São mais de cinco décadas de carreira, 88 créditos como ator, 34 créditos como roteirista, 24 como produtor e 9 como diretor. São 68 indicações aos mais variados prêmios da indústria do cinema, e 62 vitórias. Ao maior deles, o Oscar, teve três indicações, duas como ator e uma como roteirista. A carreira do astro Sylvester Stallone sem dúvida alguma é digna de aplausos. Como tantos artistas, ele já viu os altos e baixos em sua trajetória. E tenta se reinventar, em qualquer uma destas capacidades (ator, diretor ou roteirista) a cada nova década. Na segunda metade dos anos 80 até meados dos anos 90 Stallone era um dos maiores astros de Hollywood, recebendo salários astronômicos para protagonizar suas superproduções policiais de ação.
Depois de emprestar sua voz ao personagem Tubarão Rei no aclamado O Esquadrão Suicida em 2021, Sylvester Stallone prepara o lançamento de alguns projetos chamativos muito em breve. Samaritan (filme de super-herói com o ator), Os Mercenários 4 e Guardiões da Galáxia Vol. 3 irão dominar os cinemas nos próximos anos. Pensando nesse novo bom momento da carreira do veterano, resolvi examinar um período muito específico da filmografia do ator. Momento este que foi seu divisor de águas para se tornar uma das maiores potências do cinema entretenimento mundial – exportado aos quatro cantos – e que completa quarenta anos em 2022.
Inegavelmente, como muito reportado, Rocky – Um Lutador (1976) foi o primeiro ponto de guinada na carreira de Sylvester Stallone. Apostando todas as fichas no roteiro que havia escrito, sobre a chance de um boxeador de segunda categoria ganhar seus 15 minutos de fama ao enfrentar o campeão mundial, Stallone peitou o estúdio, bateu o pé e conseguiu ele mesmo protagonizar o longa, se tornando um nome famoso em Hollywood. Rocky foi um enorme sucesso de bilheteria e levou o Oscar de melhor filme. Parecia que a sorte do ator iria mudar de vez. Engano. Seus dois lançamentos seguintes, os dramas F.I.S.T. e A Taberna do Inferno – ambos de 1978, escritos e o segundo dirigido pelo próprio – foram rapidamente varridos para debaixo do tapete. Foi preciso voltar ao universo do boxe, com Rocky II – A Revanche (1979), desta vez também como diretor, para recuperar o prestígio.
Agora, com dois Rocky no cinturão as coisas pareciam mais tranquilas para Sly. As portas até se abriam, mas devido a escolhas de projetos que não resultaram no retorno financeiro esperado, a maré tornou a se voltar contra o ator. Em 1981, Stallone investia em duas produções bem diferentes: o thriller policial Falcões da Noite (que irá virar série em breve) e o drama de esporte passado na Segunda Guerra Mundial, Fuga para a Vitória. Nenhuma das duas emplacou e viveram para se tornar alguns dos filmes mais obscuros da carreira do ator. Ou seja, nesse período a conclusão que começava a ser tomada sobre Sly era que parecia funcionar apenas quando vestia as luvas de boxe e encarnava o lutador Rocky. Fora do papel, os resultados eram decepcionantes. Isso viria a mudar em 1982, há quarenta anos. Ou quase.
Acontece que há quarenta anos, Sylvester Stallone voltaria mais uma vez a viver o papel do boxeador Rocky Balboa no terceiro filme da franquia, mas o que cimentaria aquele ano para sua filmografia seria a adição de uma nova marca muito querida ao seu repertório: Rambo – Programado para Matar. Ambos os filmes, lançados no mesmo ano de 1982, completam 40 anos de sua estreia em 2022. Começando por Rocky III – O Desafio Supremo, também conhecido como a tábua de salvação do ator, Sly novamente assumia as funções de roteirista, diretor e protagonista. Depois de duas produções elogiadíssimas muito mais por sua carga dramática, era a hora da franquia adentrar de vez os anos 1980, apostando em todos os elementos que são a marca registrada da década – ou seja, o exagero cartunesco.
Com o terceiro Rocky, o personagem adentrava de vez o imaginário do grande público e a cultura pop – graças a época de seu lançamento. Os anos 70 eram a casa das produções mais autorais e artisticamente revolucionárias, enquanto os anos 80 souberam vender produtos e marcas como nunca anteriormente, preparando o terreno para o que temos hoje. Assim, Rocky Balboa virava uma peça de merchandising, aparecendo em tudo até videogames. Para dar novo gás à jornada do herói nas telas, o treinador Mickey (Burgess Meredith) morre (adicionando impacto e guinada dramática), um novo oponente ainda mais “indestrutível” era adicionado (nas formas de Mr. T) e o antigo rival se tornava aliado (Carl Weathers e seu Apollo Creed), após a saída de cena do mentor. Era tudo o que o espectador precisava para tornar Rocky, de um personagem trágico e sofrido, em o mais novo herói de ação dos cinemas. Fórmula essa que Stallone conhece e domina muito bem até hoje.
