No passado, a continuação de um filme tinha o único propósito de seguir com uma história que os produtores, diretor ou roteirista achavam que ainda precisava ser contada. Hoje, vivemos uma era em que a palavra de ordem no cinema comercial é I.P. (termo muito usado atualmente em Hollywood), que significa a boa e velha propriedade intelectual, ou seja, uma marca registrada e um produto potencialmente rentável. Grande parte disso se deve a produções que deram certo, quase todas obrigatoriamente rendendo continuações para estabelecerem a tão sonhada franquia. Afinal, quem não quer um sucesso fenomenal, do nível de ‘Star Wars’ ou da Marvel, em mãos. É preciso ser louco para negar tanto dinheiro.
E daí partimos de dois princípios. O primeiro é: para termos uma continuação, é necessário que o filme original tenha feito sucesso suficiente, em especial de bilheteira, para que seu lucro justifique uma nova investida dos produtores. O segundo é: caso a continuação igualmente obtenha sucesso, ou quem sabe renda ainda mais que o original, sua franquia está garantida. Aqui, no entanto, iremos lidar com uma outra possibilidade, que é o tema da matéria. O assunto aqui são as continuações – pode ser a primeira, a segunda, a terceira e por aí vai, que se tornaram fracasso de bilheteria ou crítica, divergindo de seu antecessor. Todos os filmes aqui selecionados foram lançados em anos recentes. Confira abaixo.
Shazam! Fúria dos Deuses (2023)
Infelizmente, 2023 já tem o primeiro grande fiasco financeiro para chamar de seu. E ele atende pelo título ‘Shazam! Fúria dos Deuses’. O filme original de 2019 é puro charme e coração, e caiu instantaneamente no gosto do grande público. Com seu clima de Sessão da Tarde dos anos 80/90, o primeiro ‘Shazam!’ também não havia sido um fenômeno de bilheteria, rendendo US$367 milhões num orçamento de US$100 milhões. Mas foi o suficiente, somado a críticas extremamente positivas dos fãs e especialistas (com 90% de aprovação no Rotten), para dar sinal verde para uma sequência.
Quem viu ‘Fúria dos Deuses’ afirma que é tão divertido ou ainda melhor que o original, mas os críticos não acharam, com uma avaliação de 49%. O que jogou uma pá de cal na pretensa franquia, no entanto, foi a bilheteria de pouco menos de US$135 milhões para um orçamento de US$125 milhões – ao que tudo indica puxando o plugue para futuras investidas do menino Billy Batson e seu alter-ego adulto. Em breve na HBO Max.
Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania (2023)
Outro filme de 2023, esse produzido pela rival Marvel. Ao contrário do primeiro item da lista, o terceiro ‘Homem-Formiga’ não pode ser considerado um fracasso financeiro retumbante. Mesmo assim, vem sendo considerado pelos maiores fãs da Marvel como um dos piores (ou quem sabe “o” pior) filmes da empresa – deixando 10 entre 10 fãs decepcionados com seu resultado. Tudo bem que a sub-franquia do ‘Homem-Formiga’ dentro da Marvel sempre foi a “menor” de todas (com o perdão do trocadilho) e a menos rentável – parecendo estar ali somente para constar.
Mesmo assim, o filme original de 2015 rendeu meio bilhão de dólares e o segundo, de 2018, rendeu US$622 milhões – ambos igualmente tiveram avaliações acima dos 80% no Rotten (com o segundo chegando perto dos 90%). Com o terceiro a intenção era aumentar as apostas, elevando a trama a um nível dos Vingadores (era o que anunciava o diretor). Com essa expectativa esperava-se que o terceiro ‘Homem-Formiga’ quebrasse todo tipo de recorde. E realmente o quebrou, mas de forma negativa. Se tornou o filme mais mal avaliado do MCU (com 47% de aprovação) e, com o orçamento mais inflado da franquia (de US$200 milhões), rendeu “apenas” US$474 milhões, se tornando não apenas o ‘Homem-Formiga’ menos rentável, como também um dos filmes menos lucrativos do MCU. Em Breve na Disney+.
Star Wars: A Ascensão Skywalker (2019)
Nunca os fãs de Star Wars haviam vivido uma ruptura tão significativa de amor e ódio em relação à franquia como o que foi direcionado em relação à nova trilogia. ‘Star Wars’ é uma das marcas mais rentáveis da história da sétima arte – e podemos considera-la inclusive a franquia original de todas. Isso porque ‘Guerra nas Estrelas’ (o primeirão lá de 1977) foi o segundo blockbuster da história – seguindo o rastro de ‘Tubarão’. As duas continuações ‘O Império Contra-Ataca’ (1980) e ‘O Retorno de Jedi’ (1983) serviram para cimentar o que temos hoje em matéria de cinema entretenimento e fenômeno midiático, com a trilogia de George Lucas aparecendo em todo tipo de merchandising, desde bonecos até videogames.
No fim dos anos 90, o próprio Lucas resolvia revisitar sua criação com uma nova trilogia, que logo foi tratada como filho bastardo, principalmente pelos fãs mais antigos, apesar de ter capturado toda uma nova geração de fãs mais novos. No entanto, nada prepararia a “comunidade” Star Wars para o tiro pela culatra (o famoso “backlash”) que ocorreria com o lançamento de mais uma trilogia moderna. A trilogia do meio de Lucas era uma pré-sequência (que contava a juventude de personagens como Obi-Wan Kenobi e o surgimento de Darth Vader). Já a mais recente trilogia iria mostrar pela primeira vez o que aconteceu após ‘O Retorno de Jedi’ e trazer de volta os queridos personagens, como Han Solo, Luke Skywalker e Leia.
