domingo , 22 dezembro , 2024

The Alienist | Relembre o suspense de época estrelado por Daniel Brühl e Dakota Fanning que faz 5 anos em 2023

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As histórias envolvendo serial killers de uma forma quase doentia sempre envolveram qualquer espectador. Seja para o melhor ou para o pior, narrativas sanguinárias têm a capacidade de causar alguma emoção no mais cético dos seres humanos – e não é à toa que o ceticismo seja uma delas. Apesar disso, é mais comum termos repulsa a tais atos ou então um ácido e satírico humor que os acompanha através das transformações sociais. No final das contas, esse dilema do que sentir e do que é certo não importa muito: o que importa é a atenção. A completa entrega de um imaginário cotidiano a algo sombrio, obscuro e que passaria despercebido por aqueles que sabem como dar um toque único a toda essa atmosfera.

Foi a partir dessa ideia que o romancista norte-americano Caleb Carr teve a ideia de construir uma aventura épica com ares de Agatha Christie e Sir Arthur Conan Doyle – com o diferencial de trazer todo o misticismo e a envolvência histórica comumente britânica para os ares progressistas de Nova York no final do século XIX. Com isso surgiu ‘The Alienist‘, uma instigante história que infelizmente não teve todo o seu potencial explorado pelos showrunners Eric Roth e Hossein Amini e seu time criativo – e mesmo assim não podemos tirar alguns méritos que a série trouxe consigo.



Como podemos já esperar de uma “boa” história de detetives, temos alguns protagonistas sem qualquer relação psicológica ou profissional entre si que cruzam caminhos unidos por algo trágico – no caso, pelo brutal assassinato de um garoto de rua que foi encontrado totalmente dilacerado e com vários membros do corpo faltantes. A priori, é quase impossível não traçar paralelos com a história de Jack, o Estripador, um dos assassinos em séries mais temidos e mais lendários do panteão anglo-saxônico, ainda mais porque, assim como o famoso homicida, esta figura sem nome e sem rosto também saía à procura de “parvos da sociedade” como vítimas.

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É a partir daí que temos a junção de um trio nada convencional formado pelo ilustrador John Moore (Luke Evans), pela primeira policial mulher da história dos Estados Unidos, Sara Howard (Dakota Fanning) e pelo alienista Laszlo Kreizler (Daniel Brühl). Logo de cara é possível notar como os três não se suportam e carregam diferenças quase paradoxais entre si, seja pela personalidade afrontosa de Sara, pelos vícios incongruentes de John ou pela egolatria disfarçada de empatia de Laszlo – e é justamente isso que nos fornece a química necessária para continuar acompanhando sua saga em meio às industriais ruas nova-iorquinas. De qualquer modo, eles passam a trabalhar juntos ao perceberem que os magnatas da cidade não se importam muito com a série de assassinatos que vêm ocorrendo, preocupando-se mais com seus bens materiais e como esse violento cenário irá afetar os negócios.

Ainda que os primeiros episódios da série caminhem em um ritmo angustiante e lento que até mesmo seleciona os mais fortes a continuarem-na acompanhando, a narrativa dá uma brusca engatada quando os elementos clássicos das histórias de mistério e suspense são incorporados às críticas sociais tão bem delineadas pela presença de personagens fictícios e de figuras muito conhecidas – não é nenhuma surpresa que Carr tenha colocado Theodore Roosevelt em seus anos juvenis como o chefe da polícia, ou até mesmo o magnata J.P. Morgan como uma frequente aparição antagônica para os nossos “heróis”. Assim que um propósito é encontrado, os diretores e roteiristas responsáveis pela adaptação percebem que cada uma das iterações deve representar uma importante pista para o trio e para o público, levando a ambos a criarem suas próprias teorias a respeito de quem é este monstro.

