terça-feira, abril 30, 2024

Crítica de Álbum | ‘Romance’ mancha sua estrutura com produção desnivelada

Em 2018, Camila Cabello roubou nossas atenções ao lançar seu primeiro álbum de estúdio solo autointitulado – e não foi surpresa que, dentro das habilidades que já conhecíamos, ela conseguiu nos arrebatar para uma sexy e envolvente jornada através do pop latino (até mesmo levando uma indicação ao Grammy por seu icônico hit “Havana”, que até hoje marca presença nas playlists de vários ouvintes). E não demorou muito até que a divulgação do segundo CD começasse a despontar nas redes sociais, com os produtores Brian Lee e Louis Bell comentando acerca do futuro projeto – que foi lançado poucos dias atrás depois de diversos singles promocionais.

Infelizmente, o resultado de ‘Romance’, como ficou conhecida a obra, não é tão coeso quanto seu antecessor – na verdade, é mais uma mixórdia de vários ritmos frenéticos que estaciona apenas quando de volta para as incursões do latin rock e do latin pop. No geral, são poucas as faixas que realmente se salvam de uma produção falha, mesquinha demais para que um tempo maior fosse tomado em prol de lapidar as pontas soltas e algumas “estranhezas” sonoras que não fazem jus ao que a artista já nos apresentou. E, ainda pior, as expectativas cultivadas com o lançamento de quatro tracks não foram cumpridas e deixaram um gostinho agridoce que é embelezado com uma esplêndida paleta vocal (e apenas isso).

O álbum abre com a já conhecida “Shameless”, uma poderosa e sedutora canção que se inicia com os profundos acordes do baixo antes de dar espaço para a chocante tecedura de Camila, expandindo-se do mezzosoprano para uma possante e quase glotal rendição que, infelizmente, não é tão explorada nas tracks seguintes. Enquanto a música em questão representa uma brusca quebra com o que nos mostrara – e um amadurecimento que nos empolga para o restante das narrativas fonográficas e, pouco depois, nos engolfa em um abismo de pura frustração. É isso que é-nos mostrado com “Living Proof”, construção que, caso separada do incrível falsetto da qual a performer se vale, é uma mixórdia sem sentido de três linhas sonoras diferentes e aglutinadas em um fragmentado enredo.

Seguindo os passos da iteração predecessora, Cabello mostra que tem significativo apreço por brincar com gêneros diferentes; entretanto, aqui essa multiplicidade não tem o mesmo peso e cria certos buracos incompreensíveis em meio a competentes faixas – as quais, ao menos, são centradas no miolo do álbum. Temos “Should’ve Said It”, que se inicia com uma guitarra infundida em sintetizadores e acompanhada pelos acordes melódicos do violão, casando perfeitamente com a proposta que é apresentada. E, apesar do convencionalismo retumbante das batidas, o resultado final é mais satisfatório que metade das outras canções; e, representando um dos ápices, a colaboração “Señorita”, trazida à vida ao lado de Shawn Mendes, exala uma química incrível (refletida pelas lyrics supervisionadas pelas competentes mãos de Charli XCX).

“Liar” também nutre dessa herança hispânica, confrontada com elementos do pop clássico e com pausas versificadas que já foram exploradas com um pouco mais de alento por Marina Diamandis em seu último lançamento. O problema, porém, é revelado na estruturação da própria obra, que logo depois de mais uma entrega latina, volta-se para o estranho minimalismo de “Bad Kind of Butterflies” – que pode até ganhar pontos pela proposital dissonância de seus atos, mas perde em uma letra infantil demais para ser levada a sério (principalmente pela forçada divisão silábica que Camila se preza a fazer).

A lead singer lida, em suma, com uma faca de dois gumes: ao apresentar os icônicos singles, que ainda comportam a dançante e sensual “Cry For Me”, que talvez seja a melhor entrada do CD tanto por sua bem-vinda distorção instrumental quanto por sua narcótica e dark atmosfera, e a cândida balada “Easy”, que resplandece uma belíssima jornada romântica, ela parece não ter muito material com o que continuar. Com poucas exceções e com mais erros amadores que acertos, ‘Romance’ peca no que quer nos mostrar – caso realmente quisesse nos mostrar alguma coisa para além de longas cartas de amor melodramáticas. Ao menos Cabello consegue desenvolver sua já conhecida voz das formas mais variadas possível, como vemos na lenta “Feel It Twice”, na qual divaga com extrema suavidade por tons mais graves e mais agudos com facilidade invejável.

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Ademais, as canções restantes são ou repetitivas ou esquecíveis: a obra parece se dividir a partir de uma fenda abissal entre o ardente erotismo e os solilóquios passionais, deixando estes para o final em uma série de arquiteturas recicladas (e aqui menciono “Dream of You” e “This Love”, que basicamente partem de um ponto em comum para convergirem no mesmo lugar, de novo). “First Man” tenta se afastar das redundâncias anteriores e busca uma nostalgia do início dos anos 2000 que tangencia uma encantadora teatralidade – por mais que já tenhamos ouvido inúmeras faixas desse tipo.

‘Romance’ deve agradar a maior parte dos fãs, mas é frustrante saber que Camila poderia ter ido muito além do que foi aqui; apesar de amadurecer em diversos aspectos, é impossível deixar de lado o fato de que os deslizes ganham força considerável e mancham a sólida base na qual as catorze faixas se fixa.

Nota por faixa:

Nota por faixa:

  • Shameless – 4,5/5
  • Living Proof – 1/5
  • Should’ve Said It – 4/5
  • My Oh My (feat. DaBaby) – 4/5
  • Señorita (com Shawn Mendes) – 4/5
  • Liar – 3,5/5
  • Bad Kind of Butterflies – 2/5
  • Easy – 4/5
  • Feel It Twice – 3/5
  • Dream of You – 2,5/5
  • Cry for Me – 5/5
  • This Love – 3,5/5
  • Used to This – 3/5
  • First Man – 4/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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