segunda-feira , 25 novembro , 2024

Artigo | ‘As Aventuras de Tintim’, de Steven Spielberg, é uma ótima e nostálgica aventura para ver em família

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Na década de 1920, mais precisamente quando o mundo chegava a um profundo e impactante divisor de águas com a Grande Depressão, o artista belga Hergé firmava o seu nome como um renomado escritor e literário. Além de ter produzido inúmeras obras bastante influenciadas pelos romances urbanos europeus, incluindo os assinados por Daniel Defoe e Alexandre Dumas, o também quadrinista ganhou um público fidedigno a seu trabalho quando lançou, durante quase cinco décadas, a série de jornadas mirabolantes intitulada As Aventuras de Tintim – e tal franquia fez tamanho sucesso que sofreu inúmeras adaptações para a televisão, chamando a atenção de um nome relativamente conhecido dentro da indústria cinematográfica: Steven Spielberg.

Levando em consideração toda o seu extenso currículo e sua inegável paixão por narrativas do gênero – incluindo as franquias de sucesso mundial Jurassic Park’ e Indiana Jones’ -, realizar essa adaptação fílmica seria um prato cheio para o cineasta, e eventualmente ele se entrega de corpo e alma para arquitetar uma das animações mais divertidas e alucinantes dos últimos anos, combinando uma estética emocionante única e que já foi vista em suas investidas mais dramáticas e pesarosas, ao mesmo tempo em que permitiu-se fundir a uma perspectiva inocente e, em sua maior parte, satisfatória. Em suma, Spielberg retorna para uma zona de conforto dentro da qual tem todos os elementos para ousar como bem quiser sem estender-se demais em um caminho caprichoso sem volta e manter-se fiel à sua própria identidade cênica.



A trama principal gira em torno do personagem-título, um jovem jornalista conhecido no mundo inteiro por resolver os mais instigantes crimes envolvendo objetos místicos, tesouros enterrados e uma luta constante pela sobrevivência. Aqui, Tintim (Jamie Bell) acaba acidentalmente mergulhando em uma jornada que cruza os sete mares ao adquirir uma réplica exata do Licorne, galeão escocês que naufragou sob circunstâncias misteriosas e nunca mais foi visto, em um mercado de pulgas. Já com esse breve prólogo, sentimo-nos em um cosmos que recria a sociedade europeia pós-Depressão, com um crescente sentimento de esperança que é ressaltado pela paleta de cores viva e pela fotografia bem iluminada e difusa, e ao mesmo tempo sistematiza uma bolha única para os incríveis personagens que serão apresentados.

Após estranhos acontecimentos que envolvem tentativas incessantes de terceiros em adquirir a relíquia, o jornalista e repórter percebe que está lidado com um mistério secular ao descobrir que aquele navio na verdade carregava uma fortuna inestimável que se perdeu com o tempo e que está sendo procurada por caçadores de recompensas e figuras sórdidas – incluindo o charmoso e misterioso Professor Sakharine (Daniel Craig), um magnata que está disposto a tirar quem for necessário do caminho para atingir seus objetivos. Apesar da atmosfera maniqueísta, os personagens são tratados com uma sublima honra quando pensamos no material original – e Spielberg encontra margens para torná-los sedutores, complexos e obscuros ao mesmo tempo. Sakharine, por exemplo, carrega um semblante mórbido por trás de toda a sua pompa, e é acompanhado por cores mais ambíguas, como o vinho, o vermelho e o preto. Tintim, por sua vez, representando o arquétipo do herói justiceiro, é adornado com a segurança e a audácia do azul e do verde, dialogando com sua personalidade voraz e um tanto quanto rebelde.

