sábado , 16 novembro , 2024

Sem Remorso | Tom Clancy no Cinema e a Dificuldade em Adaptar Detalhes

Nova adaptação do autor sofre das mesmas questões de filmes passados

Recentemente a Amazon Prime Video lançou o longa Sem Remorso, estrelado por Michael B. Jordan e inspirado do livro homônimo de Tom Clancy. A trama segue uma versão atualizada para o mundo contemporâneo do enredo lançado originalmente em 1993, que tinha em seu centro a discussão sobre o legado psicológico deixado pela Guerra do Vietnã em soldados; com o novo filme, o conflito a ser observado é a Guerra Civil na Síria ainda em andamento.

Tem-se então o personagem John Kelly como um fuzileiro que é enviado, junto a um grupo, para uma missão em solo sírio. A operação é extremamente confidencial e, por isso, conduzida pelo agente da CIA, Robert Ritter (personagem também recorrente nas histórias de Clancy), que não inspira confiança em seus subordinados de imediato. 



A base de toda a operação é que eles não devem ser vistos, no entanto a missão não ocorre da forma prevista mas ainda assim é concluída e o protagonista retorna para casa. Como esperado, esse “fantasma” volta para dificultar sua vida e vira-lá de cabeça para baixo.

John Kelly é posto à prova em consequências de missão

Logo de cara salta aos olhos a semelhança entre o lançamento do serviço de streaming e outro thriller de espionagem um pouco mais antigo: Missão Impossível 3. Em ambos o protagonista é esse indivíduo altamente especializado que é confrontado com as consequências de uma determinada operação; além de ambos os filmes serem diretamente similares a uma tendência que foi muito popular no gênero ação policial nas décadas de 80 e 90.

Logo, a principal fraqueza de Sem Remorso reside em ser uma versão bem esmaecida do trabalho de um autor conhecido pela riqueza de detalhes. Difícil não lembrar, desse jeito, do livro Caçada ao Outubro Vermelho que, em 1984, espantou o mercado literário ao conseguir mesclar um enredo sobre a deserção de um renomado militar soviético rumo aos Estados Unidos junto a uma riqueza de detalhes técnicos sobre a funcionalidade de armas e protocolos do exército não vista até então em um livro assinado por um autor civil.

Dentre todas as adaptações cinematográficas da bibliografia de Clancy a de Caçada ao Outubro Vermelho de 1990 ainda ocupa o primeiro lugar após tantos anos; nem tanto por ser algo que traduz quase literalmente o material fonte para as telas, mas sim pela qualidade na direção em conduzir múltiplas linhas narrativas em simultâneo em um crescente rumo ao clímax sobre o possível êxito do protagonista em seu submarino. Mas, como dito antes, até essa obra em particular não foi capaz de encontrar um meio de traduzir para o audiovisual o estilo do autor.

“Caçada ao outubro vermelho” ainda é a melhor adaptação de Tom Clancy

Em 1926 a escritora Virginia Woolf assinou um artigo intitulado The Cinema no qual ela expõe, sob um ponto de vista pessoal, as maravilhas que aquela nova forma de entretenimento pode proporcionar ao mesmo tempo em que sua forma que lhe é natural (e portanto divergente do formato literário), consequentemente limitaria em muito quaisquer histórias que transitassem entre os dois.

“Até a mais simples imagem como ‘Meu amor é como uma vermelha, rosa vermelha, que surgiu recentemente em junho’ nos presenteia com uma umidade e cordialidade e o brilho de carmesim e a suavidade de pétalas inexoravelmente misturado e amarrado à cadência de um ritmo que sugere a ternura emocional do amor. Tudo isso que é acessível às palavras e só às palavras o cinema deve evitar”.

De certa forma é compreensível que a especificidade técnica de um romance possa se perder no trabalho de adaptação, por mais valiosa que ela seja. Porém, outro elemento que constantemente se perde nessas conversões é o senso político presente na escrita do Tom Clancy. O elemento de thriller presente em seus enredos se debruça principalmente sobre seu conhecimento sobre o girar da máquina política (principalmente a dos Estados Unidos, mas também um pouco da Rússia) e como ele interage com a grande questão do período em que muitas dessas histórias foram elaboradas: a Guerra Fria.

