Tubarão (1975), de Steven Spielberg, é um dos filmes mais adorados de todos os tempos. Não importa que tipo de cinéfilo você seja, certamente já ouviu falar sobre este thriller. E caso ainda não tenha assistido, pare tudo e corra para ver!
Se mostrando mais atual do nunca, hoje conseguimos perceber as fortes conotações do texto – por estarmos de certa forma vivenciando algo parecido, de forma global. Na trama de Tubarão, uma pequena cidade é atacada por uma enorme criatura marinha, bem no auge do verão – época em que o local recebe seus turistas e tem seu ápice financeiro para o ano. Algumas pessoas começam a morrer, mas isto não é nada para os governantes e comerciantes locais, pior seria fechar as praias e arcar com o prejuízo. Assim, praias abertas e cidadãos em perigo. Soa familiar?
Em 2022, este verdadeiro clássico da sétima arte completa 47 anos de lançamento, tendo feito sua estreia mundial nos EUA no dia 20 de junho de 1975. No Brasil, o longa chegou no dia de natal (uma data nada propícia), em 25 de dezembro do mesmo ano.
Tudo e muito mais já foi dito sobre esta produção icônica, mas como toda homenagem para uma obra-prima deste nível é pouca, o CinePOP resolveu reverenciar esta lenda do cinema com algumas curiosidades sobre o filme. Vem conhecer.
Primeiro Blockbuster da História
Hoje, o termo blockbuster é muito utilizado ao nos referirmos a superproduções do cinema. Mas o que muitos podem não saber, é que ele foi criado lá em 1975 com o filme Tubarão. Blockbuster, ou arrasa-quarteirão, foi o termo usado para o filme devido às filas quilométricas que se acumulavam em torno de quarteirões dos cinemas que exibiam o longa.
Tubarão (ou Jaws no original, “Presas”) foi o primeiro filme da história a acumular em bilheteria mais de US$100 milhões, se tornando assim o longa mais rentável de todos os tempos – recorde quebrado dois anos depois com Guerra nas Estrelas (Star Wars, 1977).
Assim como no Brasil, a ideia original era lançar Tubarão nos cinemas em dezembro até mesmo nos EUA. Mas atrasos devido a uma produção problemática, fizeram com que o filme fosse empurrado de dezembro de 1974 para junho de 1975. Curiosamente, antes de Tubarão, o meio do ano nos EUA, época do verão norte-americano, era conhecido como o período em que os estúdios jogavam suas piores produções, já que grande parte dos americanos preferia atividades ao ar livre nesta época. O conceito mudou por causa de Tubarão e até hoje o verão dos EUA é a época dos maiores lançamentos nos cinemas.
Outro detalhe é que a Universal, estúdio produtor do filme, ficou tão feliz com o resultado de Tubarão nas bilheterias, que resolveu desembolsar mais US$700 mil somente para divulgar o filme em comerciais de televisão, algo sem precedentes.
Oscar
Você sabia ou lembrava que Tubarão foi indicado ao Oscar de melhor filme? Pois é. Sabemos que um filme é perfeito sem defeitos, quando além de se tornar um fenômeno de bilheteria, entrando para a história pelo feito e criando até mesmo um termo para tal, ele ainda é agraciado pela maior entidade do ramo, a Academia do Oscar. Tubarão foi indicado para 4 prêmios no Oscar, incluindo melhor filme (o único que não levou, perdendo para Um Estranho no Ninho). O longa foi premiado como melhor edição, som e trilha sonora – pelo icônico tema do maestro John Williams. Por falar na trilha, curiosamente, quando Spielberg a ouviu pela primeira vez não gostou e achou que Williams estava brincando.
E se falamos nas injustiças de diretores com filmes indicados ficarem de fora da categoria de direção atualmente, com 10 filmes e apenas 5 possíveis cineastas, imagina numa época em que era 5 para 5. Tubarão foi o único filme daquele ano a não ter seu diretor indicado na categoria. Ocupando a vaga de Spielberg, o lendário cineasta italiano Federico Fellini com sua comédia Amarcord.
