segunda-feira , 7 abril , 2025

Artigo | A representatividade feminina em Hollywood: os “chick flicks”


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O artigo em questão é continuação das matérias sobre o Código Hays, o Teste de Bechdel e as “eye candy”.

Os chick flicks são filmes que apelam especialmente para mulheres, geralmente tendo um tema romântico ou sentimental e uma protagonista mulheres. Essas produções têm como ponto de partida narrativas que satisfazem as esperanças e sonhos de mulheres e/ou garotas – partindo de um pressuposto sexista que enquadra o público-alvo em questão em características estereotipadas. Dessa forma, tais longas-metragens são propositalmente focados em relacionamentos e amor, que colocam personagens femininas sob uma ótica simplista e dotadas de um mesmo objetivo que, normalmente, só se completa com a presença de uma figura masculina.



Entre as poucas protagonistas que figuram a indústria cinematográfica, a maior parte delas encontra-se retida dentro desses filmes ditos “para mulheres”. O Instituto Geena Davis sobre Gênero em Mídia mapeou os principais estereótipos encontrados nesses tipos de filme e o quanto isso limita a visão de mundo das garotas. O relatório emitido em 2008 apontou quatro pontos cruciais na linha narrativa dessas protagonistas:

1. VALORIZAÇÃO DA APARÊNCIA

diario da princesa

Constatou-se que a aparência das personagens é trazida por “pretendentes” ou por amigos e familiares como parte importante de sua caracterização. Muitas personagens são colocadas, quase literalmente, em exposição, para terem seus aspectos físicos julgados. O que é bonito é exaltado e o que não é pode ser causa de depreciação. Ensina-se para meninas que ser bonita é parte essencial do exercício da feminilidade.


O grande problema com esse culto à beleza é que a aparência estabelecida é uma só e irreal. Nesses filmes, se a mulher não atende aos padrões pré-estabelecidos como belos, ela passa por uma repaginação. Um dos casos mais claros desse processo é em ‘O Diário da Princesa’ (2001), em que Mia (Anne Hathaway), para tornar-se princesa, precisa alisar os cabelos, tirar as sobrancelhas, depilar-se, entre outras coisas.

2. OBJETIVOS E ASPIRAÇÕES FÚTEIS OU BANAIS

a pequena sereia

O relatório definiu três subcategorias dentro dessa análise: daydreamersderaileddaredevil.

Assista também: 
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As daydreamers são aquelas que não tem aspiração nenhuma além da relação amorosa. São personagens passivas que não tomam ação na história e reagem passivamente ao que acontece com elas. Bella Swan, protagonista da saga ‘Crepúsculo’ (2008), no primeiro filme da franquia, meramente reage às situações que interagir com lobisomens e vampiros.

As derailed são protagonistas que não têm incialmente o amor como seu principal objetivo, no entanto, são desviadas de seu caminho pelas aspirações amorosas e, usualmente, fazem loucuras em nome do amor. Elas têm um desejo por aventura e por explorar o mundo, mas fixam sua atenção em envolvimento romântico. Ariel, em ‘A Pequena Sereia’ (1989), é um bom exemplo desse fenômeno. Incialmente sua vontade é de conhecer a superfície e acaba fazendo loucuras pelo príncipe Eric.

Já as daredevil são protagonistas dessa categoria expressam um objetivo e fazem escolhas para alcançar sua ambição. Elas podem encontrar amor romântico no caminho, mas não se desviam de seu objetivo e não aceitam romance como seu único prêmio. Casey, protagonista do filme ‘Sonhos no Gelo’ (2005), não mantêm o mesmo objetivo do início ao fim do filme; no entanto, em momento algum a vida amorosa é mais importante do que sua carreira, seja na faculdade, seja como patinadora.

3. AMOR UNIDIMENSIONAL DURADOURO

high school musical

A análise traçou encontros amorosos comuns dentro do gênero. É importante lembrar que nem todo filme carrega um enredo romântico, no entanto, a própria definição do termo chick flick carrega o assunto relações amorosas. Muitas vezes as relações são construídas em bases enganosas, dando uma noção irreal e danosa de amor para jovens espectadoras. ‘Branca de Neve e os Sete Anões’ (1937), ‘A Pequena Sereia’ (1989) e ‘Enrolados’ (2010) são exemplos clássicos dessa lógica.