A história em si parte de um pré-conceito que traz sua conclusão antes mesmo de começar. Afinal, levando em consideração de que ambas as partes da narrativa estão em busca do mesmo tesouro, as duas tentarão ou se eliminar ou estar um passo à frente da outra – o mesmo do mesmo, colocando em palavras cruas. Mas é o núcleo desse naturalmente desequilibrado roteiro que traz o brilho de originalidade necessário para cativar o público – e digo com toda certeza que esse excessivo capricho parte do storytelling de um dos nomes responsáveis por adaptar os quadrinhos às telonas: Steven Moffat. Em conjunto com Joe Cornish e Edgar Wright, Moffat provavelmente sofreu algumas aparadas necessárias para impedir que seu incrível trabalho em séries como Doctor Who’ e Sherlock’ tivessem uma cópia, mantendo-se nos trilhos para não saturar o trabalho de Hergé além da conta. E mesmo com o escopo aventuresco, não podemos deixar de perceber algumas impossibilidades além da conta no filme.

Ainda que ceda a alguns clichês, não podemos tirar mérito dos incríveis dubladores. Bell e Craig trazem momentos de glória e não passam despercebidos durante o longa, mas é Andy Serkis e toda a sua versatilidade vocal que roubam grande parte das sequências ao encarnar o hilário Capitão Haddock. Partindo de uma linhagem que está relacionada ao Licorne, tal personagem não apenas funciona como uma peça-chave para a compreensão da histórica rixa entre dois dos piratas mais temidos dos sete mares e para o descobrimento da fortuna perdida, mas também insurge como um escape cômico divertidíssimo – e por vezes escatológico – que previne a rendição fílmica de manter-se em constante drama vazio. Serkis é o grande responsável por fazê-lo funcionar, deixando suas marcas e seus trejeitos ao longo do caminho de modo conciso e memorável.

Spielberg conhece muito bem o material com o qual trabalha e aproveita essa inclinação ao impossível para ousar na direção. Além das incríveis transições entre os atos, os flashbacks e a oscilação entre a trama principal e uma subtrama tão adorável e envolvente quanto, o cineasta mostra mais uma vez seu incrível domínio acerca da linguagem cinematográfica e reafirma uma habilidade que já vimos em obras predecessoras: a muito bem-vinda utilização de planos-sequência. E tal construção imagética encontra um ápice magnífico no final do segundo ato, cuja ambientação é levada para as planícies desérticas de Bagghar e mergulhada em uma brincadeira entre as estreitas ruas da cidadela e a fluidez da câmera que as torna praticamente expansivas em grau exponencial.

Ainda que Tintim’ peque no quesito roteiro, essa aventura levada aos cinemas sem dúvida alguma deixa resquícios nostálgicos em quem a assistir, não apenas por representar mais um acerto na carreira de um fantástico diretor, mas também por resgatar pequenos elementos do auge do Cinema e configurá-los com uma roupagem nova e que vale a pena de ser acompanhada.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Levando em consideração toda o seu extenso currículo e sua inegável paixão por narrativas do gênero – incluindo as franquias de sucesso mundial Jurassic Park’ e Indiana Jones’ -, realizar essa adaptação fílmica seria um prato cheio para o cineasta, e eventualmente ele se entrega de corpo e alma para arquitetar uma das animações mais divertidas e alucinantes dos últimos anos, combinando uma estética emocionante única e que já foi vista em suas investidas mais dramáticas e pesarosas, ao mesmo tempo em que permitiu-se fundir a uma perspectiva inocente e, em sua maior parte, satisfatória. Em suma, Spielberg retorna para uma zona de conforto dentro da qual tem todos os elementos para ousar como bem quiser sem estender-se demais em um caminho caprichoso sem volta e manter-se fiel à sua própria identidade cênica.

A trama principal gira em torno do personagem-título, um jovem jornalista conhecido no mundo inteiro por resolver os mais instigantes crimes envolvendo objetos místicos, tesouros enterrados e uma luta constante pela sobrevivência. Aqui, Tintim (Jamie Bell) acaba acidentalmente mergulhando em uma jornada que cruza os sete mares ao adquirir uma réplica exata do Licorne, galeão escocês que naufragou sob circunstâncias misteriosas e nunca mais foi visto, em um mercado de pulgas. Já com esse breve prólogo, sentimo-nos em um cosmos que recria a sociedade europeia pós-Depressão, com um crescente sentimento de esperança que é ressaltado pela paleta de cores viva e pela fotografia bem iluminada e difusa, e ao mesmo tempo sistematiza uma bolha única para os incríveis personagens que serão apresentados.

