Fim de ano é época das famosas listas dos melhores filmes que assistimos ao longo de mais doze meses. Todos nós temos as nossas. Aqui, no entanto, iremos propor uma lista diferente. Isto é, não dos melhores filmes que vimos este ano (essa, virá em breve), mas sim a dos melhores filmes que vimos há dez anos!
Dizemos que a melhor forma de avaliação é o distanciamento. Ou seja, deixar a poeira baixar e o frenesi passar. Será que os melhores filmes de dez anos atrás são os mesmos que votamos na época? Bem, a grande maioria sim. Isso porque talvez dez anos seja pouco tempo para perceber que um filme envelheceu mal. Bem, seja como for, vamos dar uma relembrada nos melhores filmes que completam 10 anos em 2024 e saber se eles continuam os mesmos. Confira abaixo.
Whiplash – Em Busca da Perfeição
O que mais chama atenção em ‘Whiplash’ é o debate sobre o que é mais importante na vida. E o momento mais marcante do longa não são os embates apoteóticos entre o exigente professor Fletcher e o empenhado pupilo Andrew, mas sim a cena do jantar entre o protagonista, seu pai, seu tio e os primos. Para Andrew, perseguir seu sonho de se tornar um dos melhores músicos de sua geração e escrever seu nome na história é sua meta de vida. Mesmo que para isso precise abrir mão de todas as relações humanas de sua vida. É o que a grandeza exige, a solidão.
Relatos Selvagens
Na época em que foi lançado, ‘Relatos Selvagens’ foi enaltecido por todos como um dos melhores filmes da época. A produção argentina traz como tema a constante insatisfação do cidadão comum perante as inúmeras injustiças que nos são acometidas. E a forma com que todos os personagens lidam com estas frustrações é aderindo ao seu próprio sistema de justiça pessoal: a justiça com as próprias mãos. Seja devido a uma briga de trânsito, às burocracias do departamento de trânsito, uma vingança matrimonial e por aí vai. Mesmo sendo uma fábula adulta, é interessante pensar qual seria a aceitação caso o longa tivesse sido lançado hoje, numa era politicamente correta ao extremo.
O Abutre
Os personagens mais interessantes são sempre aqueles que ficam na tênue linha da imoralidade, da vilania, de características dúbias. Tanto para os atores, quanto para o público. Para o espectador, existe um fator de identificação. Uma certa redenção de nossos pecados através do pecado de um personagem. E aqui, o protagonista do sempre ótimo Jake Gyllenhaal é dono do pecado da ganância – a ganância profissional. Visando uma vida melhor, o sujeito faz tudo o que pode (e o que não pode também) para escalar na “cadeia alimentar” de uma área, por si só questionável, o jornalismo sensacionalista. E que outra área ele conhece ou se adaptaria tão bem?
Birdman
O grande debate no centro de ‘Birdman’ é sobre a arte. O que é arte? E o que é simplesmente entretenimento raso, sem valor ou conteúdo? Enquanto ‘Relatos Selvagens’ talvez não desça mais tão redondo em seu discurso de “justiça com as próprias mãos”, ‘Birdman’ está mais atual do que nunca dez anos depois. Afinal, quem não conhece o meme do “This is Cinema” de Martin Scorsese, que surgiu depois que o maior diretor em atividade acusou a Marvel de não ser cinema. ‘Birdman’ traz justamente um ator que viveu um super-herói no cinema, disse não para a fama e a fortuna, e se voltou para o teatro, a fim de se sentir legitimado.
Interestelar
Enquanto ‘Birdman’ discorre sobre a “legitimidade da arte”, ‘Interestelar’, o épico espacial de Christopher Nolan, aborda um assunto ainda mais importante: a sobrevivência da raça humana. Todos os grandes filmes são construídos em cima de dilemas. E a grande questão em ‘Interestelar’ é: o sacrifício pessoal em prol do bem maior. O bem maior neste caso é a salvação da humanidade, de nosso planeta. Enquanto o homem destrói a Terra, o próprio homem também se destina a salvá-la. É onde começa a premissa do filme: a busca por outro planeta habitável. No centro de tudo, um pai abrindo mão de sua família, em especial de sua pequena filha, o que causa em ambos, enormes cicatrizes para a eternidade.