Diretor
Como todos sabem, Steven Spielberg iniciou bem sua carreira com o sucesso tremendo de Tubarão em seu currículo. O diretor tinha apenas 28 anos na época, e apesar do sucesso, a produção foi tão problemática que o cineasta já afirmou diversas vezes que não faria o filme se recebesse uma segunda chance. Ou quem sabe não o faria da forma que fez.
Mas o que nem todos talvez saibam, é que Spielberg não era a primeira opção para dirigir o longa. Antes dele, Dick Richards (mais conhecido como produtor de Tootsie) foi contratado, mas prontamente demitido após uma reunião com produtores e executivos da Universal. O motivo da demissão foi por Richards ter confundido baleias e tubarões – ao que os produtores afirmaram que não trabalhariam com um diretor que não soubesse esta diferença básica.
Assim como de costume nos filmes de Hitchcock, Spielberg faz uma “participação” no filme. É sua a voz no rádio avisando que a esposa do xerife estava ligando, no final do filme a bordo do barco Orca.
Michael Winner, que acabava de marcar um golaço com o sucesso de Desejo de Matar (1974), foi outro diretor considerado para o comando de Tubarão, antes de Spielberg ser de fato contratado.
Elenco
Para o papel principal do filme, o policial Martin Brody, atores como Robert Duvall e Gene Hackman foram considerados. O nome que chegou mais perto, no entanto, foi o de Charlton Heston (Planeta dos Macacos). Apesar de ter gostado da ideia de ter o ator no papel, Spielberg optou pela não contratação devido à persona heroica que Heston construíra em filmes catástrofe como Terremoto (1974) – imaginando que o público acharia que o tubarão não seria páreo para o ator. Heston ficou chateado com o fato e jurou nunca trabalhar com Spielberg. O papel, é claro, ficou eternizado nas formas do saudoso Roy Scheider.
Richard Dreyfuss ainda era um ator novato quando colaborou com Spielberg em Tubarão, no papel do oceanógrafo Matt Hooper. Antes da escolha do ator, o personagem foi oferecido para Jeff Bridges, Jon Voight e Dustin Hoffman. Já o papel do pescador veterano Quint, interpretado de forma tão intensa por Robert Shaw, quase teve as formas de Robert Mitchum e Oliver Reed, que recusaram a oferta.
Nos bastidores, Robert Shaw e Richard Dreyfuss não se deram bem. Shaw constantemente hostilizava o então novato Dreyfuss, criando assim um realismo maior e tensão entre seus personagens antagonistas. Shaw tinha problema com bebida e constantemente era visto com copos de drinks pelo set entre takes. Até mesmo o cordial Scheider o definiu como “um perfeito cavalheiro sóbrio, mas só bastava um drink para ele se tornar um filho da p… competitivo”. Shaw fez a cena do monólogo sobre a Segunda Guerra bêbado, e Spielberg não conseguiu aproveitar nenhuma linha de diálogo. Envergonhado, o ator pediu mais uma chance e no dia seguinte entregou a poderosa atuação que vemos no filme.
Curiosamente, o autor do livro no qual o filme é baseado, Peter Benchley, queria como protagonistas Robert Redford, Paul Newman e Steve McQueen, apenas os três maiores astros da época – humilde o sujeito, não? Redford e Newman dividiram as telas em Butch Cassidy (1969) e Golpe de Mestre (1973), e Newman e McQueen contracenaram em Inferno na Torre (1974).
Benchley, autor do livro, participa do filme como ator em uma ponta – ele vive o apresentador/repórter que aparece noticiando sobre os eventos no local direto da praia.
Livro
Steven Spielberg não era o maior fã do livro de Peter Benchley, e logo providenciou para que muito do texto fosse alterado para o filme. Entre as principais mudanças de livro e filme estão o caso que Hooper tem com a mulher do xerife (excluído do longa), a morte do próprio Hooper dentro da gaiola de proteção e a morte de Quint, que seria puxado para o fundo do mar pelo tubarão através de uma corda enrolada em seu pé, e não devorado como no filme.
