sexta-feira , 21 fevereiro , 2025

Artigo | ‘Barbie’ é muito mais complexo e profundo do que aparenta [SPOILERS]


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Cuidado: muitos spoilers à frente. 

Barbie chegou aos cinemas nacionais hoje, 20 de julho – e já se consagrou como um dos melhores filmes do ano. 



Estrelado por Margot Robbie como uma das versões da boneca titular, a trama acompanha Barbie em uma aventura que a faz cruzar a fronteira entre a Barbieland e o Mundo Real para poder consertar uma fenda aberta entre as duas realidades e restaurar a própria vida – livre de problemas, pensamentos destrutivos, sentimentos conflitantes e pés chatos. Contando com a direção de Greta Gerwig, que também fica responsável pelo roteiro ao lado de Noah Baumbach, o longa-metragem não é apenas uma colorida e divertida produção, mas esconde atrás do rosa-choque e das hilárias piadas metalinguísticas uma profunda exploração sobre a vida, em si, e sobre os inúmeros problemas estruturais que permanecem infestando a sociedade. 

barbie 2001

Robbie interpreta a Barbie Estereotipada, como ela mesmo profere no filme: ela é perfeita, todos os dias são gloriosos e ela sabe que foi responsável por causar mudanças no mundo e, principalmente, nas mulheres – levando-as a encontrar o empoderamento. O problema é que, morando em Barbieland, ela não sabe o que acontece do outro lado e não imagina que a humanidade é muito mais complicada que isso (e que obstáculos de gênero vêm sendo enfrentados desde sempre). Ao cruzar o limiar para o Mundo Real, ela percebe que as mensagens de libertação e de autonomia são ótimas no papel; mas a verdade é que, mesmo em meados do século XXI, a disparidade entre homens e mulheres continua gritante. 


O tema do patriarcado é, como poderíamos imaginar, a força-motriz da obra. Gerwig já havia mergulhado em explorações similares com a dramédia coming-of-age ‘Lady Bird’ e com a adaptação do clássico romance ‘Adoráveis Mulheres’, mas aqui ela utiliza um discurso retórico como impulso cômico, quebrando as expectativas à medida que Barbie passa a demonstrar discernimento e reflexões sobre o que significa existir enquanto mulher – ou, ao menos, enquanto representação da figura feminina. Em um universo ideal, o advento do patriarcado nunca existiu, e isso explica o motivo de tal ideologia ser aceita com tanto afoito quando levada por Ken (Ryan Gosling) para Barbieland, mesmo inadvertidamente. 

ryan gosling barbie 2

Aliado às inflexões sobre gênero, temos uma questão existencialista que insurge desde o começo da narrativa de maneira fluida e simples (e não tão didática assim, porque o objetivo não é explicar aos espectadores o que significa contemplar o sentido da vida, e sim permitir que eles tirem as próprias conclusões). No momento em que Barbie pergunta aos outros se eles já pensaram na morte, o roteiro abre espaço para considerações filosóficas que todos nós já enfrentamos – afinal, como nos esquecer da famigerada crise existencial? Somos bons o suficiente, ou apenas sobrevivemos dentro de um sistema quebrado? Conquistamos o que queríamos cedo o bastante, ou nos perdemos em sonhos inalcançáveis que são vendidos como produtos de mercado? Ora, a própria protagonista começa a se fazer essas perguntas, eventualmente caindo em uma espiral da qual não consegue sair sem ajuda. 

Assista também: 
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É aí que entra a construção da personagem vivida por Kate McKinnon, a Barbie Esquisita. No filme, ela é arquitetada como uma boneca que foi “brincada” das maneiras mais inesperadas por uma determinada criança, abrindo espacates o tempo todo e usando roupas que fogem do padrão das outras Barbies. Mas ela sabe quem é e serve como mentora para que a Barbie Estereotipada entenda que não deve ligar para as críticas dos outros, e sim encontrar a própria identidade e compreender que o que a torna única é ela própria. Novamente, o teor existencialista emerge, mas ganha uma camada de complacência bastante positiva com McKinnon e com sua excentricidade apaixonante. 