Após estranhos acontecimentos que envolvem tentativas incessantes de terceiros em adquirir a relíquia, o jornalista e repórter percebe que está lidado com um mistério secular ao descobrir que aquele navio na verdade carregava uma fortuna inestimável que se perdeu com o tempo e que está sendo procurada por caçadores de recompensas e figuras sórdidas – incluindo o charmoso e misterioso Professor Sakharine (Daniel Craig), um magnata que está disposto a tirar quem for necessário do caminho para atingir seus objetivos. Apesar da atmosfera maniqueísta, os personagens são tratados com uma sublima honra quando pensamos no material original – e Spielberg encontra margens para torná-los sedutores, complexos e obscuros ao mesmo tempo. Sakharine, por exemplo, carrega um semblante mórbido por trás de toda a sua pompa, e é acompanhado por cores mais ambíguas, como o vinho, o vermelho e o preto. Tintim, por sua vez, representando o arquétipo do herói justiceiro, é adornado com a segurança e a audácia do azul e do verde, dialogando com sua personalidade voraz e um tanto quanto rebelde.

A história em si parte de um pré-conceito que traz sua conclusão antes mesmo de começar. Afinal, levando em consideração de que ambas as partes da narrativa estão em busca do mesmo tesouro, as duas tentarão ou se eliminar ou estar um passo à frente da outra – o mesmo do mesmo, colocando em palavras cruas. Mas é o núcleo desse naturalmente desequilibrado roteiro que traz o brilho de originalidade necessário para cativar o público – e digo com toda certeza que esse excessivo capricho parte do storytelling de um dos nomes responsáveis por adaptar os quadrinhos às telonas: Steven Moffat. Em conjunto com Joe Cornish e Edgar Wright, Moffat provavelmente sofreu algumas aparadas necessárias para impedir que seu incrível trabalho em séries como Doctor Who’ e Sherlock’ tivessem uma cópia, mantendo-se nos trilhos para não saturar o trabalho de Hergé além da conta. E mesmo com o escopo aventuresco, não podemos deixar de perceber algumas impossibilidades além da conta no filme.

Ainda que ceda a alguns clichês, não podemos tirar mérito dos incríveis dubladores. Bell e Craig trazem momentos de glória e não passam despercebidos durante o longa, mas é Andy Serkis e toda a sua versatilidade vocal que roubam grande parte das sequências ao encarnar o hilário Capitão Haddock. Partindo de uma linhagem que está relacionada ao Licorne, tal personagem não apenas funciona como uma peça-chave para a compreensão da histórica rixa entre dois dos piratas mais temidos dos sete mares e para o descobrimento da fortuna perdida, mas também insurge como um escape cômico divertidíssimo – e por vezes escatológico – que previne a rendição fílmica de manter-se em constante drama vazio. Serkis é o grande responsável por fazê-lo funcionar, deixando suas marcas e seus trejeitos ao longo do caminho de modo conciso e memorável.

Spielberg conhece muito bem o material com o qual trabalha e aproveita essa inclinação ao impossível para ousar na direção. Além das incríveis transições entre os atos, os flashbacks e a oscilação entre a trama principal e uma subtrama tão adorável e envolvente quanto, o cineasta mostra mais uma vez seu incrível domínio acerca da linguagem cinematográfica e reafirma uma habilidade que já vimos em obras predecessoras: a muito bem-vinda utilização de planos-sequência. E tal construção imagética encontra um ápice magnífico no final do segundo ato, cuja ambientação é levada para as planícies desérticas de Bagghar e mergulhada em uma brincadeira entre as estreitas ruas da cidadela e a fluidez da câmera que as torna praticamente expansivas em grau exponencial.

Ainda que Tintim’ peque no quesito roteiro, essa aventura levada aos cinemas sem dúvida alguma deixa resquícios nostálgicos em quem a assistir, não apenas por representar mais um acerto na carreira de um fantástico diretor, mas também por resgatar pequenos elementos do auge do Cinema e configurá-los com uma roupagem nova e que vale a pena de ser acompanhada.

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Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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