A maior parte da bibliografia de Clancy é diretamente relacionada com o período da Guerra Fria

Não à toa o principal protagonista dessas histórias é Jack Ryan; não um espião ou um soldado em atividade, mas sim um analista da CIA que desempenha uma função de escritório. É através dele que o autor tem a chance de expor todo seu repertório de conhecimento relacionado a armamentos, política e história militar de maneira orgânica ao enredo. A questão é que muitas vezes essa filosofia não é compartilhada pelos produtores das adaptações, que tendem a reduzir toda a parte intelectual para que o filme se desenvolva como uma obra mais movimentada.

O seriado Jack Ryan, também produzido pela Amazon, foi uma boa situação em que um novo olhar poderia ser concedido a essas obras. Não haveria a correria natural em decorrência do limite de tempo padrão de longas metragens, o formato episódico poderia ser a chance de trabalhar calmamente uma visão mais crítica e analítica da política ligada à trama e não haveria pressão por um decréscimo da tensão em prol de mais cenas de ação. O seriado está em sua segunda temporada e continua a cometer os mesmos erros dos filmes.

O seriado estrelado por John Krasinski tem o formato que pode ser muito adequado aos livros porém ainda não encontrou o ritmo certo.

Na primeira temporada, com um enredo não inspirado em nenhum livro de Clancy, é trabalhado o cenário caótico do Oriente Médio e da relação comunidade de inteligência\organizações terroristas no qual o seriado não se preocupa em apresentar adequadamente o que está acontecendo e como como aconteceu aquela desintegração social e econômica, é apenas uma desculpa para colocar o protagonista no centro das cenas de ação; não existe uma proposta de apresentar informações que talvez o público não conheça sobre aquele contexto, de ser algo mais do que apenas um entretenimento momentâneo.

Já a segunda temporada contextualiza a crise na Venezuela com a mesma pressa da temporada anterior. A série evita utilizar nomes de políticos reais e até do modelo chavista para apresentar o desastre econômico no país de maneira real e, dessa maneira, apresenta um resumo do cenário; em que tudo por lá está ruim e que é para lá que Jack Ryan irá. 

Esses são livros que possuem a possibilidade imensa de renderem obras memoráveis e no entanto, por décadas existe a dificuldade de entender como adaptar histórias que viraram referência no campo teórico em filmes que possam conquistar o objetivo final que é o retorno positivo nas bilheterias. Sem Remorso é apenas mais um exemplar de má interpretação desses livros.

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Tem-se então o personagem John Kelly como um fuzileiro que é enviado, junto a um grupo, para uma missão em solo sírio. A operação é extremamente confidencial e, por isso, conduzida pelo agente da CIA, Robert Ritter (personagem também recorrente nas histórias de Clancy), que não inspira confiança em seus subordinados de imediato. 

A base de toda a operação é que eles não devem ser vistos, no entanto a missão não ocorre da forma prevista mas ainda assim é concluída e o protagonista retorna para casa. Como esperado, esse “fantasma” volta para dificultar sua vida e vira-lá de cabeça para baixo.

John Kelly é posto à prova em consequências de missão

Logo de cara salta aos olhos a semelhança entre o lançamento do serviço de streaming e outro thriller de espionagem um pouco mais antigo: Missão Impossível 3. Em ambos o protagonista é esse indivíduo altamente especializado que é confrontado com as consequências de uma determinada operação; além de ambos os filmes serem diretamente similares a uma tendência que foi muito popular no gênero ação policial nas décadas de 80 e 90.

Logo, a principal fraqueza de Sem Remorso reside em ser uma versão bem esmaecida do trabalho de um autor conhecido pela riqueza de detalhes. Difícil não lembrar, desse jeito, do livro Caçada ao Outubro Vermelho que, em 1984, espantou o mercado literário ao conseguir mesclar um enredo sobre a deserção de um renomado militar soviético rumo aos Estados Unidos junto a uma riqueza de detalhes técnicos sobre a funcionalidade de armas e protocolos do exército não vista até então em um livro assinado por um autor civil.

