Na tarde desta sexta-feira (28), os Vingadores se uniram para fazer um apelo aos brasileiros: votar na eleição presidencial deste domingo (30). Enquanto a maioria manteve a neutralidade, alguns mandaram mensagens indiretas que indicaram a preferência política de cada um, geralmente motivados pela causa ambiental, da qual muitos são ativistas reconhecidos internacionalmente. Essas manifestações fazem parte de uma campanha chamada #NemTodoHeróiUsaCapa. E mobilizaram milhões de fãs nas redes sociais.
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Pelo lado da DC, quem não poderia deixar de se manifestar era justamente Alan Moore, a lenda das Graphic Novel, criador de alguma das obras mais cultuadas e politizadas da história, como Watchmen e V de Vingança.
Conhecido por seus posicionamentos firmes e incisivos, Moore já havia polemizado há cerca de 20 dias, quando concedeu uma entrevista ao jornal britânico The Guardian, em que disse ter se aposentado dos quadrinhos por achar que a indústria tornou esse tipo de texto em obras infantis e “insuportáveis”.
Ele também relacionou a ascensão da extrema direita e do fascismo na política mundial à infantilização da sociedade ocasionada pela popularização das obras de super-heróis, trazendo uma visão maniqueísta de mundo, o que fortaleceu a polarização e o extremismo político por adultos interpretando obras feitas para crianças como se fossem um manual de vida para o mundo real.
“Centenas de milhares de adultos fazem fila para ver personagens e situações que foram criadas para entreter os meninos de 12 anos – e eram sempre meninos – de 50 anos atrás. Eu realmente não achava que super-heróis fossem coisas para adultos. Acho que isso foi um mal-entendido nascido do que aconteceu na década de 1980 – ao que devo me atribuir uma parte considerável da culpa, embora não intencional – quando coisas como Watchmen apareceram pela primeira vez. […] Eu disse por volta de 2011 que achava que teriam implicações sérias e preocupantes para o futuro se milhões de adultos fizessem fila para ver os filmes do Batman. Porque esse tipo de infantilização – esse desejo por tempos mais simples, realidades mais simples – muitas vezes pode ser um precursor do fascismo”, disse Alan Moore ao jornal.
Na tarde desta sexta-feira, enquanto os Vingadores participavam da campanha pelos votos, Alan Moore utilizou seu Facebook para divulgar uma carta de reflexão política, chamando atenção para a importância das eleições brasileiras não apenas para o Brasil, mas para o mundo como um todo.
Na carta, Moore aponta que o mundo está passando por transformações e que as escolhas que tomamos agora influenciarão diretamente no futuro das próximas gerações. Seus filhos e netos. Diferentemente de outras celebridades do mundo dos quadrinhos, o autor britânico não ousou em se posicionar e em uma das raras vezes que demonstrou apoio a uma figura política, Alan Moore deixou claro seu lado nas eleições de domingo. Confira a tradução da carta.
“Querido Brasil,
Estamos rapidamente esgotando as últimas chances de salvar o planeta e seus povos. Nosso mundo está mudando, mais rápido do que nunca, e nos forçando a nos adaptar mais rapidamente se quisermos sobreviver. Dos caçadores e coletores de alimentos à agricultura, da agricultura à indústria, da indústria ao que quer que esteja tomando forma agora – essa nova condição para a qual ainda não temos um nome – a humanidade já viu esse tipo de mudança monumental antes, embora não com tanta frequência. Essas transições não são causadas por forças políticas, mas pelos movimentos de maré imparáveis da história e da tecnologia, que é uma maré da qual podemos aproveitar nossas embarcações ou podemos ser arrastados. O mundo está girando, se transformando necessariamente em um novo lugar, e só podemos girar com ele ou então perderemos a biosfera que nos sustenta para sempre. A maioria das pessoas, acredito, sabe disso em seus corações e sente em seus estômagos.
E, no entanto, nos últimos cinco anos, vimos em todo o mundo um ressurgimento feroz dos ideais políticos e econômicos que nos levaram a essa situação claramente desastrosa. A agressão indisfarçável desse avanço de extrema direita me parece tão forte, e ao mesmo tempo tão desconectada de qualquer realidade, que só pode nascer do desespero; o medo histérico sentido pelos mais impregnados nas estruturas de poder do velho mundo, que sabem que o novo mundo pode, em último caso, não ter lugar para eles. Temendo por sua própria existência, pela existência da visão de mundo da qual se beneficiam, eles encheram o cenário mundial ao longo desta última meia década com personagens de pantomima cada vez mais barulhentos, exagerados e birrentos, para quem nenhum curso de ação é muito corrupto ou desumano. E nenhuma linha de raciocínio tão descaradamente absurda.