Não podemos negar os esforços de criar uma linha detetivesca crível o suficiente para não ser questionada por aqueles que assistem, mas essas tentativas não têm um respaldo muito palpável, por assim dizer. O que digo é que, por mais que os personagens e o roteiro acreditem em uma ordem lógica para os acontecimentos, os furos são bem perceptíveis e tiram crédito, mesmo que depois encontrem um desfecho convincente; levando em conta o título da série e a profissão de Laszlo, é quase óbvio que um alienista irá desvendar os mistérios da mente humana, mas as conclusões às quais chega simplesmente não fazem sentido até metade do show – e é a partir de meados de uma base duvidável que o pano de fundo começa a fazer sentido.

Esses deslizes conseguem ser ofuscados pela atuação dos protagonistas, em especial por Evans e por Fanning. Os dois saem de uma zona de conforto há muito engessada em suas carreiras, permitindo explorar em novas águas e até mesmo desvencilhar-se de algumas barreiras erguidas no passado – não é à toa que conseguimos nos relacionar com a calculista mente de Sara durante toda a temporada ao mesmo tempo em que compreendemos as aflições paternais e familiares de John acerca dos pobres meninos de rua que são assassinados. E isso também abre espaço para a incrível performance dos “garotos de programa” que não fazem apenas bom uso de sua idade, como transformam-se em personagens complexos através de uma dura realidade esquecida por máscaras sociais.

A recriação de Nova York em sua Era de Ouro entra em constante conflito com as cenas nos cortiços e nos bordéis das regiões mais pobres – um conflito bom, por assim dizer. A fotografia cuidadosamente planejada opta por tons mais brilhantes quando dentro de restaurantes, óperas ou mansões, reafirmando a ostentação exacerbada da classe mais alta, enquanto luta para buscar um pouco de vida dentro de um cenário desbotado e marcado por cores neutras – o marrom, o preto e o cinza. Não é à toa que a caracterização das crianças-prostitutas seja tão exagerada, justamente para encontrar uma perspectiva diferente do que enfrentam todos os dias.

O desenvolvimento dos personagens também é outro aspecto a ser aplaudido, não apenas em relação aos protagonistas, mas aos coadjuvantes também: todos possuem arcos bem delineados e perscrutados por profusas crises de identidades, enfrentamentos de obstáculos ou até mesmo sombras de um passado remoto que insistem em assombrá-los. Logo, espere ver uma relação assustadora entre Laszlo e o serial killer, ou então entre John e Joseph (Jackson Gann), um dos garotos de programa, em uma relação paternal que não poderíamos prever em nenhum momento. Tais criações conversam com escolhas estéticas que vão para além de uma mera técnica; a utilização de planos abertos em plongée e contra-plongée refletem as fracassadas tentativas de pequenos membros da sociedade em mudar uma realidade imutável, dolorosa e que sempre vai existir.

Além dos questionamentos menos óbvios trazidos pela série, os elementos próprios do gênero aparecem inúmeras vezes. Seja nas investigações infiltradas em bordéis, nos planos arquitetados ou nas perseguições mortais, cada um dos membros ativos da equipe funciona como uma engrenagem ao mesmo tempo arquetípica e convencional para a trama em questão – temos até mesmo a presença do escape cômico com a dupla de irmãos anatomistas que quebra a tensão das cenas. E é claro que a presença do jogo de luz e sombra e da inebriante névoa não ficaria de fora para aumentar a sombria atmosfera de uma obra de suspense.

Infelizmente, a série volta a pecar à medida em que se aproxima do desfecho. Após reencontrar seu ritmo, a história parece se perder nos momentos finais, valendo-se de inúmeras conclusões apressadas e sem qualquer sentido almejando um final feliz que não necessariamente precisaria existir – ou, se realmente precisasse, poderia ser encontrado de outra forma. Não é à toa que, com o season finale, uma parcela significativa do público solte um suspiro de insatisfação por desejar algo muito melhor.

