domingo , 22 dezembro , 2024

Sem Mushu e músicas, ‘Mulan’ é um espetáculo visual com roteiro pouco inspirado

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São poucas as pessoas que não conhecem ou não ouviram falar da clássica animação Mulan. Lançada em 1998 pela Walt Disney, o filme carrega consigo um legado revolucionário que não apenas finalizou a Era de Ouro de um dos maiores impérios cinematográficos de todos os tempos, mas também apresentou um terreno totalmente diferente do eurocentrismo exacerbado da Casa Mouse – que seria explorado novamente em longas-metragens futuros. Tal foi nossa surpresa quando, seguindo as diversas releituras em live-action, o remake do filme foi anunciado – e mais do que isso: iria mudar cenas-chave que caíram no gosto popular e se afastaria do costumeiro respaldo musical, abrindo portas para uma epopeica narrativa que, no geral, é bastante aprazível.

A verdade é que, considerando as vazias adaptações que permearam o novo ciclo da Disney – incluindo ‘Dumbo’ e ‘O Rei Leão’, com raríssimas exceções -, não poderíamos deixar de ficar com um pé atrás. Com a divulgação dos primeiros matérias promocionais, ficaria bem claro que a aclamada diretora Niki Caro (‘Encantadora de Baleias’) teria um trabalho gigantesco para honrar tanto o trailer quanto as imagens, apresentando-nos um gostinho de um épico bélico ambientado na China imperial – e perscrutada por momentos de ação de tirar o fôlego. Caro, conhecida por sua abordagem sensível de dramas cotidianos, mostrou uma versatilidade apaixonante ao render-se ao panorama mainstream, sem deixar de promover uma cautela estética a cada frame. É claro que, ao longo de percurso, certos deslizes ganham força – e por vezes falam mais altos que os idílicos cenários.



Baseado no milenar conto ‘A Balada de Mulan (assim como a animação original), a história é centrada na personagem titular, aqui interpretada pelo tímido carisma de Liu Yifei. Destinada a se casar com um homem pré-determinado de sua aldeia e trazer honra para sua família, Mulan nunca se encaixou em estereótipos e rótulos, tendo um apreço magnífico pelas artes marciais e por sua conexão com seu shi. Quando mais velha, ela é vista com maus olhos por uma sociedade patriarcal e tradicionalista que não aceita que as mulheres queiram ser algo que “não podem”, como chefes de família ou guerreiras – mas ela não se importa: quando o aleijado pai (Tzi Ma) é convocado para a guerra contra o temível rourano Bori Khan (Jason Scott Lee), que ameaça vingar a morte do pai, matar o imperador e tomar posse da Cidade Imperial, ela rouba a espada e o traje da família e parte para se encontrar com seu batalhão.

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A heroína sempre foi símbolo de força e, enquanto a animação era marcada pela adorável e cínica presença de Mushu, aqui o dragão, símbolo de leveza e humor, é colocado de lado por uma alegoria mais afim à cultura asiática: a fênix. Representando o renascimento em meio à adversidade, o mitológico animal surge nos momentos mais difíceis da jornada de Mulan, talvez para lhe dar força, talvez para premeditar algum evento de suma importância – como quando chega ao campo de treinamento ou quando enfrenta Khan no que deveria ser o principal clímax da obra. Entretanto, as evocações metafóricas (claras demais para algo que deveria se basear nas primordiais emoções) acabam canalizando os esforços para uma das secções, deixando a precisão e a envolvência do roteiro em segundo plano.

Disney’s MULAN..Xianniang (Gong Li)..Photo: Film Frame..© 2019 Disney Enterprises, Inc. All Rights Reserved.

Mulan é nosso principal foco – e tal construção não carrega uma complexidade crível, restringindo-se a uma unidimensionalidade quase blasfema. Yifei, dentro de limites impostos por forças externas, faz o que consegue para declinar a seriedade excessiva da personagem e permitir que o público encontre qualquer conexão: certas pérolas imagéticas são arquitetadas com narcótica vulnerabilidade, como quando ela é obrigada a enfrentar quem realmente é para salvar seus companheiros de guerra e, eventualmente, a vida do imperador. O problema é que, quando essas fragmentadas partes são unidas, percebe-se uma falta de ousadia no tocante ao enredo, abrindo margens para que cada ato seja sim um espetáculo visual, mas um maçante coming-of-age que chega a lugar nenhum.

De qualquer forma, Caro parece ter em mente uma perspectiva diferente das outras histórias fabulescas da Disney. A diretora, aliada às habilidosas mãos de Mandy Walker, afasta-se dos convencionalismos dos dramas do gênero e abre espaço para uma fotografia vibrante, recheada de cores contrastantes e enquadramentos impressionáveis, que mesclam a fragilidade de uma persona marcada por traumas e decepções e a íntima força da qual precisa para superar os problemas e se provar digna. Mais do que isso, essa trajetória também serve como base para explorações interessantes e didáticas, mesmo que pueris demais para aproveitamento generalizado, sobre devoção à família, honra e patriotismo.

Disney’s MULAN..Mulan (Yifei Liu)..Photo: Film Frame..© 2019 Disney Enterprises, Inc. All Rights Reserved.