Rocky III pode não possuir o ineditismo e o frescor dos anteriores, afinal trata-se do terceiro filme de uma série, mas viveu para se tornar o mais dinâmico, divertido e vibrante episódio até então. Era o maior Rocky que o cinema havia visto. E com um orçamento de US$17 milhões, viu o retorno de US$125 milhões ao cofre do estúdio somente nos EUA. A Rockymania estava instaurada com sucesso e de quebra o filme ainda recebeu uma indicação ao Oscar (coisa que o segundo não havia conquistado) de melhor canção para a icônica Eye of the Tiger, da banda Survivor, música que muitos lembram como sendo do filme original ou de todos da franquia, mas que pode ser escutada apenas neste terceiro longa. Ou seja, se para mais nada, Rocky III contribuiu para uma das canções mais empolgantes já escritas para a sétima arte e que se tornou sinônimo da prática de exercícios.
Rocky III estreou em 28 de maio de 1982, em pleno início de verão americano. Para se tornar ainda mais icônico, sua estreia ocorria no feriado do Memorial Day, dia em que os americanos celebram seus soldados mortos nas guerras. E não teve para ninguém, Rocky III estreava com quase US$20 milhões na liderança das bilheterias americanas. Como dito, no entanto, o ano de 1982 seria ainda mais satisfatório para Sylvester Stallone. Acontece que no mesmo ano, o ator lançaria um novo projeto de muita relevância e que daria o que falar. Sem qualquer envolvimento de Stallone a não ser na capacidade de ator protagonista, Programado para Matar é a adaptação do livro First Blood (o título original também do filme em seu país de origem), uma dissertação anti-guerra escrita David Morrell.
Dono de um tema polêmico e ainda muito dolorido para os norte-americanos, a Guerra do Vietnã, que havia encerrado em 1975, a proposta do texto de Morrell era similar ao indicado ao Oscar Nascido em 4 de Julho (1989), ou seja, desmistificar o patriotismo americano, ao descortinar a forma como os veteranos que serviram ao seu país eram tratados quando retornavam ao território pelo qual lutavam. Jovens eram obrigados a matar ou morrer num conflito insano e sangrento, e quando voltavam eram discriminados, sem conseguir encontrar seu lugar na sociedade. O livro First Blood é um detalhado exame deste diagnóstico.
A história, como todos estão cansados de saber a esta altura, mostra o veterano desta guerra John Rambo (papel de Stallone), que após voltar para os EUA tendo terminado o conflito, não consegue arrumar emprego nem estacionando carros, segundo o próprio. Em visita a um amigo de serviço, ele descobre que o sujeito morreu por complicações do período no Vietnã. Em tal cidadezinha fria, desperta a antipatia do xerife local (papel do saudoso Brian Dennehy), e num duelo de testosterona, termina preso, abusado na cadeia, foge e inicia no local sua pequena guerra particular contra a força policial.
Segundo o próprio Stallone, o corte original do filme era longo e inassistível. Pronto para contemplar mais um flop em sua carreira, o ator resolveu ele mesmo meter a mão na massa e interferir na edição, chegando ao dinamismo dos 93 minutos finais que o longa possui. A opção certeira em não matar o personagem principal, como no livro, garantiu continuidade para a trajetória do ex-boina verde – mesmo que a mensagem tenha se deturpado eventualmente, o transformando em um herói de guerra e símbolo do patriotismo exacerbado norte-americano. Afinal, o Rambo original era uma declaração anti-estabelecimento.
Lançado em 22 de outubro de 1982, Rambo – Programado para Matar se tornava o segundo filme de Stallone no ano a atingir o topo das bilheterias em sua estreia. Com um orçamento de US$15 milhões, teria um faturamento mundial de US$125 milhões. É seguro dizer que graças a estes dois acertos de projetos – um garantido e outro uma aposta -, Sylvester Stallone começava a moldar sua persona como herói de ação de Hollywood.
E graças a ambas as produções que o ator viria a se tornar um astro estabelecido e definitivo três anos depois. Em 1985, Rocky IV e Rambo 2 – A Missão iriam ainda mais longe, levando o ator ao topo da cadeia alimentar na indústria. Rambo viria inclusive a ultrapassar a popularidade de Rocky, criando o subgênero dos filmes dos “exércitos de um homem só” e se tornando desenho animado, bonecos de ação para os meninos e gerando até mesmo em nossa rede de TV aberta o infame concurso do Rambo brasileiro, nas noites de sábado no SBT, no programa Viva a Noite do saudoso Gugu Liberato. Tudo isso graças à visão de Sylvester Stallone para criar um novo personagem icônico em sua galeria, que viria a continuar dando frutos em sua carreira quatro décadas depois de sua origem.