Mesmo que ‘The Alienist‘ seja uma série com altos e baixos, ela é satisfatória em grande parte – e seus deslizes também podem ser deixados de lado se focarmos nas coisas boas. De qualquer modo, a produção fez sucesso considerável, ainda mais levando em conta que a TNT retornou com mais uma temporada em 2020, e merece ser apreciada.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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As histórias envolvendo serial killers de uma forma quase doentia sempre envolveram qualquer espectador. Seja para o melhor ou para o pior, narrativas sanguinárias têm a capacidade de causar alguma emoção no mais cético dos seres humanos – e não é à toa que o ceticismo seja uma delas. Apesar disso, é mais comum termos repulsa a tais atos ou então um ácido e satírico humor que os acompanha através das transformações sociais. No final das contas, esse dilema do que sentir e do que é certo não importa muito: o que importa é a atenção. A completa entrega de um imaginário cotidiano a algo sombrio, obscuro e que passaria despercebido por aqueles que sabem como dar um toque único a toda essa atmosfera.

Foi a partir dessa ideia que o romancista norte-americano Caleb Carr teve a ideia de construir uma aventura épica com ares de Agatha Christie e Sir Arthur Conan Doyle – com o diferencial de trazer todo o misticismo e a envolvência histórica comumente britânica para os ares progressistas de Nova York no final do século XIX. Com isso surgiu ‘The Alienist‘, uma instigante história que infelizmente não teve todo o seu potencial explorado pelos showrunners Eric Roth e Hossein Amini e seu time criativo – e mesmo assim não podemos tirar alguns méritos que a série trouxe consigo.

Como podemos já esperar de uma “boa” história de detetives, temos alguns protagonistas sem qualquer relação psicológica ou profissional entre si que cruzam caminhos unidos por algo trágico – no caso, pelo brutal assassinato de um garoto de rua que foi encontrado totalmente dilacerado e com vários membros do corpo faltantes. A priori, é quase impossível não traçar paralelos com a história de Jack, o Estripador, um dos assassinos em séries mais temidos e mais lendários do panteão anglo-saxônico, ainda mais porque, assim como o famoso homicida, esta figura sem nome e sem rosto também saía à procura de “parvos da sociedade” como vítimas.

É a partir daí que temos a junção de um trio nada convencional formado pelo ilustrador John Moore (Luke Evans), pela primeira policial mulher da história dos Estados Unidos, Sara Howard (Dakota Fanning) e pelo alienista Laszlo Kreizler (Daniel Brühl). Logo de cara é possível notar como os três não se suportam e carregam diferenças quase paradoxais entre si, seja pela personalidade afrontosa de Sara, pelos vícios incongruentes de John ou pela egolatria disfarçada de empatia de Laszlo – e é justamente isso que nos fornece a química necessária para continuar acompanhando sua saga em meio às industriais ruas nova-iorquinas. De qualquer modo, eles passam a trabalhar juntos ao perceberem que os magnatas da cidade não se importam muito com a série de assassinatos que vêm ocorrendo, preocupando-se mais com seus bens materiais e como esse violento cenário irá afetar os negócios.

Ainda que os primeiros episódios da série caminhem em um ritmo angustiante e lento que até mesmo seleciona os mais fortes a continuarem-na acompanhando, a narrativa dá uma brusca engatada quando os elementos clássicos das histórias de mistério e suspense são incorporados às críticas sociais tão bem delineadas pela presença de personagens fictícios e de figuras muito conhecidas – não é nenhuma surpresa que Carr tenha colocado Theodore Roosevelt em seus anos juvenis como o chefe da polícia, ou até mesmo o magnata J.P. Morgan como uma frequente aparição antagônica para os nossos “heróis”. Assim que um propósito é encontrado, os diretores e roteiristas responsáveis pela adaptação percebem que cada uma das iterações deve representar uma importante pista para o trio e para o público, levando a ambos a criarem suas próprias teorias a respeito de quem é este monstro.