kate mckinnon barbie

Como já mencionado nos parágrafos acima, o filme faz um uso constante de autorreferências e metalinguagem – e, para tanto, permite que as críticas à própria Barbie tomem forma. Aqui, Ariana Greenblat, interpretando Sasha, é o ponto-base para os comentários sobre a imagem impossível que deu origem a inúmeros distúrbios em jovens garotinhas que desejam ser que nem a Barbie – ou seja, perfeitas. Por um lado, temos o mote de “você pode ser quem quiser” carregada pela multiplicidade de bonecas em Barbieland; de outro, percebemos como o tiro sai pela culatra quando o padrão aceito por uma sociedade tradicionalista é a Barbie alta, loira, branca e magra, parecendo renegar as outras ou colocá-las em segundo plano. Não é à toa que a escolha de Robbie para interpretar a personagem principal foi certeira: ela é a representação estereotipada do que os executivos da Mattel queriam e do que eles vendem para as crianças. 

Tudo isso também serve como análise do capitalismo predatório e de que forma essa ideologia rege o modo de pensar das pessoas: Barbieland é uma utopia; o Mundo Real é, obviamente, a realidade. Ambos entram em conflito quase beligerante, emanando uma inversão de valores que continua enraizada mesmo em 2023 e que é levada às telonas da forma mais ácida possível – motivo pelo qual certas críticas afirmam que o projeto é vazio. Mas ele não é vazio, e sim sarcástico o suficiente para que as alfinetadas atinjam quem precisa ser atingido e tirem os alvos de uma zona de conforto em que estão há muito tempo. 

barbie1

Uma das cenas mais impactantes é quando Barbie conhece sua criadora, Ruth Handler (vivida por Rhea Perlman). Nesse momento, Barbie está afundada em um senso de não-pertencimento e entende que, talvez, Barbieland não seja mais seu lar. Ela quer se tornar humana, mas o que isso significa? Afinal, os seres humanos são efêmeros; as ideias vivem para sempre. Barbie é uma ideia eterna, e migrá-la para um espectro em que a morte é certeira pode ser assustador – mas ao menos indica que ela poderá viver o máximo que puder em uma compleição satisfatória e que, por fim, lhe dê algum direcionamento e um sentido. Logo, o medo se transforma em melancolia, que, por fim, se concretiza em completude. 

Barbieé um filme muito mais profundo do que aparenta ser – e navega por temas sociológicos, antropológicos e filosóficos com naturalidade invejável e arrebatadora. Não é por qualquer motivo, pois, que essa multiplicidade de camadas o torne um dos grandes filmes da década que precisa ser reassistido em seus mínimos detalhes. 

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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barbie 2001

Robbie interpreta a Barbie Estereotipada, como ela mesmo profere no filme: ela é perfeita, todos os dias são gloriosos e ela sabe que foi responsável por causar mudanças no mundo e, principalmente, nas mulheres – levando-as a encontrar o empoderamento. O problema é que, morando em Barbieland, ela não sabe o que acontece do outro lado e não imagina que a humanidade é muito mais complicada que isso (e que obstáculos de gênero vêm sendo enfrentados desde sempre). Ao cruzar o limiar para o Mundo Real, ela percebe que as mensagens de libertação e de autonomia são ótimas no papel; mas a verdade é que, mesmo em meados do século XXI, a disparidade entre homens e mulheres continua gritante. 

O tema do patriarcado é, como poderíamos imaginar, a força-motriz da obra. Gerwig já havia mergulhado em explorações similares com a dramédia coming-of-age ‘Lady Bird’ e com a adaptação do clássico romance ‘Adoráveis Mulheres’, mas aqui ela utiliza um discurso retórico como impulso cômico, quebrando as expectativas à medida que Barbie passa a demonstrar discernimento e reflexões sobre o que significa existir enquanto mulher – ou, ao menos, enquanto representação da figura feminina. Em um universo ideal, o advento do patriarcado nunca existiu, e isso explica o motivo de tal ideologia ser aceita com tanto afoito quando levada por Ken (Ryan Gosling) para Barbieland, mesmo inadvertidamente. 

