Vez ou outra, quando uma obra (seja um filme, livro, série etc) é mal recebida pela crítica ou por parte da audiência, virou praxe ouvir de seus defensores que tal conteúdo está “à frente do seu tempo”. Ao longo dos anos, a afirmação tomou um ar irônico na internet, sobretudo com a alcunha de “lenda incompreendida”. No entanto, a história do Cinema nos mostra que, algumas vezes, a ideia não está tão longe assim da realidade.
Se a Sétima Arte está recheada de histórias de filmes que foram um fracasso total, ela também nos prova que o tempo pode ser um grande aliado para provar que, sim, de vez em quando o fracasso nas bilheterias será recompensado com um reconhecimento tardio. Por isso, listamos 10 clássicos do cinema que não agradaram o público de primeira.
Cidadão Kane
Lançado em 1941 e hoje cultuado como uma obra de referência do cinema, ‘Cidadão Kane’ foi o primeiro longa-metragem de Orson Welles, então aos 26 anos. Em seu lançamento, o filme foi um fracasso de bilheteria apesar das críticas positivas.
Isso aconteceu porque, quando o magnata William Randolph Hearst descobriu que a história de Charles Foster Kane era uma adaptação livre de sua própria vida, proibiu menções ao filme em seus veículos. Muitos cinemas optaram por não exibi-lo, temendo retaliações. Foi assim que o filme, com orçamento de US$ 840 mil, deu um prejuízo inicial de US$ 160 mil.
‘Cidadão Kane’ teve 9 indicações ao Oscar, mas venceu apenas o prêmio de melhor roteiro original. Eventualmente, voltou aos olhos do público quando passou a ser imensamente elogiado por críticos de referência, como André Bazin. Após relançamentos, alcançou uma bilheteria total de US$ 1,6 milhão.
A Felicidade Não se Compra
Só a história de ressurgimento de ‘A Felicidade Não Se Compra’ já renderia um filme. Fadado ao fracasso em seu lançamento em 1946, o filme foi rapidamente esquecido, chegando a afundar a carreira do diretor, Frank Capra, e levar a produtora, Liberty Films, à falência.
A reviravolta veio em 1974 quando, pela Copyright Act de 1909, os direitos da Republic Pictures sobre o filme venciam. Seja por erro ou desleixo, os direitos não foram renovados, e o filme caiu em domínio público.
Foi então que ele acabou ressurgindo das cinzas, e se tornou um sucesso sem precedentes. E, uma vez que as distribuidoras e exibidoras podiam colocá-lo no ar de graça, ele realmente estava em todos os lugares.
Em 1991, a Republic Pictures conseguiu reaver os direitos sobre o longa, quando o seu sucesso já era mais do que consolidado.
O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford
Com um orçamento de US$ 30 milhões, ‘O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford’ arrecadou apenas US$ 15 milhões nas bilheterias mundiais. Isso porque o filme foi a razão de um embate entre a Warner Bros. e o diretor, Andrew Dominik, que discordaram quanto à montagem e à duração. O filme estava finalizado desde 2005, e em 2007 o estúdio desistiu do potencial comercial da obra, que foi lançada em circuito limitado.
O filme recebeu ótimas avaliações da crítica, mas não conseguiu expandir o seu circuito o suficiente para gerar lucro. Nos Estados Unidos, conseguiu o máximo de 301 salas, um número bastante baixo, e em alguns mercados internacionais foi direto para DVD.
Mesmo assim, recebeu duas indicações ao Oscar e figurou em dezenas de listas dos melhores filmes de 2007. Ao longo dos anos, sua base de fãs apenas cresceu.
O Informante
Orçado em US$ 68 milhões, ‘O Informante’ arrecadou um total de US$ 31,2 milhões. O longa de Michael Mann com Al Pacino, Russell Crowe e o saudoso Christopher Plummer era aposta da Disney para a temporada de premiações, mas foi alvo de uma campanha de retaliação que eventualmente provocou seu fracasso financeiro.
O filme é a versão fictícia de um segmento do programa ‘60 Minutes’, da rede CBS, que tentou desacreditar Jeffrey Wigand, um informante da indústria de tabaco, e os jornalistas que denunciaram a história publicada em 1996 pela Vanity Fair.
‘O Informante’ recebeu ótimas avaliações da crítica, mas em virtude da campanha pública, não atingiu a audiência. Mesmo assim, recebeu sete indicações ao Oscar e eventualmente encontrou seu lugar ao sol.
