A quarta temporada do fenômeno Stranger Things segue dando o que falar. Isso porque pela primeira vez desde a estreia do programa lá em 2016, a Netflix resolveu aderir ao formato de episódios espaçados, ao invés de entregar a temporada inteira de uma tacada só. Esse foi o formato de consumir séries implementado inicialmente pela Netflix, que terminou por popularizar o conceito de “maratonar” seus seriados. Quando estreavam, os fãs consumiam tudo da noite para o dia, permanecendo por horas na frente da TV. Com o advento de novos concorrentes para a Netflix, como a Amazon e a Disney Plus produzindo seu próprio conteúdo inédito, foi implementado outro formato que igualmente viria a se mostrar muito bem-sucedido: o de um episódio por semana.
Sim, de certa forma isso é um retrocesso ao que se tinha na TV antes do streaming – onde um episódio inédito é exibido a cada semana. A diferença entre os dois formatos é que exibições semanais terminam por deixar as séries mais tempos na boca do povo, a cada novo episódio gerando mais falatório e fazendo o programa continuar em evidência. A desvantagem é que pode ocasionar também uma perda de interesse por parte do espectador, como ocorreu com algumas das recentes produções da Marvel nas telinhas (mais especificamente Gavião Arqueiro e Cavaleiro da Lua), e o eventual abandono do público.
Talvez por isso, a escolha da Netflix para Stranger Things tenha ficado num híbrido entre os dois formatos. Nem a temporada inteira de uma vez só, nem episódios semanais. O opção da plataforma número 1 de streaming no mundo foi por dividir o quarto ano do programa em duas partes – como já havia feito em seriados como La Casa de Papel, por exemplo. E aqui talvez a empresa tenha conseguido o melhor dos dois mundos. Ao mesmo tempo em que entrega material suficiente para os fãs maratonarem (e dessa vez com episódios com mais tempo de duração – como o sétimo, com formato de um longa-metragem de 1h40min), manteve também seus espectadores “reféns”, comentando e ansiando por mais um mês pelo desfecho – cujos últimos dois episódios irão ao ar no dia 1º de julho.
Nesta nova matéria, no entanto, iremos abordar um elemento específico da nova temporada: o vilão e tudo que o cerca. Temos certeza que você, bom fã de Stranger Things que é, já conferiu os primeiros sete episódios a esta altura. Mas de qualquer forma, estejam avisados que a partir daqui teremos todos os spoilers possíveis e imagináveis da mais recente temporada. Portanto, continue por sua conta e risco.
A nova ameaça desta temporada de Stranger Things pode ser considerado o vilão mais humano que o programa já teve até aqui. Nos anos anteriores, os antagonistas principais eram criaturas monstruosas de outra dimensão como o Demogorgon, o Devorador de Mentes e o Monstro-Aranha da terceira temporada. Nenhum deles possuía qualquer elo de humanidade conosco. Porém, isso mudou com a adição de Vecna, o terrível vilão do quarto ano. Para começar, sua forma em si já é mais humanoide, com direito a olhos, boca e nariz. O que chama verdadeiramente atenção, no entanto, é sua incrível semelhança com outro vilão icônico saído lá da década de 80, o demônio dos sonhos Freddy Krueger, imortalizado pela franquia A Hora do Pesadelo.
Para além do clima de terror e ficção científica, e do carisma de seu elenco (todos devidamente transformados em astros mirins), Stranger Things sempre foi desde seus primórdios uma baita homenagem aos anos 80. Esse foi um dos motes nos quais os criadores venderam seu produto: uma série arrepiante inteiramente passada na moda, roupas, penteados e toda cultura pop que fizeram tal década querida pulsar. A primeira temporada se passava em 1983, e desde então a viagem nostálgica ficou garantida. Assim seguiram temporadas em 1984 e 1985, até chegarmos ao mais recente ano, situado desta vez em 1986.
Nesta época, A Hora do Pesadelo já havia explodido e se tornado sensação entre os jovens – todos já devidamente introduzidos ao subgênero do terror slasher, que levava multidões aos cinemas com filmes como Halloween e Sexta-Feira 13, e suas sequências. A Hora do Pesadelo estreou em 1984 e tinha uma proposta diferente de seu criador Wes Craven. Aqui, o assassino mataria suas vítimas no mundo dos sonhos, enquanto estivessem em seu mais vulnerável estado: dormindo. Não há escapatória. Realidade e fantasia se confundem no mundo dos sonhos. Essa mistura de excelentes efeitos visuais e uma trama complexa garantiu um sabor especial, e o sucesso foi imediato. No ano seguinte uma continuação já saía do papel. Ou seja, em 1986, A Hora do Pesadelo já possuía dois exemplares, e estava pronta para estrear o terceiro no ano seguinte.
