“Mamãe não me dá nenhum conselho, de qualquer forma. Ela não acredita nisso. Ela diz que confia em mim. Isso é bom”, disse Liza Minnelli em 1968 sobre sua lendária mãe Judy Garland.
Esperar o mínimo de uma família composta por Minnelli e Garland é ser extremamente condescendente e conformista com o que significa “fazer arte”. Afinal, Garland tornou-se mundialmente famosa por sua interpretação como Dorothy Gale em ‘O Mágico de Oz’ e, anos depois, sua filha levaria o Oscar de Melhor Atriz para casa em ‘Cabaret’, considerado um dos melhores longas-metragens de todos os tempos por inúmeros consórcios de imprensa nacionais e internacionais.
A dupla mãe-e-filha tornou-se uma só e, apesar do que muitos falavam, Liza garantiu que teve uma infância digna e bastante feliz, mesmo com os altos e baixos de qualquer relacionamento familiar. “Um dos grandes equívocos sobre minha mãe é que ela não me deu uma infância feliz. Houve momentos de discussão, é claro, mas posso dizer que era bem feliz. Se as pessoas escolher acreditar nisso ou não, cabe a elas, mas eu sei que fui feliz”, ela comentou à revista Vogue dois anos atrás. Negar as similaridades entre as duas, principalmente acerca do afã estético, é um trabalho bastante difícil, motivo pelo qual Minnelli tinha um legado gigantesco para carregar quando se lançou no show business.
Felizmente, ela se tornou um dos grandes ícones do cinema moderno e conseguiu provar que carrega uma versatilidade performática invejável a todos que duvidavam de sua capacidade. Não é surpresa que Liza seja relembrada constantemente até mesmo pelas novas gerações e através das mais diversas mídias: Alexis Michelle, uma proeminente drag queen de Nova York, fez um esquete cômica e bastante mimética de sua persona na nona temporada de ‘RuPaul’s Drag Race’; Lady Gaga ficou em choque ao conhecer sua inspiração em uma apresentação no Madison Square Garden, tornando-se uma das amigas mais íntimas de Liza e encarnando essa diva inesquecível quando bem pudesse; em 2005, ela foi honrada com o Prêmio Vanguarda do GLAAD por sua contribuição para a visibilidade e contribuição da comunidade LGBTQ+ no cenário mainstream.
Dentre todos os feitos que Minnelli conseguiu ao longo de sua prolífica carreira, amalgamá-los em uma única lista é diminuir seu incrível trabalho. Por esse motivo, devemos mencionar suas maiores conquistas: temos, por exemplo, sua defesa a Rock Hudson quando contraiu HIV/AIDS em uma época de extremo estigma social e de preconceito. Unindo-se a ninguém menos que Elizabeth Taylor, a artista arrecadou milhões de dólares para buscar tratamentos menos dolorosos e paliativos para os diagnosticados. De outro lado, temos suas constantes colaborações com Bob Fosse, fosse no supracitado ‘Cabaret’, fosse em seu especial ‘Liza with a Z’ (ambos aclamados pela crítica e merecedores de um lugar especial na estante de qualquer cinéfilo ou fã do trabalho da atriz e cantora).
Ao ser honrada em 1990 com o Grammy Legend Award, Minnelli tornou-se um dos poucos membros do seleto grupo intitulado EGOT. Os dois títulos mencionados acima renderam-lhe um Oscar e um Emmy, respectivamente, enquanto as peças ‘Flora the Red Menace’, ‘The Act’ e ‘Liza’s at The Palace’ lhe garantiram estatuetas do Tony (e nem estamos mencionando o prêmio honorário que faturou em 1974). E ela continuava a dominar o mundo como nunca– e com uma força incontrolável que a transformava na pioneira artística de diversos segmentos do entretenimento.
Liza sempre carregou um apreço pela estética jazz e vaudevilliana, desde quando fez sua estreia oficial com ‘Charlie Bubbles – A Máscara e o Rosto’, em 1968. É claro que ela já havia trabalho no teatro antes com ‘Wish You Were Here’ e ‘Take Me Along’, por exemplo, já mostrando sua humildade para as apresentações de circos itinerantes e sua relação intrínseca com os programas de variedade, marcando-a como uma anacrônica figura que representava o passado, o presente e o futuro. Em 1972, dublou a mesma personagem da mãe na sequência animada ‘Journey Back to Oz’, que infelizmente caiu no esquecimento, mas que merece ser redescoberto, ainda mais pelo evento cultural que representou à época do lançamento.
Enquanto Garland com certeza a inspirou a sempre fazer o melhor de qualquer papel que lhe era entregue, o sucesso de Minnelli veio por conta própria. “Mesmo quando eu procurava por papéis, ela não arranjava para mim – e eu apenas ia conforme mandava a música. Tenho certeza de que ser filha de Judy Garland me ajudava, mas eu fui e fiz as coisas por conta própria”, ela diz. Além de suas interpretações icônicas, talvez os dez álbuns de estúdio – um a mais que Judy – provem que seu esforço não foi em vão (e como se esquecer de suas aparições incríveis em público, que dão uma aula de humildade?).
Liza Minnelli estava destinada ao estrelato – afinal, fez sua primeira aparição no cenário fílmico com apenas três anos de idade e foi nomeada a partir de uma música de Ira Gershwin e Gus Kahn. Desde rendições memoráveis de “New York, New York” até sua colaboração com o grupo My Chemical Romance, passando por uma dura fase de encefalite, Liza é um símbolo de superação e de perseverança, uma aliada que merece ser celebrada da maneira que é: única.