Dá para endireitar algo que começa torto? Em 1998, mesmo ano em que Titanic conquistava tudo que era prêmio no Oscar, que talvez o melhor filme já feito aqui no Brasil era lançado nos cinemas (Central do Brasil), ano que o nosso país escolhia Sheila Mello como a nova loira do Tchan (vencendo 3.500 candidatas), chegava ao mercado audiovisual brasileiro um dos projetos que mais ficaria na lembrança de todos que tiveram a oportunidade de o assistir: Cinderela Baiana. Dirigido por Conrado Sanchez, produzido por Antonio Polo Galante, e protagonizado pela dançarina Carla Perez o filme é uma tentativa de musical dentro de um contexto dramático mostrando a história de vida da sofrida Carla, que vê seu mundo mudar quando é escolhida para ser dançarina de um grande show de um caricato empresário.
Com essa curta sinopse você leitor que nunca viu esse projeto já pode imaginar mais ou menos o que vem pela frente caso dê play. Ultrapassando as profundezas do ruim, em uma espécie de fenômeno temporal de gerações, poucas vezes vistos no mundo do cinema, acabaram tornando Cinderela Baiana um trash cult, um filme que se assistirmos para nos divertir conseguimos rir bastante com os inúmeros erros técnicos e a forma extremamente amadora de interpretações.
Sendo assim, reunimos nessa matéria, alguns pontos que podem ter ajudado esse filme a se tornar uma espécie de clássico trash cult brasileiro.
Uma jornada épica porém mal filmada
A protagonista é uma heróina! Teve uma infância sofrida, seus pais se esforçavam em trabalhos que não pagavam quase nada e muitas vezes não tinham dinheiro para alimentar a filha. A mãe Maria (Juliana Calil) e a jovem Carla inclusive iam até a beira da estrada em busca de algumas moedas jogadas por caminhoneiros que passavam pelo lugar. O pai de Carla, Gomes (Armindo Bião) acaba conseguindo um emprego em Salvador em um escritório de contabilidade a partir da ajuda de um amigo. Só que paralelo a isso sua esposa falece por um problema no pulmão. Assim, somente pai e filha embarcam para uma viagem que iria mudar suas vidas.
A ingenuidade da protagonista é facilmente detectada mesmo em uma atuação sofrível da carismática Carla Perez e os caricatos personagens
Algumas das coisas que mais chama a atenção nesse projeto são os personagens quase em formas de caricaturas que volta e meia aparecem na trajetória da protagonista, além, de uma ingenuidade ligada à imaturidade de uma sofrida protagonista que usa a dança como remédio para fugir dos pensamentos de sua realidade triste, sem oportunidade, andando com os pés descalços por uma Salvador dançante. Voltando aos personagens, um se destacada, deixando qualquer cinéfilo perplexo: Pierre (personagem de Perry Salles), o empresário de Shows famosos que objetiva fazer de Carla uma rainha da dança (e lucrar muito em cima dela) chega a ser bizarro em muitos momentos, fugindo de qualquer realidade seja aqui ou em Marte.
Há uma tentativa de crítica social, abordando o preconceito mesmo que em cenas toscas, muito mal interpretadas e dirigidas
O projeto busca criar mensagens, colocar pontos para reflexão, mas completamente sem noção de qualquer técnica minimamente interessante pensando cinematograficamente. Passa rapidamente pela questão da fé, sobre a cena cultural baiana. Mas parece que não se leva a sério, nem quando busca sentido para a amizade da personagem principal com os amigos dos tempos de Alagados (bairro pobre de salvador localizado na Península de Itapagipe e instalado numa região de manguezal). Um desses amigos, Chico, é interpretado pelo ator Lázaro Ramos em um de seus primeiros trabalhos no cinema.
Flash Mob com temática nos primórdios do Axé
Um dos pontos mais marcantes nesse filme é a instantaneidade com que as músicas saltam na tela de repente. Tudo é motivo para se dançar. Na alegria ou na tristeza, tudo se dança. A trilha sonora é composta por algum cd dos melhores do axé music da época, lá do início desse gênero musical. Até o Araketu já existia! Causam perplexidade algumas cenas de dança, não sei se é pra rirmos ou se é pra chorarmos. Parece em muitos momentos um grande flash mob não coreografado!
Possui um final que é mais visto do que o próprio filme
O final de Cinderela Baiana, com a ‘Carla do futuro’ já consolidada como artista, saindo de seu carrão com uma roupa para dançar ‘Segure o Tchan’, voltando ao lugar onde começa a trajetória de sua personagem, possui falas inesquecíveis. Só essa parte final de alguns minutos, é mais vista pelos curiosos e curiosas do que o próprio final em si.
Cinderela Baiana, pode ser entendido (ou melhor, não entendido) de várias formas. Um dos filmes brasileiros com menor nota no IMDB, o mais famoso filme trash feito no nosso país, não passa de uma tentativa de musical com música alta e pessoas dançando aleatoriamente mas nunca deixou nem vai deixar de ser um clássico sempre lembrado.