Blade Runner, o Caçador de Andróides
Hoje considerado uma obra-prima da ficção científica, ‘Blade Runner, o Caçador de Andróides’ teve um orçamento de US$ 30 milhões e terminou sua passagem pelo cinema com um ganho modesto de US$ 41 milhões.
Adaptado da obra de Philip K. Dick, o filme inicialmente recebeu críticas mistas e negativas, que apontavam um roteiro que perdia espaço para exageros de efeitos visuais, ou um ritmo extremamente lento e problemático.
Além disso, ele enfrentou problemas de concorrência na época, pois foi lançado no mesmo ano de ‘E.T. – O Extraterrestre’, ‘Star Trek II’ e ‘Conan, o Bárbaro’. Embora a audiência estivesse interessada em filme de fantasia e ficção científica, obras com uma mensagem mais universal e simples acabaram conquistando a maior fatia do público.
Clube da Luta
Apesar de ser lembrado como um dos filmes mais icônicos das carreiras de David Fincher e Brad Pitt, ‘Clube da Luta’ alcançou apenas US$ 100 milhões nas bilheterias totais, de um orçamento de US$ 63 milhões.
O grande problema parece ter sido a estratégia de divulgação utilizada pela Fox, que optou vendê-lo como um filme de luta livre, de um grande estúdio e com grandes astros, ao invés de acatar a sugestão de Fincher, que idealizou um marketing que apresentasse a obra como um suspense psicológico, e criasse um boca-a-boca antes da estreia.
Em 2019, Edward Norton reforçou esta teoria, em uma entrevista à PeopleTV (via EW). Ele afirmou que o time da distribuidora se recusou a vender o filme com a ideia de uma obra que era crítica ao capitalismo e à masculinidade tóxica.
Donnie Darko
Tendo custado apenas US$ 4,5 milhões, ‘Donnie Darko’ mal se pagou, com arrecadação total de US$ 7,5 milhões. Apesar de bem recebido pela crítica, o filme teve dificuldades para emplacar salas, por causa do atentado às Torres Gêmeas de 11 de Setembro. O longa inclui um acidente de avião, que se choca contra uma casa, e isso levou a sua distribuidora, Pandora, a limitar o circuito e adiar o lançamento internacional.
Eventualmente, o filme construiu sua base leal de fãs e construiu a reputação que guarda até hoje.
O Mágico de Oz
Apesar de hoje fazer parte do panteão dos clássicos, ‘O Mágico de Oz’ teve um orçamento de US$ 2,7 milhões e, no lançamento original em 1939, arrecadou apenas US$ 3 milhões.
Apesar da ótima recepção da crítica desde então, o longa só ganhou popularidade com os relançamentos e exibições em home vídeo, sobretudo quando a CBS adquiriu os seus direitos de exibição na TV e passou a exibi-lo com frequência em feriados e datas festivas a partir da década de 1950.
Um Sonho de Liberdade
Considerando a popularidade de ‘Um Sonho de Liberdade’, é até difícil imaginar uma época em que o filme fracassou nos cinemas. Entretanto, o drama nem chegou a US$ 1 milhão no fim de semana de abertura, tendo estreado com salas vazias segundo reportagem da Vanity Fair. Eventualmente, saiu de circuito tendo arrecadado um total de US$ 16 milhões, nem perto do orçamento de US$ 25 milhões. Somente com relançamentos, chegou a US$ 28 milhões.
Entre as teorias para o fracasso inicial, estão o título original complicado de se falar e lembrar, ‘The Shawshank Redemption’, e a concorrência de um outro filme que chegava às telonas na mesma época: ‘Pulp Fiction’. ‘Um Sonho de Liberdade’ só foi encontrar seu status cultural com o lançamento em VHS.
O Portal do Paraíso
Lançado em 1980, ‘O Portal do Paraíso’ arrecadou apenas US$ 3 milhões, de um orçamento de US$ 44 milhões. A reação ao filme foi tão negativa que alguns críticos começaram a repensar ‘O Franco Atirador’, obra anterior de Michael Cimino que venceu 5 Oscar em 1979.
O grande problema é que o corte original de Cimino ultrapassava as 5 horas, e a versão que chegou aos cinemas, encurtada, tinha 2h29. Esta foi a versão que fracassou.
Em 1982, uma versão de 3h39 começou a ser exibida na TV a cabo, e a recepção foi diferente. Eventualmente, alguns analistas passaram a considerá-lo uma obra-prima, apesar de sua recepção até hoje ser bastante contraditória.