Produção de 2005 acertou na dramatização de alguns elementos que viriam a ser conhecidos no caso Elisa Lam de 2013
Água Negra é um remake da obra japonesa Honogurai Mizu no soko kara (2002), do gênero terror lançado em 2005, tendo a atriz Jennifer Connelly como seu maior nome. A trama, dirigida pelo cineasta brasileiro Walter Salles, conta a história de Dahlia Williams, uma mãe que após se separar do marido decide se dedicar inteiramente à educação de sua filha Ceci. As duas então partem para começar uma nova vida em um novo apartamento.
Como em qualquer obra do gênero, as coisas vão seguindo por um ritmo gradual de acontecimentos até tudo realmente desandar. Não demora até elas perceberem coisas incomuns no apartamento, em especial na água que vaza por todo o local exibindo uma coloração bastante escura. O que se segue então é a instabilidade mental que vai se formando na mente da protagonista sobre se essas experiências são reais ou sobrenaturais.
A produção de Água Negra não teve nenhum acontecimento sobrenatural como é comum em certas obras desse gênero, porém, o filme tem ligações mais perturbadoras do que se imagina, principalmente com um caso que ocorreu anos depois de seu lançamento. Existem também algumas referências bem intrigantes que estão presentes na obra, mostrando que sua história não foi projetada para ser daquela forma por acaso. Agora indo aos fatos.
Em 14 de fevereiro de 2013, o Departamento de Polícia de Los Angeles divulgou um vídeo de dois minutos e meio em seu site oficial na esperança de que servisse de ajuda em um caso de desaparecimento. Acontece que a gravação mencionada é, no mínimo, intrigante. As imagens, capturadas por uma câmera de circuito interno posicionada dentro de um elevador, captam a última vez em que a jovem Elisa Lam foi vista.
Dentro do elevador ela exibe um comportamento claramente errático e inquieto; apertando todos os botões do painel, se encolhendo nos cantos próximo à porta, olhando para os dois lados do corredor (a demora do elevador em fechar as portas é outro elemento inquietante) e realizando gestos incomuns com as mãos; não sendo possível identificar se ela está falando sozinha com alguém fora do alcance da câmera.
O vídeo rapidamente se tornou viral, servindo de material para vários canais do Youtube mundo afora (principalmente aqueles especializados em crimes reais) e elevaram o que era até então um caso de desaparecimento, estranho sim mas ainda normal, à um status de mistério digno de uma produção de terror.
A jovem em questão, que está no centro de toda a história, é a estudante universitária Elisa Lam que decidiu embarcar em uma viagem pela costa oeste dos Estados Unidos antes de começar o ano letivo na Universidade da Colúmbia Britânica, em Vancouver no Canadá. Seu objetivo era fazer uma viagem entre Los Angeles, San Diego, São Francisco e Santa Cruz; ela partiu sozinha na empreitada.
Em 26 de janeiro de 2013 ela chega a Los Angeles vinda de San Diego, tendo como próximo destino a cidade de Santa Cruz. Com recursos contados, ela se hospeda no Hotel Cecil que fica localizado na região de Skid Row, um perigoso bairro no centro de Los Angeles. O Cecil é famoso por oferecer estadias acessíveis para visitantes que, de outra forma, não poderiam bancar um outro lugar.
De acordo com a polícia, a última vez em que Elisa foi vista por funcionários do hotel foi no dia 31 de janeiro. Foi durante uma revisão do circuito interno de câmeras que o trecho dentro do elevador foi descoberto, mas fora essa ocasião a jovem não havia sido captada pelas gravações do hotel saindo do local. Isso levou a especulação de que ela talvez nunca tenha deixado o prédio.
A grande guinada no caso veio apenas em 19 de fevereiro, quando alguns hóspedes reclamaram da baixa pressão e coloração escura da água. Um funcionário então vai ao terraço checar a caixa d’água e lá encontra o corpo de Elisa. Nesse ponto é interessante como o filme Água Negra indiretamente previu como o caso se desenrolou, principalmente acertando que a água seria um fator importante nessa história.
Só que, como mencionado anteriormente, o filme de Walter Salles tem algumas outras referências mais conscientes ao hotel onde o crime ocorreu. O Hotel Cecil, cujo o nome inspirou o da filha da protagonista de Connelly, é bem infame por seu histórico ligado aos seus hóspedes, uma vez que a alta oferta de quartos (700 no total) mais o baixo preço do aluguel diário atrai pessoas que, de outra forma, não poderiam ficar em outro lugar.
Um de seus mais famosos clientes foi o serial killer Richard Ramirez, o Nightstalker, durante os anos 80 mas também houveram outros como Jack Unterweger em 1991. O hotel também carrega a sina de ter uma boa dose de crimes menores até assassinatos em suas costas, o mais famoso sendo o caso da Dália Negra (daí o nome da protagonista de Água Negra) em 1947, quando a vítima Elizabeth Short teria sido vista no bar do hotel antes da sua morte.
A questão é que o caso Elisa Lam, por mais instigante que tenha sido, teve como desfecho oficial a causa de morte acidental decorrente de um surto bipolar. Ela tinha um histórico de sofrer desse quadro e consumia medicação prescrita para controlar qualquer episódio grave. A jovem deixou para trás uma família em luto que jamais vai se recuperar por completo. Recentemente a Netflix lançou uma minissérie documental de quatro episódios intitulada Cena do Crime: Mistério e Morte no Hotel Cecil (2021), onde se aprofunda tanto no caso mencionado quanto na história do hotel como um todo.
É interessante e até inquietante como um filme de terror pôde prever em partes uma tragédia real; esse é um exemplo triste mas real sobre como a vida pode imitar a arte de maneira consciente ou não.