A trama também não tem muita ideia do que fazer com certos personagens coadjuvantes, especialmente com a controversa figura de Xian Lang (Gong Li), uma poderosa feiticeira com habilidades metamórficas que tem uma das piores resoluções dos últimos anos e que tem sua incrível presença totalmente descartada, e Chen Honghui (Yoson Na), uma espécie de par romântico da heroína que não tem impacto o suficiente para ser memorável. No final das contas, Mulan se prova como um exuberante e impecável atração estética, manchada por um circinal roteiro que parece não acreditar em si mesmo.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Sem Mushu e músicas, ‘Mulan’ é um espetáculo visual com roteiro pouco inspirado

São poucas as pessoas que não conhecem ou não ouviram falar da clássica animação Mulan. Lançada em 1998 pela Walt Disney, o filme carrega consigo um legado revolucionário que não apenas finalizou a Era de Ouro de um dos maiores impérios cinematográficos de todos os tempos, mas também apresentou um terreno totalmente diferente do eurocentrismo exacerbado da Casa Mouse – que seria explorado novamente em longas-metragens futuros. Tal foi nossa surpresa quando, seguindo as diversas releituras em live-action, o remake do filme foi anunciado – e mais do que isso: iria mudar cenas-chave que caíram no gosto popular e se afastaria do costumeiro respaldo musical, abrindo portas para uma epopeica narrativa que, no geral, é bastante aprazível.

A verdade é que, considerando as vazias adaptações que permearam o novo ciclo da Disney – incluindo ‘Dumbo’ e ‘O Rei Leão’, com raríssimas exceções -, não poderíamos deixar de ficar com um pé atrás. Com a divulgação dos primeiros matérias promocionais, ficaria bem claro que a aclamada diretora Niki Caro (‘Encantadora de Baleias’) teria um trabalho gigantesco para honrar tanto o trailer quanto as imagens, apresentando-nos um gostinho de um épico bélico ambientado na China imperial – e perscrutada por momentos de ação de tirar o fôlego. Caro, conhecida por sua abordagem sensível de dramas cotidianos, mostrou uma versatilidade apaixonante ao render-se ao panorama mainstream, sem deixar de promover uma cautela estética a cada frame. É claro que, ao longo de percurso, certos deslizes ganham força – e por vezes falam mais altos que os idílicos cenários.

Baseado no milenar conto ‘A Balada de Mulan (assim como a animação original), a história é centrada na personagem titular, aqui interpretada pelo tímido carisma de Liu Yifei. Destinada a se casar com um homem pré-determinado de sua aldeia e trazer honra para sua família, Mulan nunca se encaixou em estereótipos e rótulos, tendo um apreço magnífico pelas artes marciais e por sua conexão com seu shi. Quando mais velha, ela é vista com maus olhos por uma sociedade patriarcal e tradicionalista que não aceita que as mulheres queiram ser algo que “não podem”, como chefes de família ou guerreiras – mas ela não se importa: quando o aleijado pai (Tzi Ma) é convocado para a guerra contra o temível rourano Bori Khan (Jason Scott Lee), que ameaça vingar a morte do pai, matar o imperador e tomar posse da Cidade Imperial, ela rouba a espada e o traje da família e parte para se encontrar com seu batalhão.

A heroína sempre foi símbolo de força e, enquanto a animação era marcada pela adorável e cínica presença de Mushu, aqui o dragão, símbolo de leveza e humor, é colocado de lado por uma alegoria mais afim à cultura asiática: a fênix. Representando o renascimento em meio à adversidade, o mitológico animal surge nos momentos mais difíceis da jornada de Mulan, talvez para lhe dar força, talvez para premeditar algum evento de suma importância – como quando chega ao campo de treinamento ou quando enfrenta Khan no que deveria ser o principal clímax da obra. Entretanto, as evocações metafóricas (claras demais para algo que deveria se basear nas primordiais emoções) acabam canalizando os esforços para uma das secções, deixando a precisão e a envolvência do roteiro em segundo plano.

Disney’s MULAN..Xianniang (Gong Li)..Photo: Film Frame..© 2019 Disney Enterprises, Inc. All Rights Reserved.

Mulan é nosso principal foco – e tal construção não carrega uma complexidade crível, restringindo-se a uma unidimensionalidade quase blasfema. Yifei, dentro de limites impostos por forças externas, faz o que consegue para declinar a seriedade excessiva da personagem e permitir que o público encontre qualquer conexão: certas pérolas imagéticas são arquitetadas com narcótica vulnerabilidade, como quando ela é obrigada a enfrentar quem realmente é para salvar seus companheiros de guerra e, eventualmente, a vida do imperador. O problema é que, quando essas fragmentadas partes são unidas, percebe-se uma falta de ousadia no tocante ao enredo, abrindo margens para que cada ato seja sim um espetáculo visual, mas um maçante coming-of-age que chega a lugar nenhum.

De qualquer forma, Caro parece ter em mente uma perspectiva diferente das outras histórias fabulescas da Disney. A diretora, aliada às habilidosas mãos de Mandy Walker, afasta-se dos convencionalismos dos dramas do gênero e abre espaço para uma fotografia vibrante, recheada de cores contrastantes e enquadramentos impressionáveis, que mesclam a fragilidade de uma persona marcada por traumas e decepções e a íntima força da qual precisa para superar os problemas e se provar digna. Mais do que isso, essa trajetória também serve como base para explorações interessantes e didáticas, mesmo que pueris demais para aproveitamento generalizado, sobre devoção à família, honra e patriotismo.

Disney’s MULAN..Mulan (Yifei Liu)..Photo: Film Frame..© 2019 Disney Enterprises, Inc. All Rights Reserved.

A trama também não tem muita ideia do que fazer com certos personagens coadjuvantes, especialmente com a controversa figura de Xian Lang (Gong Li), uma poderosa feiticeira com habilidades metamórficas que tem uma das piores resoluções dos últimos anos e que tem sua incrível presença totalmente descartada, e Chen Honghui (Yoson Na), uma espécie de par romântico da heroína que não tem impacto o suficiente para ser memorável. No final das contas, Mulan se prova como um exuberante e impecável atração estética, manchada por um circinal roteiro que parece não acreditar em si mesmo.

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Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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