ryan gosling barbie 2

Aliado às inflexões sobre gênero, temos uma questão existencialista que insurge desde o começo da narrativa de maneira fluida e simples (e não tão didática assim, porque o objetivo não é explicar aos espectadores o que significa contemplar o sentido da vida, e sim permitir que eles tirem as próprias conclusões). No momento em que Barbie pergunta aos outros se eles já pensaram na morte, o roteiro abre espaço para considerações filosóficas que todos nós já enfrentamos – afinal, como nos esquecer da famigerada crise existencial? Somos bons o suficiente, ou apenas sobrevivemos dentro de um sistema quebrado? Conquistamos o que queríamos cedo o bastante, ou nos perdemos em sonhos inalcançáveis que são vendidos como produtos de mercado? Ora, a própria protagonista começa a se fazer essas perguntas, eventualmente caindo em uma espiral da qual não consegue sair sem ajuda. 

É aí que entra a construção da personagem vivida por Kate McKinnon, a Barbie Esquisita. No filme, ela é arquitetada como uma boneca que foi “brincada” das maneiras mais inesperadas por uma determinada criança, abrindo espacates o tempo todo e usando roupas que fogem do padrão das outras Barbies. Mas ela sabe quem é e serve como mentora para que a Barbie Estereotipada entenda que não deve ligar para as críticas dos outros, e sim encontrar a própria identidade e compreender que o que a torna única é ela própria. Novamente, o teor existencialista emerge, mas ganha uma camada de complacência bastante positiva com McKinnon e com sua excentricidade apaixonante. 

kate mckinnon barbie

Como já mencionado nos parágrafos acima, o filme faz um uso constante de autorreferências e metalinguagem – e, para tanto, permite que as críticas à própria Barbie tomem forma. Aqui, Ariana Greenblat, interpretando Sasha, é o ponto-base para os comentários sobre a imagem impossível que deu origem a inúmeros distúrbios em jovens garotinhas que desejam ser que nem a Barbie – ou seja, perfeitas. Por um lado, temos o mote de “você pode ser quem quiser” carregada pela multiplicidade de bonecas em Barbieland; de outro, percebemos como o tiro sai pela culatra quando o padrão aceito por uma sociedade tradicionalista é a Barbie alta, loira, branca e magra, parecendo renegar as outras ou colocá-las em segundo plano. Não é à toa que a escolha de Robbie para interpretar a personagem principal foi certeira: ela é a representação estereotipada do que os executivos da Mattel queriam e do que eles vendem para as crianças. 

Tudo isso também serve como análise do capitalismo predatório e de que forma essa ideologia rege o modo de pensar das pessoas: Barbieland é uma utopia; o Mundo Real é, obviamente, a realidade. Ambos entram em conflito quase beligerante, emanando uma inversão de valores que continua enraizada mesmo em 2023 e que é levada às telonas da forma mais ácida possível – motivo pelo qual certas críticas afirmam que o projeto é vazio. Mas ele não é vazio, e sim sarcástico o suficiente para que as alfinetadas atinjam quem precisa ser atingido e tirem os alvos de uma zona de conforto em que estão há muito tempo. 

barbie1

Uma das cenas mais impactantes é quando Barbie conhece sua criadora, Ruth Handler (vivida por Rhea Perlman). Nesse momento, Barbie está afundada em um senso de não-pertencimento e entende que, talvez, Barbieland não seja mais seu lar. Ela quer se tornar humana, mas o que isso significa? Afinal, os seres humanos são efêmeros; as ideias vivem para sempre. Barbie é uma ideia eterna, e migrá-la para um espectro em que a morte é certeira pode ser assustador – mas ao menos indica que ela poderá viver o máximo que puder em uma compleição satisfatória e que, por fim, lhe dê algum direcionamento e um sentido. Logo, o medo se transforma em melancolia, que, por fim, se concretiza em completude. 

Barbieé um filme muito mais profundo do que aparenta ser – e navega por temas sociológicos, antropológicos e filosóficos com naturalidade invejável e arrebatadora. Não é por qualquer motivo, pois, que essa multiplicidade de camadas o torne um dos grandes filmes da década que precisa ser reassistido em seus mínimos detalhes. 

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