A coisa começou de forma positiva, com ‘O Despertar da Força’ (2015), que agradou os fãs e os críticos, despertou inúmeras teorias sobre as continuações, e bateu todo tipo de recorde de bilheteria. Mas foi só a continuação (‘Os Últimos Jedi’) estrear em 2017, que todos sentiriam um desequilíbrio na “força”. O filme de Rian Johnson ousou demais e mexeu com a mitologia de uma forma que não agradou os fãs – se tornando o filme mais odiado da franquia para muitos. Rendeu menos, mas os críticos gostaram. Correndo para apagar o incêndio, os produtores alistaram novamente J.J. Abrams para “consertar” o que havia sido tentado, resultando no Star Wars mais sem personalidade de toda a franquia, com ‘A Ascensão Skywalker’, um filme que tenta tudo e não acerta nada. Os críticos torceram o nariz e o longa se tornou o menos rentável da nova trilogia. Disponível na Disney+.
Matrix Resurrections (2021)
No mesmo ano em que Star Wars voltava aos cinemas com ‘A Ameaça Fantasma’, em 1999, era lançado um filme que se tornaria revolucionário e uma obra tão querida para a sua geração quanto os filmes de George Lucas haviam sido para a geração anterior. ‘Matrix’ não foi um sucesso fenomenal de bilheteira em seu lançamento nos cinemas, mas se tornou um cult tão grande no mercado de DVD que escalava a toda na época, que rapidamente se tornou um filme extremamente popular em todos os círculos. Foi essa fama que gerou a ‘Matrix-mania’ em 2003, quando há 20 anos o mundo da cultura pop era invadido nos cinemas e nas locadoras pelo, agora sim, fenômeno. O primeiro ‘Matrix’ custou “apenas” US$63 milhões, era uma aposta arriscada, mas deu certo, recuperando US$467 milhões mundiais. A primeira continuação, ‘Reloaded’, foi um enorme sucesso de crítica e público, mas o encerramento da trilogia, ‘Revolutions’ deixou um gosto amargo na boca dos fãs, com a maneira com que os produtores e as hoje irmãs Wachowski resolveram encerrar a história.
Numa era de reboots e continuações tardias, ‘Matrix’ entrava também nessa dança quase vinte anos depois, com o lançamento de ‘Matrix Resurrections’ – uma nova investida no universo querido do passado, que poderia ter aberto portas para uma nova trilogia. No entanto, a proposta de Lana Wachowski (que assumia a obra sozinha pela primeira vez, sem a irmã Lilly) foi tão fora da caixinha e inesperada, que se tornou muito mais uma crítica metalinguística em relação aos “fãs chatos” do que um filme da franquia Matrix em si. Existe um filme por trás de tudo, mas sua mensagem nada sutil acaba entrando na frente, e terminou por impedir o sucesso do quarto Matrix. Dizer que não era o que os fãs queriam é pouco. Ninguém consegue agradar todo mundo o tempo todo, mas o que o novo Matrix conseguiu foi agradar ninguém. A bilheteria mundial abaixo do orçamento foi o que selou se vez o destino da franquia. Disponível na HBO Max.
Mulher-Maravilha 1984 (2020)
Terminando a matéria das continuações que todos detestaram, temos agora o segundo ‘Mulher-Maravilha’. O filme original, de 2017, foi o primeiro sucesso do chamado ‘Snyderverse’, o universo da DC nos cinemas supervisionado pelo diretor Zack Snyder. ‘Batman vs. Superman’ e ‘Esquadrão Suicida’, ambos de 2016, eram duas grandes promessas de sucesso que terminaram decepcionando bastante grande parte dos fãs e do público, se tornando fracasso de crítica e/ou bilheteria. Assim, quando ‘Mulher-Maravilha’ estreou a expectativa era grande, e o filme mostrou o que poderia ser feito com um foco mais minimalista, dando atenção em especial aos personagens e suas relações. Foi o suficiente para transformar Gal Gadot numa estrela.
A continuação para este grande sucesso, desde seus primórdios vinha gerando certas polêmicas. Tudo era mais ambicioso, e cada informação vazada trazia descrença em relação ao projeto. A pandemia não ajudou, e com o advento das plataformas de streaming e o lançamento da HBO Max, o plano era que a estreia de ‘Mulher-Maravilha 1984’ ocorresse de forma simultânea nas telonas e nas telinhas, levando em conta que a pandemia estava a toda e os cinemas estavam às moscas. Mas a diretora Patty Jenkins fez coro com Christopher Nolan e Denis Villeneuve, batendo o pé por uma estreia nos cinemas. A trama sobre uma “pedra dos desejos” e o visual da Mulher-Leopardo (de Kristen Wiig) eram elementos da narrativa que surgiam como feridas expostas, que nem o cenário divertido dos anos 80 e a presença de Pedro Pascal no filme conseguiam remediar. O segundo ‘Mulher-Maravilha’ sofreria uma queda vertiginosa em qualidade, crítica e bilheteria em relação ao original – e o pior de tudo, colocou em risco uma terceira aventura estrelada por Gal Gadot. Disponível na HBO Max.