Voltando para Stranger Things e suas homenagens, em determinado momento da nova temporada, o carismático Dustin (Gatten Matarazzo) chega a mencionar Freddy Krueger e explicar na presença de uma criança pequena quem é o vilão. Mas as referências ao clássico do terror não ficam só por esta cena. Tudo o que envolve o vilão Vecna parece inteiramente inspirado pela franquia criada pelo saudoso Wes Craven. Os ataques de Vecna, por exemplo, soam muito como os de Krueger em seus filmes. As vítimas de Stranger Things não estão dormindo, é verdade, ao menos não no sentido tradicional. Todos os alvos de Vecna entram numa espécie de transe, onde são levados para outra dimensão, onde nada parece real e tudo é digno do mais terrível pesadelo. No mundo real, se encontram desacordados, incapazes e indefesos, enquanto suas mentes vagam nos domínios de Vecna. Uma vez o vilão os encontrando, assim como Krueger, tudo o que acontece nesse mundo “dos sonhos”, reflete no mundo real, inclusive suas horríveis mortes.
E como na franquia do vilão com a cara queimada e a luva de garras afiadas, a única forma de escapar é a vítima acordar: seja do sono ou do transe. Assim como Krueger também, é Vecna quem controla sua própria dimensão, ditando suas regras. Tudo vale de acordo com seus desejos. Mas algo me diz que assim como Freddy encontrou oponentes à altura no terceiro filme da franquia (subtitulado Os Guerreiros dos Sonhos, 1987), com jovens capazes de controlar seus pesadelos, é capaz de presenciarmos algum personagem enfrentando Vecna de igual para igual em seus domínios – muito provavelmente a heroína Eleven com seus poderes recuperados.
Se você já assistiu à nova temporada, descobriu também a identidade de Vecna. Sim, ele já foi humano – assim como Freddy Krueger. Vecna começou como o pequeno Henry Creel, o filho de uma família tipicamente saída de comercial de margarina. Devido aos poderes incontroláveis de telecinese, ele termina matando a mãe e a irmã mais nova, levando as autoridades a concluírem que o verdadeiro culpado havia sido seu pai, Victor Creel. O sujeito então é encarcerado num hospital psiquiátrico no melhor estilo O Silêncio dos Inocentes (1991). Enquanto isso, o menino é levado para a clínica do mesmo Doutor Martin Brenner (Matthew Modine), que cuidou de Eleven, para estudar e ajudar com os dons do pequeno Henry (então interpretado por Raphael Luce). No local, o menino recebe o número 1 tatuado em seu corpo, sendo o primeiro jovem com poderes telecinéticos do local. Anos mais tarde, com Eleven já participando do experimento, Henry é agora um jovem funcionário da clínica (interpretado por Jamie Campbell Bower), que ajuda a menina protagonista em diversos momentos. De aparência calma e angelical, o sujeito é na verdade um prisioneiro do local, sendo contido e com um chip em seu pescoço o impedindo que use seus poderes e faça o mal.
Uma vez solto por Eleven, ele realiza uma chacina de funcionários e pacientes, e num confronto de poderes com a menina, termina banido para outra dimensão, onde se torna a criatura conhecida como Vecna. O vilão de A Hora do Pesadelo também já teve seu lado humano, sua história e origem retratadas ao longo da franquia de mais de oito filmes. Freddy foi concebido por uma freira, estuprada constantemente durante um fim de semana inteiro, quando ficou trancada ao lado de pacientes desequilibrados de um hospital psiquiátrico. Daí o apelido de “filho de cem loucos”. Amanda Krueger o doou para adoção, onde passou de lar em lar, maltratado, e igualmente herdando genes que o levavam a atos desumanos contra pequenos animais – assim como o menino Henry Creel. Na vida adulta, Freddy Krueger se tornava um molestador e assassino de crianças e adolescentes. Preso, mas solto logo depois devido a um deslize técnico, ele finalmente é assassinado pelos próprios pais da vizinhança, muitos sendo os próprios pais de suas vítimas. Mas ele retornaria como uma entidade poderosa e imortal.
Quer mais laços entre Vecna e A Hora do Pesadelo? Quem temos interpretando Victor Creel, o pai de Vecna, numa participação especialíssima? O próprio Freddy Krueger em pessoa: Robert Englund. O ator viveu o vilão em oito produções cinematográficas, além de em sua própria série de TV (da qual já falamos aqui – é só ler no link). Diga se isso não é a referência máxima? É claro que com uma trama e um vilão que remetem diretamente ao clássico de Wes Craven, não poderia faltar a cereja do bolo: a participação do próprio Freddy. Englund vive o personagem Victor Creel em 1986, quando o sujeito já está aprisionado e condenado pelos crimes dos assassinatos de sua família – dos quais é inocente. Mas não pense que uma participação do ator viria sem uma maquiagem à altura. No período em que esteve encarcerado, Victor tratou de cortar os dois olhos com lâminas, ficando cego e com o rosto deformado – no melhor estilo Freddy.
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Fora isso tudo, é impossível não pensar no A Hora do Pesadelo original nos trechos finais do sétimo episódio de Stranger Things, quando Nancy (Natalia Dyer) não consegue escapar do mundo invertido, e ao invés cai nos domínios de Vecna. Ver o vilão chamando o nome da personagem com sua voz gutural é muito fan service para os entusiastas do demônio dos sonhos. Acontece que o nome da mocinha no filme original, interpretada por Heather Langenkamp, é… sim, você já sabe… Nancy!