O período marcado pela pandemia de COVID-19 foi problemático por inúmeros fatores – e é inegável o impacto que o entretenimento pelo streaming teve em nos acompanhar nesses tempos difíceis e solitários. E, no primeiro ano da quarentena, a Netflix lançou a ambiciosa adaptação de ‘The Old Guard’, baseado nos quadrinhos homônimos criados por Greg Rucka e ilustrados Leandro Fernandéz, e lançados em 2017. O sucesso imediato de crítica e de vendas colocou as HQs no centro dos holofotes e logo atraiu a atenção da plataforma em questão e da Skydance Media, que uniram forças para trazer às telinhas uma sólida releitura em live-action que conquistou os assinantes.
A trama é centrada em um grupo de soldados imortais cujo principal objetivo é fazer do mundo um lugar melhor – não importa o custo. Liderados pela poderosa e cínica Andrômaca de Cítia (papel dado a Charlize Theron em seu glorioso retorno aos filmes de ação), os guerreiros são forçados a permanecer no anonimato geração a geração, para que não sejam pegos por pessoas que não entendem sua natureza ou que desejam explorá-los para descobrir o segredo da vida eterna. Porém, o time, conhecido por Velha Guarda, se vê correndo contra o tempo e pela sobrevivência quando caem em uma armadilha arquitetada por um suposto aliado, James Copley (Chiwetel Ejiofor), que revela sua imortalidade e os coloca como alvo do impiedoso e egocêntrico empresário Steven Merrick (Harry Melling), que quer usar os genes dos soldados a fim de criar uma cura e vender sua patente para o monopólio farmacêutico.
As coisas viram de cabeça para baixo com a chegada de um quinto membro para essa disfuncional família – que choca todos, incluindo Andy, por torná-los um alvo ambulante para todos aqueles que querem encontrá-los: Nile (KiKi Layne). A jovem personagem faz parte do exército militar dos EUA e, após ser assassinada por um terrorista, volta à vida e compele Andy e os outros a encontrarem-na para protegê-la e explicar quem são. Em meio a tentativas fúteis de renegar a nova vida que lhe é concedida, Nile transforma-se em um bem-vindo trunfo para o impecável embate final – e emerge como uma futura líder quando a personagem de Theron, que já lida com o fim de sua imortalidade, der adeus aos outros.
Enquanto a delineação dos acontecimentos segue um padrão prático o suficiente para nos manter intrigados, mas longe de ousadias exageradas que poderiam transformá-lo em épico bélico, a química do elenco protagonista é o que fala mais alto. Além de Theron e Layne, temos também a presença de Matthias Schoenaerts como o problemático Booker, que viu seus filhos morrerem um a um durante a Era Napoleônica enquanto permanecia com a mesma idade – lidando com a dor de não poder compartilhar esse dom com aqueles que ama; e um irreconhecível Marwan Kenzari e o adorável Luca Marinelli como Joe e Nicky, respectivamente – inimigos milenares que se enfrentaram nas Cruzadas e acabaram se apaixonando.
O projeto é comandado por Gina Prince-Bythewood, um novo relativamente novo no cenário do entretenimento e, principalmente, dentro do gênero de ação e aventura – e, por essa razão, seu trabalho é competente o bastante para nos envolver, permitindo que ela se esquive do que criara em ‘A Vida Secreta das Abelhas’ e ‘Nos Bastidores da Fama’ e adentre território desconhecido com sucesso. Aliando-se ao roteiro assinado por Rucka e às investidas de Terilyn A. Shropshire na montagem e Tami Reiker e Barry Ackroyd na fotografia, todos unindo forças para uma frenética jornada marcada por impecáveis sequências de luta e um reflexo humanitário inesperado e tocante.
Entre histórias de amor eternas e perdas inestimáveis, o principal obstáculo enfrentado pelo filme é tentar se transformar em uma obra que abranja o máximo de estilos narrativos e cinematográficos possíveis: temos as nuances das produções de execução entrando em conflito com os ressentidos diálogos humanizados entre os personagens; as inflexões melodramáticas que explicam a frieza com a qual Andrômaca encara vida; e reviravoltas premeditadas por alguns foreshadowings previsíveis, mas estruturados bem o bastante para deixar os fãs satisfeitos. E, em outra medida, Theron emerge como o principal ponto de apoio ao se render a uma atuação incrível, desfrutando do talento de seus colegas à medida que singra pelo drama e pela aventura em medidas bem balanceadas.
‘The Old Guard’ permanece prático e satisfatório do jeito que precisava ser à época de seu lançamento – emergindo como uma diversão muito bem-vinda que, em tempos de crise, cumpriu com todas as exigências de um bom blockbuster. E, é claro, o ótimo gancho do final da narrativa abriu portas para uma vindoura sequência que, felizmente, chegará à Netflix amanhã, 2 de julho.