Mas o principal incômodo do autor foi em relação ao final, quando o tubarão explode. Benchley protestou tanto que precisou ser removido do set de filmagem. Spielberg ainda afirmou que em seu desfecho original, Brody olharia após matar o tubarão e veria diversas outras barbatanas na água se aproximando. Seria um desfecho mais sombrio.
O roteirista Carl Gottlieb, que adaptou o livro para as telonas, disse ter se inspirado em duas ficções científicas clássicas na hora de retratar o tubarão no texto. A primeira foi O Monstro do Ártico (1951), refilmado por John Carpenter como O Enigma de Outro Mundo (1982), no qual vemos o “monstro” apenas no último “rolo”, ou seja, no terceiro ato. O outro é Veio do Espaço (1953), onde, segundo o autor, o suspense era elevado por termos a criatura sempre fora de cena.
Produção
Numa das cenas iniciais do filme, vemos o que restou do corpo da jovem banhista que é a primeira vítima do tubarão. O braço artificial criado para a produção, no entanto, não agradou, assim Spielberg enterrou de verdade uma funcionária da equipe na areia para a cena, fazendo do braço que vemos no filme mais real impossível.
O infame tubarão, um robô animatrônico criado especialmente para o filme, não funcionava direito. Esta foi a fonte dos maiores problemas de Spielberg e a da equipe de produção. Além de parecer muito falso, a criação vivia dando defeitos, pifando, afundando e fazendo tudo o que não deveria. Justamente precisando ser contornado com a criatividade narrativa do cineasta – que escondeu o “vilão” enquanto pôde. No geral, o tubarão aparece em cena somente por 4 minutos no longa. Spielberg, inclusive deu um nome para o tubarão falso: Bruce – em homenagem a seu advogado.
Além do “boneco”, o filme também utiliza imagens reais de um tubarão – na cena em que Hooper desce na gaiola. Em outro momento, os moradores da cidade acreditam ter matado o tubarão que estava aterrorizando as praias e o exibem no porto. Esse tubarão era real, morto por pescadores na Flórida, já que onde o longa estava sendo filmado não existia um tubarão deste tamanho. O tempo que o bicho demorou para ser transportado até o set pelo mar, fez com que ele entrasse em decomposição e começasse a feder muito – dificultando o trabalho dos atores que precisavam ficar próximos a ele na cena.
A pequena cidade onde o filme se passa, Amity Island, é fictícia. O local usado como locação foi a famosa rota turística para os ricos e famosos nos EUA, onde inclusive o ex-presidente Barack Obama recentemente comprou uma mansão: Martha’s Vineyard, em Massachusetts. Foi a primeira vez que o local foi utilizado como cenário para uma produção cinematográfica.
A famosa cena de zoom no filme, quando o xerife Brody percebe que o menino está sendo atacado na água pelo tubarão, ficou conhecida como a “tomada Tubarão” por alguns professores de cinema. Esta tomada, no entanto, foi criada por Irmin Roberts para simular a desorientação devido a altura em Um Corpo que Cai (1958), de Alfred Hitchcock – na qual é utilizada o zoom para frente enquanto o trilho se afasta com o câmera no tracking. Em Tubarão o oposto ocorre, um tracking se aproximando, enquanto o zoom se afasta.
Steven Spielberg sempre considerou Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros (1993) como uma espécie de sequência para Tubarão – ao menos em espírito. Sem dúvida é bem melhor pensar assim como o diretor, do que ter que encarar as malfadadas continuações reais do filme. Curiosamente, porém, antes de se tornar um filme, Tubarão foi cogitado como uma série de TV – sendo anunciado inclusive em revistas do ramo de cinema na época, neste formato. A ideia era ter uma celebridade como convidada, sendo devorados toda semana, como numa antologia.