A imagem do príncipe encantado elaborada na infância se destrói na adolescência, sendo fonte de grande frustração entre as meninas. O amor também pode ser à primeira vista, aspecto que geralmente é acentuado com uma dança ou outro recurso expressivo. ‘High School Musical’ é um dos exemplos contemporâneos desse fenômeno. O filme de 2005 retrata a noção de amor à primeira vista a partir de uma música cantada pelos protagonistas durante uma festa de ano novo. Outra forma de construção é a comunicação. A convivência entre as duas pessoas que traça o amor entre elas, que é uma boa parte dos casos em comédias românticas: ‘O Diário da Princesa II – O Casamento Real’ (2004), ‘Uma Linda Mulher’ (1990), ‘Amizade Colorida’ (2011), entre outros.

4. NÃO MAIS DONZELA EM PERIGO

a proposta

O clichê da dama em perigo tem aparecido cada vez menos nos filmes. As protagonistas têm sido mostradas em papéis mais fisicamente ativos em que homem e mulher se “salvam” reciprocamente em vários momentos dos filmes, ou seja, entram juntos nas aventuras. Ambos têm papéis ativos nas tramas, como em ‘Mulan’ (1998), em que a protagonista se passa por um homem para entrar no exército chinês e lutar na guerra, provando ser tão capaz quanto os homens de suprir as demandas de um exército. ‘Par Perfeito’ (2010), onde os personagens de Ashton Kutcher e Katherine Heigl fazem parte de toda a ação e ‘Sexo sem Compromisso’ (2011), no qual, novamente, Ashton Kutcher e Natalie Portman mantêm uma relação mais ou menos equilibrada de amizade colorida em que os desejos de ambos têm voz.

Uma outra personalidade comum dentro dos chick flicks é a “megera”. Como protagonista, co-protagonista ou vilã, a figura de uma mulher vingativa, invejosa, ou simplesmente má aparece com muita frequência. É aquela que todos odeiam velada ou escancaradamente, que mete medo e que não se dobra às outras pessoas. São mulheres tidas como fortes, mas que, em algum ponto do filme, demonstram o quanto sua atitude é somente fruto de sua fragilidade.

Mulheres não podem ser arrogantes e prepotentes por natureza, essas características vêm acompanhadas de problemas emocionais, como se fossem o escudo das personagens. Isso somente reforça o discurso de delicadeza compulsória que é quase lei nos chick flicks. ‘A Proposta’ (2009), filme com Sandra Bullock e Ryan Reynolds é importante para ressaltar essas questões. Margareth (Bullock) é a típica chefe inescrupulosa que todos no escritório odeiam e temem e está prestes a ser deportada quando tem a ideia de obrigar seu assistente, Andrew (Reynolds), a se casar com ela.

o diabo veste prada 4

No momento em que percebe que sua chefe realmente precisa dele, Andrew repete o comportamento dela de arrogância em sinal de “agora eu estou no comando”. Uma das falas mais problemáticas desse personagem é quando sua avó pergunta se ele não vai ajudar Margareth com as malas. Ele diz: “Eu tento, mas ela não me deixa fazer nada. Ela é feminista” com ar de desprezo. O retrato de feminismo implícito no filme é completamente descontextualizado e vai ao encontro da última cena do mesmo. Quando os dois finalmente ficam noivos por amor verdadeiro, uma voz masculina grita do fundo do escritório “É isso aí Andrew, mostra pra ela quem é o chefe! ”. É importante ressaltar que ela começa e termina do filme sendo chefe dele.

Na conta das megeras, também entra a personagem Miranda Priestley (Meryl Streep), a intragável editora de moda do aclamado filme ‘O Diabo Veste Prada’ (2006), que inferniza a vida da personagem de Anne Hathaway, Andrea Sachs, sua assistente pessoal. Ela se mostra muito vulnerável conforme o filme caminha para o fim; contudo, diferentemente de Sandra Bullock no exemplo anterior, o comportamento de Miranda não sofre alterações – ela não se torna a pessoa simpática que é por dentro como o fim de ‘A Proposta’ sugere para Margareth.

O que todas essas personagens têm em comum? O padrão em que sua beleza se encaixa. Quase todas as mulheres citadas – a exceção é Streep, que, com mais de 60 anos, tornou-se uma lenda viva e inquestionável do cinema atual, ainda que sua idade a tire dos padrões – até agora não desviam da idealização da indústria sobre o corpo feminino. Isso inclui as personagens animadas – até porque as animações costumam ser mais idealísticas e irrealistas do que a vida real.


