De vez em quando, pode-se levar em conta as intenções de um filme, e não só seus resultados. Em um subgênero de raras e pequenas ambições, digamos, a comédia romântica, é comum esperar pouco. Se o roteirista tem a comédia e a bilheteria em vista, muito pior: as piadas sairão grosseiras e os personagens, caricatos. O desleixo é tão generalizado que, quando alguém mira um pouco mais alto, a simples tentativa já merece menção. E Amor À Distância bem que tenta.
Na mesma noite em que toma um pé na bunda, Garrett (Justin Long) vai beber com os amigos Dan (Jason Sudeikis) e Box (Charlie Day). No bar, conhece Erin (Drew Barrymore), que trabalha temporariamente num jornal em New York. O romance começa, mas tem data de validade: em seis semanas ela tem de voltar para San Francisco, onde mora com a irmã Corinne (Cristina Appegate). O amor é tanto que o casal decide namorar à distância.
Então, o que o roteirista Geoff LaTulippe busca de tão especial? Gente. Não falo dos rascunhos sem vida própria que às vezes recebem a alcunha de “personagens”, e sim de algo que existe além das piadas de sempre. Dizer que isso é simples ou até uma volta à simplicidade é um erro. Como construção narrativa, personagens assim demandam uma complexidade que caricaturas, estereótipos e lugares-comuns frequentemente enterram.
No roteiro, vê-se relances de pessoas que tratam a sexualidade com certa desenvoltura, como se fosse realmente algo presente em suas vidas. A amizade dos três homens também funciona, com um bom equilíbrio entre comentários estereotípicos e outros inesperados. Igualmente, ao apostar num misto de elementos mais e menos comuns, o namoro se torna satisfatoriamente humano. Na singela cena do tortellini, luzes naturais enquadram Barrymore (em atuação tipicamente irregular): é raro ver locações tão vivas.
Outra qualidade está no elenco, que, com a ajuda da diretora Nanette Burstein, consegue construir relações dinâmicas. Os momentos de estranheza até existem (o abraço de Box, o discurso sexual de Corinne), mas se conectam à intimidade dos personagens logo em seguida. É gratificante pelas risadas, que são momentâneas e pela sinceridade, que dura um pouco mais. Pena que não dura tanto quanto poderia.
A comédia aparece com estrondo para destruir algumas dessas bem-vindas surpresas. Por que mostrar o protecionismo afável de Corinne se sua importância logo se resume a piadas de neurose? De que adianta expor a vida sexual com naturalidade para, no momento seguinte, jogar tudo para o alto numa situação de constrangimento? A postura inicial perante o sexo é particularmente afetada por esse apego às mesmices do gênero.
Mesmo quando Garrett vai se bronzear, e não sai “comicamente” laranja, alguma brincadeirinha tem que ser enfiada, no pior dos sentidos, em algum momento. Não por acaso, ela surge em um momento de sexualidade grotesca. Por sorte, a maioria dos personagens sobrevive, resultando em momentos espirituosos, como a cena em que Erin tem a cara pintada. A situação não vira uma bola de neve de erros, mas tem sua graça.
Há ainda outro pequeno problema. Por mais que seja bom problematizar a distância, o futuro e as concessões, não basta abarrotar os diálogos de questionamentos amorosos. Muito já está presente nos próprios conflitos da narrativa, sem a obrigação explicar os obstáculos que aquele (ou qualquer) relacionamento enfrenta. Quanto mais o filme se assume romântico, mais a verbalização das ressalvas fica desconexa e até simplista.
Infelizmente para o gênero e felizmente para Amor À Distância, a busca pela humanidade já conta pontos. Infelizmente para ambos, a empreitada cambaleou e errou a mão. Como a própria Drew Barrymore, a produção é um conjunto de erros e acertos misturados em uma maçaroca.
Crítica por: Pedro de Biasi (Universo Animado)