Série que durou dez anos iniciou toda uma dinastia de adaptações de quadrinhos na CW
Até chegar em 2001 as adaptações relacionadas à propriedade do Superman estavam, na melhor das hipóteses, mornas. Em 1993 houve o inesperado fenômeno da comédia romântica Lois & Clark cujo o foco era justamente na relação do icônico casal. Já em 1996 estreou Superman: A Série Animada criada pela trinca Bruce TimmPaul DiniAlan Burnett, que a essa altura já eram nomes reconhecidos pelo público por seu trabalho memorável com Batman: A Série Animada.
Com foco total no protagonista a animação realizou notável trabalho de apresentar sua origem e motivações para ser um herói, porém continuando a tradição das adaptações do mesmo em não se debruçar tanto sobre o período da adolescência na cidade de Smallville, fase essa extremamente importante para o Superman pois é ali que ele começa a entender que suas ações tem um vasto impacto no ambiente a sua volta e seu caráter é moldado em torno dessa consciência.
Portanto, voltando ao início dos anos 2000, não havia o interesse de se produzir algo focado na construção de Clark Kent enquanto herói e muito menos em sua adolescência. O personagem estava rendendo muito mais como parte de um elenco maior de personagens (vide que sua série animada tinha ligações com o universo DC) do que como um protagonista solo para uma produção live action; mas havia algo do tipo planejado para o Batman.
A ideia da produtora TollinRobbins era de criar um programa focado na adolescência de Bruce Wayne até ele se tornar o vigilante de Gotham, porém a ideia foi descartada pela Warner Brothers, que não só tinha uma postura muito inflexível para com qualquer adaptação do personagem fora do cinema como também já tinha planos até então de fazer algo similar (primeiro com o Ano Um de Darren Aronofsky, que foi cancelado, e depois com Batman Begins).
Com o projeto morto antes mesmo de ser executado, a TollinRobbins teve que readaptar o plano, eles não iriam abrir mão da abordagem juvenil mas agora precisavam de um novo personagem que se encaixasse na proposta. Não tardou até que o presidente da Warner Bros. TV entrasse em contato com a dupla de produtores Alfred Gough e Miles Millar com a proposta de uma série focada em Clark Kent.
Em uma entrevista de 2001 intitulada KryptonSite’s First Interview With Smallville Executive Producer Alfred Gough, o autor Craig Byrne conduz uma das primeiras vezes em que um dos showrunners da série veio a público falar da ideia. Gough então diz sobre como o projeto veio parar na sua mão. “Nós recebemos uma ligação do Peter Roth, que é o presidente da Warner Bros. TV e ele disse que queria produzir um show sobre um jovem Clark Kent. Ficamos intrigados mas também com reservas. Não tínhamos interesse em fazer Superboy, mas sim algo mais legal e focado no personagem… Queríamos que nosso Clark Kent tivesse angústia e nervosismo sem perder a essência de quem ele se tornaria.”
Na mesma entrevista, o criador é questionado sobre qual foi o apelo de produzir algo sobre a juventude do Superman. “Ele é um desses personagens que deixaram uma marca indelével na cultura popular. O fato de grandes super-heróis, como Batman e Superman, terem durado tanto tempo é porque eles podem ser reinterpretados para cada geração… Nós gostamos da ideia de introduzir o Superman para uma nova geração. O fato dele não vestir o traje em Smallville nos dá a chance de explorar o lado humano do Superman. Isso é o que nos atraiu de fato”.
Da mesma forma que acontece com basicamente toda produção cujo material fonte vem de algum quadrinho, Gough e Millar tiveram a sua disposição não só uma minissérie para servir de base, como também uma das melhores histórias do personagem. A premissa de Superman: Quatro Estações, escrita por Jeph Loeb e ilustrada pelo Tim Sale, é exatamente a mesma da série; cada estação do ano representa um momento de amadurecimento de Clark Kent, com os dois primeiros volumes se passando inteiramente em Smallville.
Pela íntima ligação que se estabelece entre Quatro Estações, inevitavelmente a série forma uma trinca de personagens principais cujos os focos são maiores: Clark Kent, Lana Lang e Lex Luthor (esse que não está presente no arco de Smallville da HQ mencionada mas já tinha uma amizade de infância com Clark estabelecida em outras histórias). Portanto, a busca por esses atores teria que ser muito específica e casar com a personalidade de cada um.
Como dito por Gough na mencionada entrevista, o primeiro nome do trio a ser confirmado foi o da atriz Kristin Kreuk como Lana Lang, no que ele categorizou como uma escolha automática no momento em que ela realizou o teste. Para Michael Rosenbaum ser escolhido como Lex Luthor foi levado muito em consideração seu carisma e charme. Já no que toca a Tom Welling foi algo mais demorado. Para escolher seu ator principal, a produção precisou ver mais de cem atores presencialmente ou por vídeo, mas foi o misto de cavalheirismo com força, segundo o showrunner, de Welling que foi decisivo.
O programa estreou em 16 de outubro de 2001 na antiga The WB (hoje CW) com um índice de audiência de 8.40 milhões de telespectadores. De todas as dez temporadas a segunda foi a que mais emplacou um número considerável; o primeiro episódio alcançou 8.70 milhões e o episódio final atingiu a marca expressiva de 9.12 milhões de telespectadores, tornando essa a temporada com maior número de audiência.
Smallville também é famosa pelo legado deixado após o fim da série, sendo o mais notável a reestruturação não oficial da CW para produzir o maior número de adaptações de quadrinhos da DC Comics. Obviamente o exemplo mais imediato é a série Arrow mas todo o universo de outras séries em que ela está inserida, chamado de arrowverse, provavelmente não existiria, ou não de forma tão abrangente, se a CW tivesse fracassado na execução de Smallville.
Outro elemento que também se tornou quase que absoluto para os fãs é a versão do Lex Luthor da série ser tratada como a definitiva do personagem. Isso porque até 2001 era a versão do Gene Hackman para os filmes do Superman de Christopher Reeve que mais frequentemente surgia na memória. Apesar dessa versão estar inserida em um clássico do cinema ela carece de maior profundidade sobre quem é aquele Lex além de um maníaco (não à toa essa versão é bastante comparada ao Lex cientista louco da era de ouro).
Já a versão de Rosenbaum para a série teve um longo trabalho de construção de personalidade, que ganhou muito com a participação fixa de John Glover como Lionel Luthor, tendo não só tempo como roteiros que evitaram de cair na armadilha de transformar Lex em um cientista ou empresário malvado. Ao final da série fica o entendimento do porque aquele indivíduo se tornou o inimigo de um herói como o Superman (que é de início um grande amigo dele).
E, por fim, Smallville teve um pequeno legado nos quadrinhos também com uma minissérie que serviu como uma décima primeira temporada. Começando de onde a obra original acabou, os quadrinhos mostram o início da carreira de Clark como Superman, bem como ele conhece inimigos clássicos que não haviam aparecido até então na série. Nos últimos tempos também houveram especulações sobre uma animação vir a ser produzida adaptando essas histórias pós-fim da série, mas não há nada oficial.
Smallville foi uma série que soube, como poucas até, dialogar com o tempo em que foi feita. Desde a vasta trilha sonora com músicas que fizeram sucesso no início dos anos 2000 até a escolha de figurino do elenco jovem, esse é o tipo de programa em que se identifica logo o período em que foi produzido sem jamais se tornar datado (um caso parecido com o suspense Pânico de 1996). Esse é, sem dúvidas, um motivos que tornam essa série tão amada por quem cresceu com ela e, motivados por ela, passou a conhecer mais das histórias do ultimo filho de Krypton.