terça-feira, abril 30, 2024

Crítica | Paterson – novo filme do cult Jim Jarmusch

Por: Julie Nunes

Para salvar retinas tão fatigadas

O cinema de Jim Jarmusch pode carregar diversos adjetivos, mas de todos os elementos com os quais já trabalhou, é provável que o tempo e suas possíveis formas visuais seja o mais eloquente, e o que cria ressonância em toda sua filmografia. Seus personagens carregam em suas ações a atmosfera singular do diretor, que foge dos lugares comuns para habitar um território aonde a situação aparentemente mais banal é percebida através de nuances e posições menos corriqueiras.

A obra anterior, Amantes Eternos (2013), é sem sombra de dúvida um notório exemplo de sua lupa temporal que, ao explorar a mítica do universo vampiro, trata das relações também reais e o seu sentido figurado é capaz de não apenas ampliar sua visão, mas também dar possibilidade de uma construção estética – essa que flerta com o moderno, o romântico e o barroco – inspirada e essencial para transparecer as sensações de afogamento daqueles personagens dentro da própria existência.

Em Paterson, conhecemos o motorista de ônibus e poeta chamado Paterson (Adam Driver) e sua esposa Laura (Golshifteh Farahani) que está em busca de seus sonhos e mais do que isso, saber quais são esses. Ao acompanharmos por meio de uma segmentação dada a partir dos dias de uma semana, de maneira bastante linear, entendemos que na vida desses personagens – e daqueles que os encontram – poucas mudanças ocorrem. E é sobre a recorrência da repetição dos dias, das buscas e da rotina que fala o longa, mas isso, visto e catalisado enquanto poesia.

Como quem já está tão habituado ao seu modo de vida, o personagem acorda, em um quase dia da marmota, sempre por volta do mesmo horário, sem sequer um despertador. Esse estado de engrenagem não é matéria de revolta e sim de observação, pois ali temos Paterson, o morador de Paterson (a cidade), que conduz um ônibus por Paterson, a cidade está nele e ele na cidade.

Essa ideia de espelhamento entre elementos, à primeira vista iguais, mas cheios de distinções e relações, que transpassam o esperado, é inserida pelo nome do protagonista ser tão presente, por personagens gêmeos que surgem pontualmente e a poética presente na água. Tudo possui um outro, por exemplo, o casal Laura e Paterson, ambos se dividem entre possibilidades que os proporciona experiências de vida com as quais eles parecem se satisfazer. Para ele a poesia e a condução do ônibus, enquanto para ela, suas artes, a música e os cupcakes.

Jarmusch emprega o uso de grafismos e transparências visuais para compor esteticamente os espelhos e mergulhos na alma dos seus personagens, que repletos de si entregam em seus mais simples gestos uma singela sinceridade diante dos acontecimentos. O ritmo dos poemas existentes na trama abrem campo para o caminho dos múltiplos, porque sua sonoridade e tempo dão os espaços capazes de criar mais possibilidades, informações, ferramentas e expressões.

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Seu elenco impressiona na entrega que parece estar despida de qualquer máscara, mesmo que elas existam no trabalho de atuação em alguma medida, mas a forma com a qual transmitem suas essências dão a grandeza da fluidez orgânica e livre na qual o longa se baseia. Os sons, os espelhamentos e rimas estão no filme em muitos aspectos e por meio da trama se organizam criando uma poesia maior que é a obra completa.

Em Paterson, os dias parecem se repetir sem grandes contornos ou mudanças, mas ainda assim somos muitos, ainda mais em planos mais complexos do que aquele universo, e admitir essa multiplicidade, abraçar vontades e espaços, não é uma tarefa tão simples. Quando a jovem poeta (Sterling Jerins) constata alguma graça no motorista de ônibus que gosta de poesia, Paterson se depara com a dificuldade de entender que não há hierarquia entre esses dois habitantes do seu ser.

Essa dualidade é brilhantemente colocada, quase que dissolvida ao final, pelo poema que diz “Você preferiria ser um peixe?”, inspirado na canção ‘Swinging On A Star’, que não fala sobre estarmos presos numa existência, mas na possibilidade de conseguirmos transcender a ela. Com belas imagens e uma sensibilidade narrativa comovente, Jarmusch reverbera o existencialismo em seu mais delicado trabalho.

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