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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Os chick flicks são filmes que apelam especialmente para mulheres, geralmente tendo um tema romântico ou sentimental e uma protagonista mulheres. Essas produções têm como ponto de partida narrativas que satisfazem as esperanças e sonhos de mulheres e/ou garotas – partindo de um pressuposto sexista que enquadra o público-alvo em questão em características estereotipadas. Dessa forma, tais longas-metragens são propositalmente focados em relacionamentos e amor, que colocam personagens femininas sob uma ótica simplista e dotadas de um mesmo objetivo que, normalmente, só se completa com a presença de uma figura masculina.

Entre as poucas protagonistas que figuram a indústria cinematográfica, a maior parte delas encontra-se retida dentro desses filmes ditos “para mulheres”. O Instituto Geena Davis sobre Gênero em Mídia mapeou os principais estereótipos encontrados nesses tipos de filme e o quanto isso limita a visão de mundo das garotas. O relatório emitido em 2008 apontou quatro pontos cruciais na linha narrativa dessas protagonistas:

1. VALORIZAÇÃO DA APARÊNCIA

diario da princesa

Constatou-se que a aparência das personagens é trazida por “pretendentes” ou por amigos e familiares como parte importante de sua caracterização. Muitas personagens são colocadas, quase literalmente, em exposição, para terem seus aspectos físicos julgados. O que é bonito é exaltado e o que não é pode ser causa de depreciação. Ensina-se para meninas que ser bonita é parte essencial do exercício da feminilidade.

O grande problema com esse culto à beleza é que a aparência estabelecida é uma só e irreal. Nesses filmes, se a mulher não atende aos padrões pré-estabelecidos como belos, ela passa por uma repaginação. Um dos casos mais claros desse processo é em ‘O Diário da Princesa’ (2001), em que Mia (Anne Hathaway), para tornar-se princesa, precisa alisar os cabelos, tirar as sobrancelhas, depilar-se, entre outras coisas.

2. OBJETIVOS E ASPIRAÇÕES FÚTEIS OU BANAIS

a pequena sereia

O relatório definiu três subcategorias dentro dessa análise: daydreamersderaileddaredevil.

As daydreamers são aquelas que não tem aspiração nenhuma além da relação amorosa. São personagens passivas que não tomam ação na história e reagem passivamente ao que acontece com elas. Bella Swan, protagonista da saga ‘Crepúsculo’ (2008), no primeiro filme da franquia, meramente reage às situações que interagir com lobisomens e vampiros.

As derailed são protagonistas que não têm incialmente o amor como seu principal objetivo, no entanto, são desviadas de seu caminho pelas aspirações amorosas e, usualmente, fazem loucuras em nome do amor. Elas têm um desejo por aventura e por explorar o mundo, mas fixam sua atenção em envolvimento romântico. Ariel, em ‘A Pequena Sereia’ (1989), é um bom exemplo desse fenômeno. Incialmente sua vontade é de conhecer a superfície e acaba fazendo loucuras pelo príncipe Eric.

Já as daredevil são protagonistas dessa categoria expressam um objetivo e fazem escolhas para alcançar sua ambição. Elas podem encontrar amor romântico no caminho, mas não se desviam de seu objetivo e não aceitam romance como seu único prêmio. Casey, protagonista do filme ‘Sonhos no Gelo’ (2005), não mantêm o mesmo objetivo do início ao fim do filme; no entanto, em momento algum a vida amorosa é mais importante do que sua carreira, seja na faculdade, seja como patinadora.

3. AMOR UNIDIMENSIONAL DURADOURO

high school musical

A análise traçou encontros amorosos comuns dentro do gênero. É importante lembrar que nem todo filme carrega um enredo romântico, no entanto, a própria definição do termo chick flick carrega o assunto relações amorosas. Muitas vezes as relações são construídas em bases enganosas, dando uma noção irreal e danosa de amor para jovens espectadoras. ‘Branca de Neve e os Sete Anões’ (1937), ‘A Pequena Sereia’ (1989) e ‘Enrolados’ (2010) são exemplos clássicos dessa lógica.

