Adaptação de antiga lenda japonesa, estrelada por Keanu Reeves, tem boas cenas de ação e belos efeitos visuais, mas possui uma trama tola e didática.
Para fazer o agente Neo, em Matrix, filme que foi o divisor de águas da ficção cientifica contemporânea, Keanu Reeves teve que passar por um extenso treinamento físico e espiritual. Se aprofundando bastante em conceitos orientais e, principalmente, nas artes marciais, do qual ficou completamente encantado, dirigindo, mais tarde, seu primeiro longa-metragem, Man of Tai Chi, também sobre o subgênero referido. E, apesar de já ter sido considerado um dos maiores astros de Hollywood, Reeves, há um bom tempo, não figurava grandes produções. Pois, como é sabido, desde O Dia em que a Terra Parou, ele não dava as caras nos cinemas brasileiros.
Mas eis que, seis anos depois, é enfim lançado pelos americanos a lendária história japonesa dos 47 Ronins – homens que sacrificaram suas vidas em troca da honra eterna. Friso que esta é a primeira adaptação nas terras do Tio Sam, pois já foram feitas várias outras como A Vingança dos 47 Ronin, Chûshingura, Os Vingadores, Akô-jô Danzetsu, Shijûshichinin no Shikaku e Saigo no Chûshingura. Entretanto, esta foi a única com um orçamento espantoso de produção, algo que gira em torno de 170 milhões de dólares, e que, mesmo antes de ser lançado, deixou os investidores da Universal com um pé atrás.
Pois bem, dirigido pelo também estreante Carl Rinsch – algo deveras atípico, colocar um novato num troço com enormes pretensões lucrativas – e roteirizado pela dupla Chris Morgan (Velozes e Furiosos) e Hossein Amini (Drive), 47 Ronins começa com uma rápida introdução sobre o universo que lá será explanado – artificio narrativo muitíssimo explorado em contos épicos como, por exemplo, O Senhor dos Anéis. A ideia, em principio, mostra-se bem ordinária, nada que não tenhamos visto antes: lutas de samurais, romances proibidos, inveja e guerra entre clãs.
A fita começa a despertar interesse com a presença de Kai (Reeves), um mestiço que, desde garoto, vive em Ako sob a proteção do lorde Asano (Min Tanaka). Kai é apaixonado pela bela Mika (Ko Shibasaki), filha de Asano, mas sabe que seu amor é impossível, e fica mais ainda com a visita do shogun Tsunayoshi (Cary-Hiroyuki Tagawa), que leva consigo o lorde Kira (Tadanobu Asano), que, por assim, é aliado de uma perversa feiticeira, vivida por Rinko Kikuchi (a Mako Mori de Círculo de Fogo). Juntos eles bolam um plano para tomar Ako e causar a desgraça do guardião Ôishi (Hiroyuki Sanada).
Como é notado, o conto possui uma trama bem ramificada e traz como background a estranha, mas fascinante cultura oriental; e somada a já citada alegórica produção, Carl Rinsch teve em mãos tudo que era preciso pra fazer um blockbuster épico, do ponto vista artístico, em relação a vertente nipônica. Porém, mesmo com todas essas ferramentas a seu dispor, o cineasta realizou um trabalho de direção que facilmente pode ser rotulado como pedestre. Além de possuir uma estrutura fílmica extremamente formulaica, sua construção narrativa é irritantemente didática e, em muitas tomadas, beira o ridículo. Ora pelos diálogos tolos e as caras bocas dos atores, ora pelos constantes flashbacks que, praticamente, chamam o público de idiota.
O longa tem lá seus bons momentos, principalmente em aspectos mais técnicos. As coreografias de luta são precisas, principalmente Keanu Reeves que exibe a mesma pujança de outrora nas cenas de batalha. A direção de arte e figurino se atêm a pequenos detalhes, com Rinsch podendo se dar ao luxo de filmar planos mais abertos, e mesmo que muito utilize de elementos gráficos, as locações e cenários encantam e impressionam por sua beleza. A fotografia de John Mathieson (X-Men: Primeira Classe) também tem papel fundamental para este efeito, pois confere uma plástica cristalina e emula com eficiência o sol japonês. Já a trilha sonora, assinada por Ilan Eshkeri (Kick-Ass – Quebrando Tudo), é genérica e quase passa despercebida.
Contudo, triste mesmo é constatar que o filme possui um apelo assumidamente escapista, tendo a simples função de entreter e ser esquecido em pouco tempo. Digo isso por enxergar grande potencial dramático nesse rico e belíssimo conto, que acaba tornando-se um irmão mais novo da franquia Fúria de Titãs, que, por assim dizer, também jogou fora a oportunidade de se aprofundar numa das mitologias mais fascinantes da história. Ambas as produções preocupam-se mais com a qualidade do papel e acabamento da capa, que, propriamente, o conteúdo do livro – lugar comum na indústria hollywoodiana.