sábado , 2 novembro , 2024

Retro Dance #19 | ‘Symptoms’ e o sensível amadurecimento de Ashley Tisdale

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Ashley Tisdale iniciou sua carreira dupla de atriz e cantora no canal Disney Channel e ganhou uma fama inenarrável após protagonizar a trilogia ‘High School Musical‘ como a memorável Queen Bee Sharpay Evans. Logo depois de ter conquistado fãs no mundo inteiro e lançado duas produções que até hoje fazem parte da cultura de várias pessoas, ela resolveu se afastar dos palcos, evitando os holofotes para lidar com problemas pessoais que, eventualmente, culminaram em seu amadurecimento tanto como pessoa quanto como artista.

Não é surpresa, pois, que ‘Symptoms‘  represente uma gigantesca mudança em seu escopo profissional e, levando em conta sua pausa na carreira, é de suma importância compreender esse hiato inesperado para absorver as sutis mensagens que ela nos entrega ao longo de nove faixas interessantes e ousadas, arquitetando uma jornada tour-de-force que reflete suas angústias. Ora, nada mais autoexplicativo que o próprio título do disco para nos dar uma pista bem clara do que esperar nas múltiplas composições. E, diferente de seu trabalho anterior, ‘Guilty Pleasure‘, ela se firma como uma complexa profissional da indústria fonográfica, afastando-se de realizações clichês e infantilizada para tratar de temas importantes de forma didática e deliciosamente controversa.

Tisdale encontra terreno fértil para trabalhar acerca de si mesma. Após enfrentar as ruínas de problemas psicossomáticos, vê-se defronte a um turbilhão de emoções canalizado nos esforços da canção que empresta seu nome ao álbum. Já aqui, ela procura vertentes do indie-pop e do trap (que são carregados fluidamente para as outras faixas) e mostra que não veio para entregar o que todos esperavam, mas sim algo que refletisse sua imagem como ser humana, dotada de todas as múltiplas facetas de alguém vulnerável e fragilizado por obscuros fantasmas. A sonoridade líquida é o que mais nos chama a atenção, talvez com exceção do refrão (à prima vista estranho para os ouvintes) e, combinada a uma letra árdua que facilmente se confunde com uma perturbada declaração de amor, dá nome às cartas do jogo de forma aplaudível: “mantenha distância, cuidado para não chegar muito perto” é a frase principal que nos ameaça por sua morte envolvência e resume a premissa principal de seu desabafo.

O CD permanece em sua única contraditoriedade do começo ao fim e, conforme nos aproximamos das últimas tracks, percebemos que a viagem terapêutica promovida por Ashley funcionou – não é à toa que as baladas travestidas de pop contemporâneo deixam de existir para dar vida a “Feeling So Good“, uma conclusão necessária, porém formulaica e previsível, até mesmo pelo uso dos saturados sintetizadores e o repetitivo refrão. Aliás, ainda que as mensagens positivas e de autoaceitação falem mais alto, é notável dizer que ‘Symptoms‘ perde um pouco de seu brilho pela quase reciclagem das canções.

Em outras palavras, são poucas as melodias que não fogem do convencionalismo – mas não se enganem: não há nada de genérico no tocante às poderosas letras, cada uma tratando de um obstáculo enfrentado pelo eu lírico até encontrar sua paz interior. “Voices In My Head“, entretanto, alcança algo novo em que o ritmo animador contrasta com as inseguranças da cantora (“todas as vozes na minha cabeça sempre tentando me quebrar”), enquanto “Love Me & Let Me Go“, a inicial e quase imperceptível guitarra contemporânea se moderniza e se reinventa até alcançar um refrão ecoante movido por batidas eletrônicas propositalmente obscuras. Nesse ponto, suas frustrações já começam a se materializar de modo mais complicado, tratando de um tóxico relacionamento que acaba e a liberta.

Insomnia“, por sua vez, insurge como um pedido de socorro e de empatia para aqueles à sua volta – mais precisamente para seu marido, Christopher French, com quem mantém uma relação refletida e reafirmada pelas múltiplas investidas acústicas que realizaram juntos. Logo depois, “Vibrations” dá suas caras e ganha ares experimentalistas, resgatando elementos do synthpop para falar de coisas que a alegram, como ficar em casa, abrir uma garrafa de vinho e esquentar uma comida rápida no microondas – algo que, a priori, pode parecer superficial, mas é a representação de maior humildade e conforto que podemos buscar. “Under Pressure“, que já preconiza o final do disco, traz de volta a guitarra em midtempo que se acelera em um chorus mais acuado, negando – ou pelo menos colocando uma camada novamente paradoxal – a “vida sob pressão” sobre a qual Ashley disserta.