A imagem do príncipe encantado elaborada na infância se destrói na adolescência, sendo fonte de grande frustração entre as meninas. O amor também pode ser à primeira vista, aspecto que geralmente é acentuado com uma dança ou outro recurso expressivo. ‘High School Musical’ é um dos exemplos contemporâneos desse fenômeno. O filme de 2005 retrata a noção de amor à primeira vista a partir de uma música cantada pelos protagonistas durante uma festa de ano novo. Outra forma de construção é a comunicação. A convivência entre as duas pessoas que traça o amor entre elas, que é uma boa parte dos casos em comédias românticas: ‘O Diário da Princesa II – O Casamento Real’ (2004), ‘Uma Linda Mulher’ (1990), ‘Amizade Colorida’ (2011), entre outros.

4. NÃO MAIS DONZELA EM PERIGO

a proposta

O clichê da dama em perigo tem aparecido cada vez menos nos filmes. As protagonistas têm sido mostradas em papéis mais fisicamente ativos em que homem e mulher se “salvam” reciprocamente em vários momentos dos filmes, ou seja, entram juntos nas aventuras. Ambos têm papéis ativos nas tramas, como em ‘Mulan’ (1998), em que a protagonista se passa por um homem para entrar no exército chinês e lutar na guerra, provando ser tão capaz quanto os homens de suprir as demandas de um exército. ‘Par Perfeito’ (2010), onde os personagens de Ashton Kutcher e Katherine Heigl fazem parte de toda a ação e ‘Sexo sem Compromisso’ (2011), no qual, novamente, Ashton Kutcher e Natalie Portman mantêm uma relação mais ou menos equilibrada de amizade colorida em que os desejos de ambos têm voz.

Uma outra personalidade comum dentro dos chick flicks é a “megera”. Como protagonista, co-protagonista ou vilã, a figura de uma mulher vingativa, invejosa, ou simplesmente má aparece com muita frequência. É aquela que todos odeiam velada ou escancaradamente, que mete medo e que não se dobra às outras pessoas. São mulheres tidas como fortes, mas que, em algum ponto do filme, demonstram o quanto sua atitude é somente fruto de sua fragilidade.

Mulheres não podem ser arrogantes e prepotentes por natureza, essas características vêm acompanhadas de problemas emocionais, como se fossem o escudo das personagens. Isso somente reforça o discurso de delicadeza compulsória que é quase lei nos chick flicks. ‘A Proposta’ (2009), filme com Sandra Bullock e Ryan Reynolds é importante para ressaltar essas questões. Margareth (Bullock) é a típica chefe inescrupulosa que todos no escritório odeiam e temem e está prestes a ser deportada quando tem a ideia de obrigar seu assistente, Andrew (Reynolds), a se casar com ela.

o diabo veste prada 4

No momento em que percebe que sua chefe realmente precisa dele, Andrew repete o comportamento dela de arrogância em sinal de “agora eu estou no comando”. Uma das falas mais problemáticas desse personagem é quando sua avó pergunta se ele não vai ajudar Margareth com as malas. Ele diz: “Eu tento, mas ela não me deixa fazer nada. Ela é feminista” com ar de desprezo. O retrato de feminismo implícito no filme é completamente descontextualizado e vai ao encontro da última cena do mesmo. Quando os dois finalmente ficam noivos por amor verdadeiro, uma voz masculina grita do fundo do escritório “É isso aí Andrew, mostra pra ela quem é o chefe! ”. É importante ressaltar que ela começa e termina do filme sendo chefe dele.

Na conta das megeras, também entra a personagem Miranda Priestley (Meryl Streep), a intragável editora de moda do aclamado filme ‘O Diabo Veste Prada’ (2006), que inferniza a vida da personagem de Anne Hathaway, Andrea Sachs, sua assistente pessoal. Ela se mostra muito vulnerável conforme o filme caminha para o fim; contudo, diferentemente de Sandra Bullock no exemplo anterior, o comportamento de Miranda não sofre alterações – ela não se torna a pessoa simpática que é por dentro como o fim de ‘A Proposta’ sugere para Margareth.

O que todas essas personagens têm em comum? O padrão em que sua beleza se encaixa. Quase todas as mulheres citadas – a exceção é Streep, que, com mais de 60 anos, tornou-se uma lenda viva e inquestionável do cinema atual, ainda que sua idade a tire dos padrões – até agora não desviam da idealização da indústria sobre o corpo feminino. Isso inclui as personagens animadas – até porque as animações costumam ser mais idealísticas e irrealistas do que a vida real.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
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