Dentre todas as adaptações cinematográficas da bibliografia de Clancy a de Caçada ao Outubro Vermelho de 1990 ainda ocupa o primeiro lugar após tantos anos; nem tanto por ser algo que traduz quase literalmente o material fonte para as telas, mas sim pela qualidade na direção em conduzir múltiplas linhas narrativas em simultâneo em um crescente rumo ao clímax sobre o possível êxito do protagonista em seu submarino. Mas, como dito antes, até essa obra em particular não foi capaz de encontrar um meio de traduzir para o audiovisual o estilo do autor.

“Caçada ao outubro vermelho” ainda é a melhor adaptação de Tom Clancy

Em 1926 a escritora Virginia Woolf assinou um artigo intitulado The Cinema no qual ela expõe, sob um ponto de vista pessoal, as maravilhas que aquela nova forma de entretenimento pode proporcionar ao mesmo tempo em que sua forma que lhe é natural (e portanto divergente do formato literário), consequentemente limitaria em muito quaisquer histórias que transitassem entre os dois.

“Até a mais simples imagem como ‘Meu amor é como uma vermelha, rosa vermelha, que surgiu recentemente em junho’ nos presenteia com uma umidade e cordialidade e o brilho de carmesim e a suavidade de pétalas inexoravelmente misturado e amarrado à cadência de um ritmo que sugere a ternura emocional do amor. Tudo isso que é acessível às palavras e só às palavras o cinema deve evitar”.

De certa forma é compreensível que a especificidade técnica de um romance possa se perder no trabalho de adaptação, por mais valiosa que ela seja. Porém, outro elemento que constantemente se perde nessas conversões é o senso político presente na escrita do Tom Clancy. O elemento de thriller presente em seus enredos se debruça principalmente sobre seu conhecimento sobre o girar da máquina política (principalmente a dos Estados Unidos, mas também um pouco da Rússia) e como ele interage com a grande questão do período em que muitas dessas histórias foram elaboradas: a Guerra Fria.

A maior parte da bibliografia de Clancy é diretamente relacionada com o período da Guerra Fria

Não à toa o principal protagonista dessas histórias é Jack Ryan; não um espião ou um soldado em atividade, mas sim um analista da CIA que desempenha uma função de escritório. É através dele que o autor tem a chance de expor todo seu repertório de conhecimento relacionado a armamentos, política e história militar de maneira orgânica ao enredo. A questão é que muitas vezes essa filosofia não é compartilhada pelos produtores das adaptações, que tendem a reduzir toda a parte intelectual para que o filme se desenvolva como uma obra mais movimentada.

O seriado Jack Ryan, também produzido pela Amazon, foi uma boa situação em que um novo olhar poderia ser concedido a essas obras. Não haveria a correria natural em decorrência do limite de tempo padrão de longas metragens, o formato episódico poderia ser a chance de trabalhar calmamente uma visão mais crítica e analítica da política ligada à trama e não haveria pressão por um decréscimo da tensão em prol de mais cenas de ação. O seriado está em sua segunda temporada e continua a cometer os mesmos erros dos filmes.

O seriado estrelado por John Krasinski tem o formato que pode ser muito adequado aos livros porém ainda não encontrou o ritmo certo.

Na primeira temporada, com um enredo não inspirado em nenhum livro de Clancy, é trabalhado o cenário caótico do Oriente Médio e da relação comunidade de inteligência\organizações terroristas no qual o seriado não se preocupa em apresentar adequadamente o que está acontecendo e como como aconteceu aquela desintegração social e econômica, é apenas uma desculpa para colocar o protagonista no centro das cenas de ação; não existe uma proposta de apresentar informações que talvez o público não conheça sobre aquele contexto, de ser algo mais do que apenas um entretenimento momentâneo.

Já a segunda temporada contextualiza a crise na Venezuela com a mesma pressa da temporada anterior. A série evita utilizar nomes de políticos reais e até do modelo chavista para apresentar o desastre econômico no país de maneira real e, dessa maneira, apresenta um resumo do cenário; em que tudo por lá está ruim e que é para lá que Jack Ryan irá. 

Esses são livros que possuem a possibilidade imensa de renderem obras memoráveis e no entanto, por décadas existe a dificuldade de entender como adaptar histórias que viraram referência no campo teórico em filmes que possam conquistar o objetivo final que é o retorno positivo nas bilheterias. Sem Remorso é apenas mais um exemplar de má interpretação desses livros.

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