Não podemos negar os esforços de criar uma linha detetivesca crível o suficiente para não ser questionada por aqueles que assistem, mas essas tentativas não têm um respaldo muito palpável, por assim dizer. O que digo é que, por mais que os personagens e o roteiro acreditem em uma ordem lógica para os acontecimentos, os furos são bem perceptíveis e tiram crédito, mesmo que depois encontrem um desfecho convincente; levando em conta o título da série e a profissão de Laszlo, é quase óbvio que um alienista irá desvendar os mistérios da mente humana, mas as conclusões às quais chega simplesmente não fazem sentido até metade do show – e é a partir de meados de uma base duvidável que o pano de fundo começa a fazer sentido.

Esses deslizes conseguem ser ofuscados pela atuação dos protagonistas, em especial por Evans e por Fanning. Os dois saem de uma zona de conforto há muito engessada em suas carreiras, permitindo explorar em novas águas e até mesmo desvencilhar-se de algumas barreiras erguidas no passado – não é à toa que conseguimos nos relacionar com a calculista mente de Sara durante toda a temporada ao mesmo tempo em que compreendemos as aflições paternais e familiares de John acerca dos pobres meninos de rua que são assassinados. E isso também abre espaço para a incrível performance dos “garotos de programa” que não fazem apenas bom uso de sua idade, como transformam-se em personagens complexos através de uma dura realidade esquecida por máscaras sociais.

A recriação de Nova York em sua Era de Ouro entra em constante conflito com as cenas nos cortiços e nos bordéis das regiões mais pobres – um conflito bom, por assim dizer. A fotografia cuidadosamente planejada opta por tons mais brilhantes quando dentro de restaurantes, óperas ou mansões, reafirmando a ostentação exacerbada da classe mais alta, enquanto luta para buscar um pouco de vida dentro de um cenário desbotado e marcado por cores neutras – o marrom, o preto e o cinza. Não é à toa que a caracterização das crianças-prostitutas seja tão exagerada, justamente para encontrar uma perspectiva diferente do que enfrentam todos os dias.

O desenvolvimento dos personagens também é outro aspecto a ser aplaudido, não apenas em relação aos protagonistas, mas aos coadjuvantes também: todos possuem arcos bem delineados e perscrutados por profusas crises de identidades, enfrentamentos de obstáculos ou até mesmo sombras de um passado remoto que insistem em assombrá-los. Logo, espere ver uma relação assustadora entre Laszlo e o serial killer, ou então entre John e Joseph (Jackson Gann), um dos garotos de programa, em uma relação paternal que não poderíamos prever em nenhum momento. Tais criações conversam com escolhas estéticas que vão para além de uma mera técnica; a utilização de planos abertos em plongée e contra-plongée refletem as fracassadas tentativas de pequenos membros da sociedade em mudar uma realidade imutável, dolorosa e que sempre vai existir.

Além dos questionamentos menos óbvios trazidos pela série, os elementos próprios do gênero aparecem inúmeras vezes. Seja nas investigações infiltradas em bordéis, nos planos arquitetados ou nas perseguições mortais, cada um dos membros ativos da equipe funciona como uma engrenagem ao mesmo tempo arquetípica e convencional para a trama em questão – temos até mesmo a presença do escape cômico com a dupla de irmãos anatomistas que quebra a tensão das cenas. E é claro que a presença do jogo de luz e sombra e da inebriante névoa não ficaria de fora para aumentar a sombria atmosfera de uma obra de suspense.

Infelizmente, a série volta a pecar à medida em que se aproxima do desfecho. Após reencontrar seu ritmo, a história parece se perder nos momentos finais, valendo-se de inúmeras conclusões apressadas e sem qualquer sentido almejando um final feliz que não necessariamente precisaria existir – ou, se realmente precisasse, poderia ser encontrado de outra forma. Não é à toa que, com o season finale, uma parcela significativa do público solte um suspiro de insatisfação por desejar algo muito melhor.

Mesmo que ‘The Alienist‘ seja uma série com altos e baixos, ela é satisfatória em grande parte – e seus deslizes também podem ser deixados de lado se focarmos nas coisas boas. De qualquer modo, a produção fez sucesso considerável, ainda mais levando em conta que a TNT retornou com mais uma temporada em 2020, e merece ser apreciada.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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