Descaradamente monstruosos, estes perseguiram minorias raciais e religiosas, ou seus povos nativos, ou os pobres, ou mulheres, ou pessoas de diferentes sexualidades, ou todas as anteriores. Durante a pandemia ainda em atividade, eles colocam sua postura política e suas doutrinas financeiras diante da segurança de suas populações, presidindo centenas de milhares de mortes potencialmente desnecessárias; centenas de milhares de famílias devastadas, comunidades devastadas. Com suas nações em chamas, inundadas ou secas pela seca, eles insistiram que a mudança climática era uma farsa esquerdista para incomodar a indústria e rotularam os manifestantes ambientais ou sociais de terroristas.
Adotando o estilo circense fascista do italiano Silvio Berlusconi, tivemos a perigosa teatralidade insurrecional de Donald Trump na América do Norte e as ruinosas indignidades de Boris Johnson e seus substitutos no (atualmente) Reino Unido. E, claro, o Brasil teve Jair Bolsonaro.
Embora nós, no hemisfério Norte, obviamente contribuamos muito mais do que nosso quinhão de figuras políticas horríveis para a situação do mundo, não conheço ninguém com um pingo de consciência e compaixão que não esteja chocado com o que Bolsonaro, chegando ao cargo com Trump. Influenciando no que fez ao seu enorme e belo país, juntamente com o que ele continua a fazer ao nosso planeta relativamente pequeno e de alguma forma ainda belo. Assistimos desesperados enquanto, cantando no mesmo hinário de sua inspiração norte-americana, Bolsonaro criticou os povos indígenas do Brasil, seus homossexuais e os direitos de suas mulheres a abortos seguros, alimentando uma fogueira descontrolada de ódio como uma distração para suas agendas sociais e econômicas, enquanto simultaneamente inunda sua cultura com armas. Nós o vimos tentar abrir caminho pela pandemia, cuspindo sua idiotice de antivacinação, e vimos o aumento da área de cemitérios preparados às pressas no Brasil; aquelas grades de escaninhos em solo cinza com flores mortas aqui e ali ou marcadores pintados como um pingo de cor.
Também observamos enquanto ele respondia à perspectiva de novas leis ambientais internacionais simplesmente acelerando sua destruição suicida da floresta tropical, sufocando nossa atmosfera com a selva em chamas, deslocando ou despachando pessoas que viveram nessas regiões por gerações e aparentemente conspirando ou fechando os olhos para o assassinato de jornalistas que investigavam essa brutal limpeza étnica.
Uma respeitada revista científica britânica que eu assino, New Scientist, recentemente descreveu as eleições iminentes no Brasil como um ponto potencialmente crucial sem retorno na batalha de vida ou morte de nossa espécie contra a catástrofe climática que nós mesmos projetamos. Simplificando, Jair Bolsonaro pode continuar, lucrativamente, a agradar os interesses corporativos que o apoiam, ou nossos netos podem comer e respirar. É um ou outro.
Como anarquista, há muitos poucos líderes políticos que eu poderia tolerar completamente, muito menos endossar, mas de tudo o que ouvi ou li sobre ele, Luiz da Silva, Lula, parece ser um desses indivíduos raros. Suas políticas parecem ser justas, humanas e práticas e, pelo que entendi, ele prometeu reverter muitas das decisões mais desastrosas de Bolsonaro. Reparar os danos desses últimos cinco anos certamente não seria fácil ou sem custo, e Lula estaria herdando um cenário político muito desfigurado. No mínimo, porém, desta distância, ele tem pelo menos o olhar de um candidato que reconhece que a humanidade está passando por uma de suas raras transformações sísmicas e percebe que devemos mudar a maneira como vivemos, se quisermos viver.
Ele parece um político comprometido com o futuro, com seu trabalho árduo e suas possibilidades justas e maravilhosas, em vez dos espasmos de morte agitados e destrutivos de um passado insustentável. A próxima eleição do Brasil é, segundo me disseram, equilibrada no fio da navalha e, como discutido acima, o mundo inteiro está apostando nisso. Se você já gostou de algum do meu trabalho, ou sentiu alguma simpatia por suas tendências humanitárias, por favor, saia e vote por um futuro que seja adequado para os seres humanos, por um mundo que seja mais do que a latrina dourada de suas corporações e seus fantoches.
Deixemos as iniquidades dos últimos cinco, ou talvez dos últimos quinhentos anos, para trás.
Com amor e confiança,
Seu amigo,
Alan Moore”
Alan Moore se popularizou por seu forte posicionamento político, tanto na esfera pessoal quanto em suas obras. O autor é responsável por alguns dos maiores clássicos dos quadrinhos, como Watchmen, V de Vingança, Batman: A Piada Mortal, Superman: Para o Homem Que Tem Tudo e A Liga Extraordinária.
As eleições presidenciais brasileiras estão causando uma comoção mundial, principalmente pela questão da Amazônia. Diante dos números altíssimos de queimadas e do crescente desmatamento, a comunidade internacional se preocupa com o futuro climático, que tem na floresta da região norte brasileira uma grande esperança.
As eleições ocorrem neste domingo (30) em todo o Brasil.