O terceiro álbum de estúdio de Tisdale é um inegável e envolvente coming-of-age que, em meio a estruturações declamatórias, perde um pouco o fio da meada ao se manter em uma zona protetiva que não explora o potencial que nos apresenta. De qualquer forma, é sempre bom vê-la retornando ao que gosta de fazer e, por essa razão, não podemos deixar de enxergar a obra como um grande reencontro dela consigo mesma.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Não é surpresa, pois, que ‘Symptoms‘  represente uma gigantesca mudança em seu escopo profissional e, levando em conta sua pausa na carreira, é de suma importância compreender esse hiato inesperado para absorver as sutis mensagens que ela nos entrega ao longo de nove faixas interessantes e ousadas, arquitetando uma jornada tour-de-force que reflete suas angústias. Ora, nada mais autoexplicativo que o próprio título do disco para nos dar uma pista bem clara do que esperar nas múltiplas composições. E, diferente de seu trabalho anterior, ‘Guilty Pleasure‘, ela se firma como uma complexa profissional da indústria fonográfica, afastando-se de realizações clichês e infantilizada para tratar de temas importantes de forma didática e deliciosamente controversa.

Tisdale encontra terreno fértil para trabalhar acerca de si mesma. Após enfrentar as ruínas de problemas psicossomáticos, vê-se defronte a um turbilhão de emoções canalizado nos esforços da canção que empresta seu nome ao álbum. Já aqui, ela procura vertentes do indie-pop e do trap (que são carregados fluidamente para as outras faixas) e mostra que não veio para entregar o que todos esperavam, mas sim algo que refletisse sua imagem como ser humana, dotada de todas as múltiplas facetas de alguém vulnerável e fragilizado por obscuros fantasmas. A sonoridade líquida é o que mais nos chama a atenção, talvez com exceção do refrão (à prima vista estranho para os ouvintes) e, combinada a uma letra árdua que facilmente se confunde com uma perturbada declaração de amor, dá nome às cartas do jogo de forma aplaudível: “mantenha distância, cuidado para não chegar muito perto” é a frase principal que nos ameaça por sua morte envolvência e resume a premissa principal de seu desabafo.

O CD permanece em sua única contraditoriedade do começo ao fim e, conforme nos aproximamos das últimas tracks, percebemos que a viagem terapêutica promovida por Ashley funcionou – não é à toa que as baladas travestidas de pop contemporâneo deixam de existir para dar vida a “Feeling So Good“, uma conclusão necessária, porém formulaica e previsível, até mesmo pelo uso dos saturados sintetizadores e o repetitivo refrão. Aliás, ainda que as mensagens positivas e de autoaceitação falem mais alto, é notável dizer que ‘Symptoms‘ perde um pouco de seu brilho pela quase reciclagem das canções.

Em outras palavras, são poucas as melodias que não fogem do convencionalismo – mas não se enganem: não há nada de genérico no tocante às poderosas letras, cada uma tratando de um obstáculo enfrentado pelo eu lírico até encontrar sua paz interior. “Voices In My Head“, entretanto, alcança algo novo em que o ritmo animador contrasta com as inseguranças da cantora (“todas as vozes na minha cabeça sempre tentando me quebrar”), enquanto “Love Me & Let Me Go“, a inicial e quase imperceptível guitarra contemporânea se moderniza e se reinventa até alcançar um refrão ecoante movido por batidas eletrônicas propositalmente obscuras. Nesse ponto, suas frustrações já começam a se materializar de modo mais complicado, tratando de um tóxico relacionamento que acaba e a liberta.

Insomnia“, por sua vez, insurge como um pedido de socorro e de empatia para aqueles à sua volta – mais precisamente para seu marido, Christopher French, com quem mantém uma relação refletida e reafirmada pelas múltiplas investidas acústicas que realizaram juntos. Logo depois, “Vibrations” dá suas caras e ganha ares experimentalistas, resgatando elementos do synthpop para falar de coisas que a alegram, como ficar em casa, abrir uma garrafa de vinho e esquentar uma comida rápida no microondas – algo que, a priori, pode parecer superficial, mas é a representação de maior humildade e conforto que podemos buscar. “Under Pressure“, que já preconiza o final do disco, traz de volta a guitarra em midtempo que se acelera em um chorus mais acuado, negando – ou pelo menos colocando uma camada novamente paradoxal – a “vida sob pressão” sobre a qual Ashley disserta.

O terceiro álbum de estúdio de Tisdale é um inegável e envolvente coming-of-age que, em meio a estruturações declamatórias, perde um pouco o fio da meada ao se manter em uma zona protetiva que não explora o potencial que nos apresenta. De qualquer forma, é sempre bom vê-la retornando ao que gosta de fazer e, por essa razão, não podemos deixar de enxergar a obra como um grande reencontro dela consigo mesma.

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Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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