Nossa sociedade está sempre mudando e evoluindo. E o cinema é sempre um reflexo do tempo em que vivemos. Por exemplo, nos anos 80 (considerados uma época politicamente incorreta para os padrões de hoje) não cabiam mais conceitos “quadrados” como os retratados em produções cinematográficas dos anos 1950 e 1960. Hoje é o contrário, na atual consciência social, formada em sua grande maioria por uma preocupação maior de gênero e raça, por exemplo, com um olhar mais cuidadoso às minorias, é o pensamento sem noção dos anos 80 e 90 que não se encaixa mais.
É interessante olhar para trás, perceber o que estava errado e o quanto evoluímos, sem precisar cancelar ou culpar alguém por ainda se divertir com tais filmes. A verdade é que amamos os anos 80 e perdoamos a década pois aquele era o momento de tal mentalidade, por mais que hoje não concordemos. Por exemplo, se formos olhar a fundo, veremos cenas de incesto em pelo menos dois dos mais queridos filmes da época: ‘O Império Contra-Ataca’ (1980), com o beijo entre os irmãos Luke Skywalker e Leia; e ‘De Volta para o Futuro’ (1985), com o beijo entre mãe e filho. Imagine isso em um filme de hoje, mirado ao grande público?
Pensando nisso resolvemos fazer um exercício em curiosidade, destacando alguns filmes bem famosos dos anos 80, que jamais seriam feitos hoje em dia. Bem, a não ser que modificações severas fossem realizadas em parte da trama, conceitos ou cenas. Confira abaixo.
Férias Frustradas
Clássico cômico dos anos 80 e ainda um dos filmes mais divertidos do período (que deu origem a uma franquia), o núcleo da história se concentra no desejo do atrapalhado patriarca Clark Griswold (Chevy Chase) em levar sua família em uma viagem de carro até o Wally World (um parque de diversões no estilo da Disney). No caminho, é claro, eles se metem em “muitas confusões”. Mas sendo esses os anos 80, não pense que foram só coisas leves, pois aqui temos maus tratos com animais (ele arrasta um cachorro amarrado no para-choque pelas estradas até a morte), profanação de cadáver (uma tia idosa falecida é levada amarrada no teto do carro e depois deixada na varanda do filho dela durante uma tempestade), embriaguez do filho menor de idade e adultério usado como humor (o pai vive flertando com uma loira em um carrão e chega ao cúmulo de entrar na piscina nu com ela – só não consuma o ato pois sua mulher o pega no flagra). É claro que na época, tudo isso nos fez chorar de rir. Já hoje…
Três Solteirões e um Bebê
Esse aqui não é tão incorreto quanto o item acima, é apenas, digamos, ingênuo. Todo o mote desse filme se baseia na inaptidão do “homem dos anos 80”, ou seja, o machão, em cuidar minimamente de um bebê. Nos dias de hoje, em que grande parte dos homens modernos dividem os afazeres de casa e os cuidados com os filhos com a esposa, essa é uma trama extremamente datada. Tudo bem que aqui falamos de três homens solteiros, que dividem um grande apartamento e que gozam de um estilo de vida, digamos, libertino. Mesmo assim, imagine nos dias de hoje, uma comédia toda criada em cima de não saber colocar fraldas ou medir a temperatura do leite da mamadeira. Um remake para o filme é prometido há algum tempo, a ser estrelado por Zac Efron. Vejamos o que eles irão tentar.
Um Salto para a Felicidade
Todos que cresceram nos anos 80 e 90 certamente lembram das intermináveis reprises deste filme na Sessão da Tarde da época. Clássico que uniu em tela o casal da vida real Kurt Russell e Goldie Hawn, aqui temos uma trama de abuso imensurável contra a mulher. Hawn vive uma ricaça insuportável, que trata todos ao seu redor como lixo, incluindo um carpinteiro humilde, vivido por Russell, contratado para um trabalho em seu iate. Durante uma tempestade, a mulher cai do barco no mar, bate a cabeça e fica com amnésia. Ela é tão insuportável que nem seu marido se dá ao trabalho de trazê-la de volta. Assim, com um monte de filhos pequenos para criar, o viúvo Russell decide ir buscar a mulher sem memória no hospital e cria uma história de que ela é a sua esposa e mãe da família. Como punição, ela passa um dobrado com os afazeres domésticos. Como dito no início, alguns filmes não podem mais ser feitos hoje, e não são. A prova disso é que este ganhou um remake chamado ‘Homem ao Mar’, em 2018, que tratou de colocar uma mulher para se vingar de um homem.
