enquanto “Masquerade” abre com uma versão original dos cabarés do meio-oeste norte-americano.
De fato, é óbvio o apreço do qual Lindsey nutre para suas estruturações: seja com a inebriante e nórdica balada que cria em “Between Twilight”, seja com o synth-goth de “Foreverglow”, que também explora a melodia declamatória da mezzosoprano, ela prefere muito mais carregar a si mesma até impactantes catarses do que se recuar em qualquer coisa que já tenha feito em sua breve carreira. Porém, por mais que suas tentativas sejam puras, ela por vezes tangencia a repetição, utilizando-se dos mesmos acordes em tracks variadas ao invés de almejar a algo novo: é por isso que canções como “Aurora” e “Guardian” nutrem de similaridades com iterações do mesmo CD e até mesmo de anteriores, perdendo certo brilho – mesmo que, eventualmente, sejam satisfatórias o bastante.
Stirling também colabora com dois nomes de extenso peso vocal e que provavelmente serão reconhecidos por seus fãs: a artista se encontra numa harmonização onírica ao lado de Amy Lee em “Love Goes On and On”, na qual ambas se voltam para uma espécie de louvação majestosa e orquestral, esbarrando na beleza da atuação operística. E, como se não bastasse, também se reúne com Elle King na segunda versão de “The Upside” – que talvez seja a entrada mais fragmentada: apesar de dançante e comovente, ela carrega consigo uma superficialidade incoerente com o álbum em si, valendo-se de padrões já exaustivamente presentes na indústria fonográfica do synth-pop e até o trap.
‘Artemis’ é mais uma ótima entrada à discografia de Lindsey Stirling e, ao mesmo tempo que dialoga com seus discos anteriores, reinventa a si mesma em uma envolvente jornada mítica. Não é surpresa, pois, que a violinista seja uma das musicistas expoentes de sua geração – e mereça muito mais reconhecimento do que tem.