Depois de ter conquistado o emergente público infantil do Disney Channel, Sabrina Carpenter finalmente encontrou sua real vocação em meio à indústria musical. A cantora de apenas dezenove anos lançou em 2015 seu primeiro álbum de estúdio, uma investida um tanto comercial e que apenas começava a demonstrar seu potencial vocal. É claro que, trabalhando juntamente a nomes como Meghan Trainor e Jon Levine, o disco perdia um pouco do brilho de originalidade e criava uma personalidade pré-programada para a artista, cuja autenticidade seria resgatada com uma pérola intitulada ‘Evolution’ – e a chamada não poderia fazer mais jus ao incrível arco protagonizado por Carpenter. Com “Thumbs” e “Smoke and Fire” insurgindo como ótimos singles, o segundo álbum preparou terreno para seu trabalho mais pessoal: ‘Singular’.
Em 2018, a cantora revelou que estava trabalhando em uma coletânea de músicas escritas e compostos por si mesma, e que a dividiria em dois atos. O primeiro, lançado ainda nas primeiras semanas de novembro, marca uma nova perspectiva para seu aplaudível talento e até mesmo para seu desejo como produtora autônoma. ‘Act I’, ainda que precise de certas lapidações sonoras, é interessante, motivador e único: cada uma das oito faixas dialoga com sua própria vida, o que transforma as narrativas em um desabafo ácido, recheado de ironias dançantes e que recuperam o dance-pop numa época em que a trap music domina todas as paradas.
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Carpenter nunca teve problemas em brincar com sua tecedura e seu ritmo. Delineando construções que perpassam pelas quebras bruscas de tom e pelos crescendo catárticos, ela prefere iniciar seu terceiro álbum com “Almost Love”, permanecendo numa zona de conforto compreensível. Ainda que não represente o melhor da obra, seus dois primeiros blocos permanecem em uma atmosfera mais íntima que logo nos prepara pela previsível subida nas oitavas, afofada pelo pre-chorus e reafirmada com um chorus um tanto quanto decepcionante, ainda que justificável. O problema é que a canção em si torna-se muito repetitiva ao chegar na segunda parte, mantendo uma linearidade desnecessária.
Entretanto, esta ainda não é o deslize mais perceptível. “Bad Time”, afastando-se do escopo pop, funciona como um fragmento perdido, alheio da identidade das outras tracks. E ainda que pudesse ter uma praticidade mais sutil, não é apenas isso que se carrega pelos obstáculos: o início da produção resgata elementos oníricos de discos conterrâneos, podendo ser possível traçar paralelos entre a artista e nomes como Ariana Grande e St. Vincent. O uso de vocais mais sutis encontra um espaço considerável, que seria melhor explorado em “Hold Tight”, mas a transição para o coro é cru, deixando de lado qualquer indício de fluidez. Infelizmente, isso se mantém até o final.
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“Mona Lisa” e “prfct”, entretanto, partem de um conceito completamente oposto. A introdução de ambas as músicas se constrói num escopo mais seguro e que não ousa tanto, esperando até o momento certo para mostrar o potencial que têm a oferecer e explorá-lo com toda a força possível. As transições, as entradas extras, o suave ritmo do baixo e do teclado, tudo contribui para uma organicidade muito bem-vinda e envolvente. Aqui, Carpenter volta também a mergulhar em estilos novos, até mesmo se inclinando para uma sutil homenagem ao R&B e ao soul. De qualquer forma, essas tracks de transição também servem como apoio para trabalhos incrivelmente superiores e que comporiam a estrutura principal.
“Almost Love” faz parte da dupla de singles escolhidos a dedo pela lead, estando par a par com “Sue Me”, uma “farofa” dançante revestida com uma deliciosa ironia narrativa e cênica. Diferente das outras músicas, conseguimos ouvir como a cantora se sente à vontade divertindo-se por entre as mesclas dos estilos musicais até retornar com graça para o classicismo do gênero que representa. Ela não força as mudanças vocais, permitindo-se usar e abusar dos crescendo até encontrar-se em um miolo musical que oscila em altos e baixos sem se preocupar com convencionalismos ou recuos. É difícil buscar alguma coisa anterior que se pareça com as produções de Carpenter, pelo fato dela se entregar totalmente àquilo que faz e não se preocupar com propósitos mercadológicos, diferente de outras artistas que são meros produtos empresariais.
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Sabrina definitivamente merece mais reconhecimento por deixar sua marca como autora dentro da indústria. Ela fica responsável pela palavra final, ganhando sua tão desejada autonomia, e alcança um patamar invejável com duas principais canções: “Paris” e “Diamonds Are Forever”. Enquanto essa tem uma pegada muito mais catártica, explodindo em um terceiro ato maravilhosamente bem construído, aquela acaba roubando a atenção pela atmosfera sexy, íntima, quase desnuda, cuja narrativa traz os elementos românticos da Cidade-Luz da belle époque para uma Los Angeles contemporânea. Cada um dos beats se engolfa numa louca miscelânea entre trap e soul, fincando suas raízes no pop sem saturá-lo. Em outras palavras, duas obras-primas que definitivamente tem potencial se serem transformadas em singles.
‘Singular: Act I’ mais uma vez coloca o nome de Sabrina Carpenter em voga. Ainda que não seja tão conhecida e não tenha recebido o reconhecimento merecido, é muito fácil dizer que a jovem garota da Pensilvânia tem muito a nos oferecer – e mal podemos esperar pelo próximo ato.
Assista:
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