quarta-feira, agosto 20, 2025
More
    InícioDestaqueRetro Dance #25 | A jornada hedonista de Jessie Ware com a...

    Retro Dance #25 | A jornada hedonista de Jessie Ware com a obra-prima ‘What’s Your Pleasure’

    Se há alguém que definitivamente merecia mais reconhecimento que tem, esse alguém é Jessie Ware. A cantora e compositora britânica sempre fez questão de trilha o próprio caminho, arquitetando obras-primas do cenário fonográfico contemporâneo à medida que eternizou uma estética que encapsulou presente e passado em um mesmo lugar. Ora, é só nos lembrarmos do memorável compilado de originais que lançou em 2023, ‘That! Feels Good!’, um arauto dance e disco que se sagrou como uma das melhores incursões do século. Porém, cinco anos atrás, Ware nos convidava para uma suntuosa e apaixonante jornada por incontáveis gêneros musicais com sua magnum opus, ‘What’s Your Pleasure?’.

    O compilado de originais, de fato, marcou uma grande mudança na identidade estética de Ware, afastando-a de investidas mais sombrias e introspectivas e impulsionando-a a buscar uma atmosfera de puro hedonismo criativo. Contando com doze faixas minuciosamente construídas por um time de habilidosas mãos, que inclui o produtor James Ford, a obra é uma celebração do prazer, do amor incondicional e da riqueza (seja ela como for), engendrando um cosmos escapista que é influenciado pelo disco, pelo dance-pop, pelo funk, pelo Hi-NRG e por escolhas cinemáticas que nos arrancam de uma dura realidade para nos mostrar que, no final das contas, precisamos nos libertar das amarras que nos mantêm presos.

    YouTube video

    É notável como a performer faz um claro movimento de introspecção e evocação para transformar declamações pessoalistas em joias universais, pautadas em um arranjo narcótico de instrumentos que nos fisga desde os primeiros segundos. Abrindo com a poderosa e inspiradora “Spotlight”, Ware dá as cartas do jogo a seu bel-prazer, navegando pelas pulsões de um eu-lírico que não deseja nada além do mais puro dos amores, seja ele como for. “Não é o bastante dizer que eu penso em você; palavras nunca conseguem fazer o que eu preciso que elas façam” são os versos que dão início a essa espetacular sinestesia musical, apoiando-se na sutileza de sintetizadores oitentistas que acompanham vocais sensuais e uma rendição que clama pela materialização de um sonho romântico e derradeiro.

    A ideia por trás desse compilado, como já mencionado, é explorar as múltiplas camadas do hedonismo em uma maximização apaixonante, saudosista e envolvente. Singrando entre a sensualidade eletrônica da faixa-título, que inclusive entrou para nossa lista de Melhores Músicas Internacionais do Século, e a defesa de um reencontro consigo mesma em “Remember Where You Are”, Ware mergulha de cabeça em uma coesa narrativa que é relembrada até os dias de hoje e que lhe deu forças para seguir em frente com uma discografia que ainda tem muito para contar. Afinal, imaginar que a cantora e compositora iria se aposentar após esse álbum parece algo criminoso, levando em consideração todo o aparato artístico que sempre empregou em cada um de seus discos.

    YouTube video

    O disco, lançado em meados da pandemia de COVID-19, foi um abraço reconfortante em meio a épocas difíceis, em que a quarentena mandatória e a supressão da conexão humana servem de força-motriz para um amadurecido rearranjo de elementos muito familiares. “Adore You” e “Mirage (Don’t Stop)” mergulham em uma proposital repetição cíclica que funciona com praticidade inenarrável, denotando uma predileção da performer a críticas à indústria musical e de que forma ela passa por mortes e ressurreições. “Save a Kiss” posta-se como uma espécie de balada romântica que dialoga com “Read My Lips”, em que elementos do new wave e do deep-house se encontram em vibrantes peças sonoras.

    Há uma clara jocosidade que acompanha certas tracks do álbum e que parte de uma alegre sutileza que ela emprega em suas rendições: “Ooh La La” e “Soul Control” partem de premissas um tanto quanto sexuais, por assim dizer, mas não da mesma maneira explícita que vemos em ‘That! Feels Good!’; pelo contrário, Ware não tem medo se explorar sua sexualidade e sabe que narrar sobre tais assuntos é uma forma de empoderamento que está de acordo com a estética inebriante do projeto. É a partir daí que ela assina contos que nos engolfam em uma ambientação única, fora da cronologia como a conhecemos, de maneira a afirmar que não existe nada além daquilo que mais desejamos e ansiamos – procurando pincelar esses estandartes do prazer com uma ambígua melancolia inspiradora.

    YouTube video

    O álbum nutre de similaridades com outras produções da época que escolheram revisitar o classicismo dos anos 1990 e 2000, incluindo ‘Chromatica’, de Lady Gaga, e ‘Honey’, de Robyn. Porém, enquanto as inspirações são claras, Ware não tem medo de explorá-las a um nível diferenciado que não carece de comparações, e sim de forma a revelar como tantas artistas conseguem trabalhar para um propósito em comum – cada qual com sua identidade. E, dentro desse espectro, Ware destaca-se por infundir diligências com um coming-of-age que serviria de base para os anos seguintes e que se tornaria, mesmo que indiretamente, um emblema para vários artistas – como RAYE e a lendária Kylie Minogue.

    Cinco anos depois de seu lançamento oficial, ‘What’s Your Pleasure’ continua a colher frutos de impecáveis corolários, reiterando o poder criativo de uma das artistas que merecia ter mais horas no centro dos holofotes do que possui. Não é surpresa que, pouco a pouco, ouvintes redescobrem essa obra-prima musical e entendem o que significa fazer arte.

    Últimas Notícias