Em 1971, o diretor Mel Stuart ingressava em um dos projetos mais marcantes de sua breve carreira como realizador – comandando a primeira adaptação da clássica história ‘A Fantástica Fábrica de Chocolate’. Baseada no romance infantil homônimo de Roald Dahl, a trama acompanha um chocolateiro que lança um concurso mundial: as cinco primeiras crianças que encontrarem os cobiçados bilhetes dourados poderão conhecer a famosa e misteriosa fábrica de chocolates que lhe pertence e descobrir os segredos guardados a sete chaves – desde que chicletes que nunca acabam até bebidas gaseificadas que nos fazem voar.
À época de seu lançamento, o longa-metragem não fez o sucesso comercial que prometia – arrecadando apenas US$1 milhão a mais que seu orçamento. E, de forma irônica, Dahl, que ficou responsável pelo roteiro, teceu comentários negativos sobre praticamente todos os aspectos da produção, comentando que a trilha sonora era “sacarina e sentimental” demais, enquanto os desvios da narrativa original lhe deixaram “furioso”. Logo, não é surpresa que a Paramount Pictures, detentora dos direitos intelectuais da obra, não resolveu renová-los após o término do contrato em 1977 – sendo adquirido, pouco depois, pela Warner Bros. O restante da história nós já conhecemos: décadas depois de sua estreia, ‘A Fantástica Fábrica de Chocolate’ continua estabelecendo seu status como um ícone cinematográfico que deu origem a uma crescente franquia que, em breve, ganhará mais um capítulo com a pré-sequência ‘Wonka’, estrelada por Timothée Chalamet.
O filme encabeçado por Stuart é, sem dúvida alguma, uma obra-prima. Ainda que o chocolateiro seja o foco, o enredo nos apresenta ao jovem Charlie Bucket (Peter Ostrum), um pobre menino que mora num casebre ao lado dos pais e dos avós maternos e paternos. Sonhando em conhecer a fábrica, ele faz o possível para colocar as mãos em uma mísera barra de chocolate e ter a chance de encontrar o bilhete. É claro que, eventualmente, ele põe as mãos em um dos tickets e escolhe seu avô, Joe (Jack Albertson), para acompanhá-lo na visitação. Ao chegar lá, Charlie se depara com outras quatro crianças deploráveis que também conseguiram os ingressos: Veruca Salt (Julie Dawn Cole), Violet Beauregarde (Denise Nickerson), Augustus Gloop (Michael Böllner) e Mike Teevee (Paris Themmen). Cada um deles demonstra ser insuportável – e desesperados por conseguirem o prêmio final que o dono da fábrica lhes prometeu.
O elenco infantil é um dos principais elementos que encontram sucesso no filme, destilando performances memoráveis e aplaudíveis. Mas, no centro dos holofotes, temos o trabalho impecável de Gene Wilder como Willy Wonka: se Dahl já havia nos oferecido um personagem diferente de todos, Wilder apenas abriu espaço para que a complexa personalidade do chocolateiro fosse explorada, encarnando a loucura ensandecida de um magnata dos doces e a cândida e inescapável busca por um herdeiro honesto e gentil para comandar os negócios quando ele se aposentar. É inexplicável o motivo que não garantiu a Wilder uma indicação ao Oscar – visto que, além das incursões dramáticas, ele solta a voz em canções que até hoje despertam nossa memória.
Aliando-se, principalmente, à aventura e ao musical, o filme possui inflexões do suspense do mistério que justificam todos os acontecimentos. Como ficamos sabendo, as receitas secretas de Wonka são alvo de uma obscura figura que se denomina Slugworth – um empresário do ramo alimentício que tenta convencer as crianças a levarem a ele a mais nova invenção do chocolateiro: o Chiclete Nunca-Acaba (Everlasting Gobstopper, no original). E, quando chegamos ao final da produção, somos levados a entender que quatro das crianças aceitou o acordo, com exceção de Charlie – que, eventualmente, ganha o prêmio máximo. Afinal, Slugworth era apenas um funcionário de Wonka que se disfarçou para descobrir qual dos convidados teria o coração mais honesto e seria escolhido como o próximo dono da fábrica – e, numa acepção mais sombria, as outras crianças foram “eliminadas” uma a uma como forma de punição. Não se sabe se essa teoria é verdade, pois ela nunca foi confirmada (mas certamente oferece uma camada a mais para esse estonteante espetáculo).
A mensagem principal da obra pode até ser formulaica, mas o modo como nos é apresentada faz toda a diferença. Augustus, Violet, Veruca e Mike são vítimas da própria ambição desmedida, recusando-se a seguir as regras promovidas pelo contrato de visitação e, por isso, são tiradas do “concurso” das maneiras mais inesperadas que possamos imaginar: Augustus, movido pela gula, é sugado por um tubo de chocolate; Violet come um chiclete que ainda está em estágio de desenvolvimento e se transforma em uma amora; Veruca, cobiçando um ovo dourado, é levada para o grande lixão da fábrica; e Mike, interrompendo um experimento envolvendo os chocolates, fica tão pequeno quanto um lápis. No final das contas, a moral é: cumpra o que lhe foi pedido – e o resultado pode ser compensador.
Como mencionado, Charlie vence a competição – mas isso não o torna um herói maniqueísta impassível de cometer deslizes. Por breves momentos, ele também perde o concurso ao, contrariando o que Wonka lhe diz, tomar a bebida flutuante. Em um ímpeto de raiva, o Vovô Joe ameaça vazar a receita do Chiclete Nunca-Acaba, porém, o garoto, acometido por uma culpa profunda, devolve o doce e prova estar apto para substituir o chocolateiro no futuro.
Mesmo aparentando ser uma história simples, ‘A Fantástica Fábrica de Chocolate’ utiliza investidas convencionais para promover, de certa maneira, uma análise sobre o próprio ser humano. Através de uma aventura fantástica e emocionante, Mel Stuart e Gene Wilder criaram uma mágica que perdura inclusive hoje – nos fazendo querer revisitar o filme de novo e de novo e de novo.