Boyhood – Da Infância à Juventude
Excelentes filmes podem ter âmbitos colossais, como é o caso de ‘Interestelar’, ou também bastante intimistas – como é o caso de ‘Boyhood’, uma história simples sobre a vida em família e o amadurecimento de um jovem rapaz. O que conta e muito no filme é a forma bem trabalhosa como foi feito. O filme levou nada menos que doze anos para ser produzido, e por muito tempo parecia que nunca iria ficar pronto. Por anos chamado apenas de “projeto sem título de Richard Linklater”, a intenção do cineasta foi filmar um pouco a cada ano, ao longo de uma dúzia de anos, os mesmos atores e vê-los envelhecer em tela. Algo sem precedentes.
O Grande Hotel Budapeste
Wes Anderson definitivamente não é um cineasta para todos os gostos. Seus filmes possuem uma narrativa quase estática, são poucos movimentos de câmera, repletos de diálogos, e uma direção de arte surreal e chamativa. Sim, seus longas se comportam praticamente como peças de teatro. Seu esforço mais ambicioso foi ‘O Grande Hotel Budapeste’ que resume o que a arte de Anderson tem de melhor a oferecer, e chega como seu filme mais engraçado. É sem dúvida o lugar que mais gostaríamos de estar entre todas as locações exóticas de seus filmes, um remoto hotel cinco estrelas em um país europeu, em seus dias de glória. E seus excêntricos transeuntes.
Garota Exemplar
Na lista dos melhores filmes de dez anos atrás também temos um baita suspense, que funciona muito bem como terapia de choque para casais. Uma relação tóxica atinge outros níveis, o de psicopatia, quando uma vingativa esposa resolve dar o troco em seu marido infiel. Talvez seja a vingança feminina definitiva, mas os requintes de crueldade do elaborado plano que quase coloca o marido no corredor da morte, impossibilita qualquer empatia pela mulher traída, devido à desproporcionalidade da punição. Seja como for, essa verdadeira cebola repleta de camadas na forma de um filme é mais uma das obras-primas da carreira de um mestre deste gênero, David Fincher.
O Ano Mais Violento
O que aconteceria se Michael Corleone, de ‘O Poderoso Chefão’, fosse casado com uma verdadeira “poderosa chefona”, herdeira de um império criminoso. É isso que essa obra do ótimo diretor J. C. Chandor propõe. Filme subestimado, que muitos sequer conhecem, o longa traz Oscar Isaac como um sujeito tentando legitimar os negócios mafiosos da família de sua esposa. O protagonista tenta desesperadamente deixar qualquer vestígio da vida de crime para trás, mesmo quando as dificuldades ao redor acabem tentando para o caminho mais fácil. Uma destas tentações de recaída na contravenção tem a forma de sua esposa, Jessica Chastain, uma verdadeira Lady Macbeth que a cada instante o instiga a trilhar um caminho fora da lei.
Ex-Machina: Instinto Artificial
Há dez anos, o nome de Oscar Isaac estava em todos os cantos, como um dos atores mais proeminentes da época. Hoje, Isaac segue em seu nível de excelência, apenas esperando a consagração de uma indicação ao Oscar e, é claro, uma vitória. Há uma década no passado, o ator estrelava dois filmes que se consagraram entre os melhores daquele ano. Depois de ‘O Ano Mais Violento’, Oscar Isaac aparece também em ‘Ex-Machina’, filme primordial sobre o advento da inteligência artificial. Antes mesmo de chegarmos ao nível tecnológico que temos hoje sobre o tema. Essa é basicamente a história de “Frankenstein”, mas com uma criatura inteiramente criada através da tecnologia. Um ser artificial, que se parece com os humanos e, é claro, se volta contra seu criador e a humanidade.
Bônus: Corrente do Mal
Os filmes de terror muitas vezes não possuem o reconhecimento devido. Isso porque este gênero não é para todos os gostos. Vez ou outra, no entanto, um filme de terror transcende seu gênero e o preconceito inerente a ele. Esse é o caso com ‘Corrente do Mal’, lançado há dez anos, que infelizmente ainda segue subestimado e desconhecido por muitos. A palavra certa para defini-lo é cult. Com atmosfera de ‘Halloween’ (o cenário, o clima, a trilha, a câmera), o longa aborda o tema das doenças venéreas, o primeiro amor, a desilusão, e transforma a coisa em um dos filmes de fantasmas mais perturbadores da última década. A história irá ganhar uma continuação em 2025.