Um Morto Muito Louco
Os tempos estão tão loucos, que terminamos vivendo esse filme na vida real. Afinal, quem não lembra do infame caso do tio Paulo, que viralizou e se tornou piada mórbida em todos os celulares. O caso chocou e impressionou, mas nos anos 80, muitas décadas antes, já era assunto de um filme. Que tal assistir a uma comédia na qual durante toda a projeção dois yuppies infelizes fingem que seu chefe está vivo (o sujeito havia sido assassinado) durante uma festa de arromba em sua mansão em uma ilha no fim de semana – sem que ninguém perceba! O morto chega quase a ter relações com uma mulher. Isso é muito errado! E toma-lhe arrastar o corpo de um lado para o outro. Bem, talvez esse filme fosse de mau gosto já naquela época, mas que demos boas risadas (e hoje nos sentimos culpados), demos.
Porky’s – A Casa do Amor e do Riso
‘Porky’s’ era considerado um filme “proibidão” para os mais jovens na época, mas era um filme que todos nós queríamos ver escondidos de nossos pais. É muito dito que o filme é o ‘American Pie’ dos anos 80, e sim essa comparação é válida. Mas acontece que ‘Porky’s’, embora seja dos anos 80, se passa nos anos 1950, ou seja, havia no ar um pensamento mais retrógrado ainda. Se levarmos em conta que o filme se passa no sul dos EUA, a coisa piora, pois temos comentários extremamente racistas, por exemplo, além do tom majoritariamente machista do filme. Mas o tópico aqui é a objetificação máxima da mulher. O que esses adolescentes querem é transar a todo custo, e as piadas são todas no mínimo misóginas. A cena mais memorável aqui, por exemplo, é quando três estudantes resolvem olhar as meninas tomando banho no chuveiro. O filme é tão incorreto que os produtores resolveram “corrigir” as coisas na sequência, colocando os personagens para combater fanáticos religiosos que queriam proibir uma peça de Shakespeare, políticos corruptos e a própria Ku Klux Klan, que estava atacando a comunidade indígena da região.
Uma Escola Muito Louca
Racismo é algo tão horrível que se tornou crime. E pensar que ainda hoje sofremos com tamanha covardia, de pessoas que se acham superiores apenas pelo diferente tom de cor. Que se acham no direto de ofender ou humilhar o outro, muitas vezes a troco de nada – como as ofensas contra os jogadores de futebol ou esportistas, por exemplo . O que será que essas pessoas têm na cabeça, como será que se comportam em sociedade, em casa ou com a família? Certamente não deve ser da melhor forma, já que esse é um exemplo que passam em sua vida pública, o que dirá na vida privada. Seja como for, um ato de racismo não está apenas na ofensa declarada, está também na ofensa velada, na “não intencional”.
Por exemplo, um ato de racismo pode vir de uma pessoa de uma raça específica imitando outra que não é a sua. Isso porque não se imita apenas o tom da pele, mas sim maneirismos e comportamentos, muitas vezes ofensivos. Tudo isso para chegarmos a um dos filmes mais ofensivos para as pessoas negras que Hollywood já fez usando a comédia popular como mote. ‘Uma Escola Muito Louca’, ou ‘Soul Man’, passava muito na Sessão da Tarde também, e a história fala sobre um rapaz branco (C. Thomas Howell) se passando por negro a fim de conseguir uma vaga em uma universidade concorrida usando o sistema de cotas. Para a transformação, o sujeito usa um medicamento que escurece sua pele. E sim, C. Thomas Howell adota a infame técnica do black face.
Mulher Nota Mil
O inesquecível John Hughes é considerado um diretor que falou com o espírito dos jovens como poucos no cinema. Seus filmes eram muito sinceros e abordavam a angústia e os anseios de ser adolescente. Bem, fizeram tudo isso, mas nos anos 80. Seu filme mais marcante ainda é ‘Curtindo a Vida Adoidado’. No entanto, um ano antes ele fazia seu filme mais fantasioso, um que ainda permanece como um dos mais queridos de seu currículo – bem, ao menos para os que eram meninos ou adolescentes quando ele foi lançado. Isso porque o que Hughes faz aqui é subverter o clássico do horror ‘Frankenstein’, trocando a atmosfera gótica da década de 1930, para os anos 80. Ao invés de um cientista louco, temos dois adolescentes retraídos e pouco populares.
O que esses dois gênios fazem é criar em seu computador (era o início da era informatizada – e todos achavam que os computadores poderiam fazer isso no futuro) uma mulher perfeita. Como se já não fosse objetificar uma mulher ao máximo, o que os dois provam com a intenção é que são incapazes de se relacionar com uma mulher de verdade, e lidar com suas vontades e insatisfações. Mas também não peguemos tão pesado com o filme assim, afinal esse é um retrato da mente adolescente e imatura. Por incrível que pareça, esse é o filme mais interessante da lista no sentido de um pensamento mais moderno. Isso porque Lisa (Kelly LeBrock) não é subserviente, muito pelo contrário. Ela é quem faz os garotos de gato e sapato, as suas famílias, amigos e todos com quem entra em contato. Ela é sempre autêntica e a pessoa mais inteligente da sala. Sua missão é fazer os jovens evoluirem como seres humanos. E ela consegue.