quarta-feira, agosto 20, 2025
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    Crítica | Oh, Canadá – Richard Gere e Jacob Elordi vivem as mesmas memórias e confissões no labirinto sem emoção de Paul Schrader

    Após uma passagem discreta e fria pelo Festival de Cannes 2024, Oh, Canadá estreia nos cinemas brasileiros pela Califórnia Filmes. Baseado no romance Foregone de Russell Banks, o novo trabalho do veterano Paul Schrader tenta propor uma reflexão sobre identidade, legado e autoengano, mas tropeça em sua própria ambição. Com o objetivo de ser uma obra comovente sobre os limites da memória e da verdade pessoal, revela-se um monólogo arrastado, como um testamento que hesita entre confissão e encenação.

    Logo de início, Leonard Fife — vivido por Richard Gere na fase madura —, um renomado documentarista canadense, está doente e aceita gravar um filme confessional com ex-alunos de sua escola de cinema, numa tentativa de, teoricamente, deixar as contas do passado em dia. O que se desenha na tela, entretanto, é menos uma jornada emocional e mais um emaranhado de cenas em torno das mesmas questões, sem jamais confrontá-las de frente. Galã de outrora, Gere interpreta Leonard com palidez emocional quase inerte. O mesmo vale para Jacob Elordi. Talvez seja uma escolha de direção, mas que esvazia os personagens.

    Conhecido por personagens atormentados em busca de redenção, como em Fé Corrompida (2017) e O Contador de Cartas (2021), Paul Schrader, dessa vez, apresenta um protagonista apático com segredos mesquinhos, pois seus dilemas soam ocos diante do espectador. A ideia de um documentário dentro do filme até poderia ter oferecido algum frescor, porém acaba soterrada sob uma dramaturgia anêmica.

    A estrutura fragmentada do filme, em vez de provocar curiosidade, acaba confundindo o espectador. Ora temos Richard Gere interpretando o Leonard jovem em flashbacks alucinatórios, ora o papel cabe a Jacob Elordi, numa alternância de revisita ao passado, intenções não realizadas e a memória possivelmente real. A presença inócua de Uma Thurman como a esposa Emma, tanto no presente quanto em lembranças, reforça esta proposta do filme difusa e mal resolvida, entre o pretendido e o realizado. 

    Paul Schrader parece interessado em escavar a verdade emocional por trás da trajetória de Leonard — um homem que fugiu do alistamento militar na guerra do Vietnã alegando ser gay, abandonou duas famílias nos Estados Unidos e se reinventou no Canadá como um documentarista cultuado. Essa escavação, contudo, nunca vai além da superfície e os esqueletos no armário parecem triviais para sua atual esposa e equipe de filmagem, mas talvez não para sua imagem pública, ou melhor, ou memória pública nessa fase derradeira de sua vida. 

    Oh, Canadá propõe uma espécie de tribunal existencial onde Leonard se sentaria para confessar suas falhas, mas o que se ouve são apenas falas evasivas, autojustificativas e pequenas revelações que carecem de densidade dramática. O filme poderia explorar o litígio da perda da memória como uma metáfora poderosa para a falência da própria identidade, mas o faz de maneira dispersa e tímida, sem ousadia formal ou emocional.

    O cineasta norte-americano opta por um ritmo de letargia absoluta, como se cada cena fosse um esboço interminável de um acerto de contas que nunca vem, muito diferente da sua penúltima obra protagonizada por Oscar Isaac. O drama da paternidade abandonada, das famílias deixadas para trás, do falso heroi que se escondeu atrás da arte, está todo lá — mas nenhum desses elementos se conecta. Oh, Canadá é, no fim das contas, autorretrato de um artista em ruínas que, ironicamente, recua diante de suas próprias rachaduras.

    E quando finalmente há alguma quebra na dinâmica contemplativa, como no ato de traição do diretor do documentário (Michael Imperioli) ao capturar imagens de Leonard às escondidas em seu leito de morte, o enredo reage com apatia. Nenhuma consequência, nenhuma explosão. Apenas mais silêncio, mais névoa. Um filme que se propõe a confrontar a verdade termina escondido sob camadas de ambiguidade nada poéticas, apenas vagas.

    Com o título em homenagem às primeiras palavras do hino canadense, Oh, Canadá tenta costurar temas como exílio, culpa, masculinidade, memória e recomeço em outra nação, mas não consegue alinhar as rotas para um impacto final. Mesmo com atores como Richard Gere, Uma Thurman e Jacob Elordi à disposição, falta tensão, falta emoção. O espectador é convidado a um labirinto de reminiscências, mas nunca encontra a porta da emoção. Sai do cinema como Leonard deixa a vida: cercado por histórias mal contadas, sem nenhum afeto que as perdure.

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