domingo , 22 dezembro , 2024

Artigo | Conheça ‘Alias Grace’, aclamada minissérie baseada no romance de Margaret Atwood

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Dramas históricos são sempre passíveis de adoração e, na maioria dos casos, configuram-se como um dos gêneros preferidos do público aficionado por séries e filmes. Nos últimos anos, esse tipo de narrativa ganhou uma popularidade imensa e tal aceitação não-premeditada permitiu que a televisão contemporânea ganhasse pérolas como Downton Abbey’, ambientada no começo do século XX, Penny Dreadful’, recriando uma Londres sobrenatural do final do século XIX, e The Crown’, uma joia a ser apreciada com a maior cautela, recontando o conturbado reinado da Rainha Elizabeth II.

De todos os elementos ovacionáveis dentro das tramas supracitadas, a recriação verossímil da atmosfera condizente com a época é um dos mais perceptíveis por parte dos fãs. E, seguindo o alto padrão de shows similares, Alias Grace encontra um espaço no coração desse público ao surpreender e atingir as expectativas esperadas, principalmente em se tratando de um romance assinado por Margaret Atwood (autora do grande sucesso literário e televisivo The Handmaid’s Tale’). Em contrapartida de sua obra mais famosa, a qual é centrada num futuro distópico e teocêntrico, a série em questão é ambientada no conflituoso período canadense em que o território era “invadido” constantemente por imigrantes irlandeses e escoceses – mais precisamente em meados do século XIX. A trama principal gira em torno da personagem-título Grace Marks (Sarah Gadon), cujo nome pode ser encarado como uma ironia (grace significa graça, no inglês), visto que sua vida foi marcada por uma constante tempestade de tragédias.



Logo no primeiro capítulo, perscrutado por uma montagem não-linear que nos relembra das transgressões narrativas da vanguarda surrealista no começo do século passado, descobrimos que a jovem garota foi acusada de assassinar seus patrões, aliciando-se ao faz-tudo James McDermott (Kerr Logan) para concretizar seu plano demoníaco. Entretanto, diferentemente de seu parceiro, que foi condenado à forca, Grace permaneceu quase intocada por forças maiores, sendo respaldada por inúmeros nomes e classes sociais de respeito, as quais declaravam repetitivamente que ela apenas funcionou como um pião influenciável nos planos arquitetados pelo conturbado homem.

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Isso já nos leva a perceber um padrão de incompreensão por parte da personalidade da protagonista – e ela faz questão de nos lembrar disso numa constância interessante, em um voz over tão enigmático quanto suas próprias palavras. Ela é tachada de louca, ignorante, assassina, amante, prostituta, ingênua e inúmeros outros adjetivos que a transformam em uma construção social muito superficial para a profundidade psicológica que carrega – e, como se não bastasse, os diálogos são marcados por uma poética própria da mitologia nórdica (uma mistura equilibrada de cores e substantivos comuns que entram como metáforas para a vida cotidiana).

Grace não compreende a si mesma. E não poderia, visto que sua pouca experiência em vida foi marcada, como supracitado, por eventos desafortunados que começaram quando era apenas uma adolescente. Durante suas sessões com o psicólogo Simon Jordan (Edward Holcroft), ela discorre sobre sua infância, seus momentos mortais numa embarcação ao estilo navio negreiro da Irlanda para a América, e como ela sobreviveu à perda de entes muito queridos. As sequências ambientadas no navio não são apenas cruas em essência, mas são dotadas de uma sensorialidade inebriante que nos impede de tirar os olhos da tela, mesmo com a explicitação própria das obras de Atwood: a mudança de planos mais fechados para mais abertos contribui para o sentimento enervante que se apossa dos personagens, os quais passaram oito semanas em condições degradantes para conseguir realizar um sonho há muito querido.

As coisas não melhoram muito quando chegam ao destino: a mãe de Grace morre durante a viagem, e o infame pai é o típico macho-alfa de um família extremamente tradicional que usa e abusa de seu título patriarcal para submeter as mulheres da família a um patamar inferiorizado. Claro que isso é típico da sociedade da época, cujo semblante é estampado com alguns toques contemporâneos justamente para propor uma discussão mais aprofundada; logo, não é nenhuma surpresa que a garota saia de casa na primeira oportunidade, ainda que tenha que deixar seus quatro irmãos para trás como forma de começar uma nova vida – e é nesse exato momento que uma tour de force bem delineada começa a dar às caras.

Ao longo da narrativa, Grace acaba por encontrar inúmeros arquétipos da jornada do herói. A figura do guardião emerge na breve aparição de Rebecca Liddiard como Mary Whitney, empregada da família Parkinson que imediatamente consegue cativar o público. Sua personalidade rebelde e revolucionária – que conversa com os crescentes movimentos sociais do Canadá na época – é um dos principais fatores que consegue impactar na quietude serena e quase assustadora de Grace. Inclusive, a química entre Liddiard e Gadon é de uma pureza envolvente e que nos leva a imaginar se alguma centelha de amor pode surgir entre as duas. Entretanto, os laços entre elas se tornam mais fortes à medida em que os meses passam, tornando-se melhores amigas, confidentes e, eventualmente, invertendo os papéis quando essa guardiã e protetora encontra uma trágica ruína, decorrente até mesmo de sua condição como subordinada.

É inegável dizer que a protagonista passou por inúmeras perdas – e, no momento em que perde sua amiga para um ato de autossalvação, ela desenvolve alguns transtornos psíquicos que são justificados por uma fé avassaladora. Afinal, Grace vem de uma criação religiosa que não apenas resgata elementos católicos, mas estende sua abertura para a mitologia céltica (principalmente escocesa) para lhe dar um pouco de conforto. Tal ideal parte da premissa de que a intangibilidade da fé é um dos motivos que reafirmam a lucidez humana – entrando em conflito com si mesma pelo tratamento que recebe dentro da série.

O escape cômico emerge no convidativo e misterioso rosto de Jeremiah Pontelli (Zachary Levi), um místico vendedor ambulante que utiliza de sua “formação cigana” para proteger aqueles de que gosta e lhes fornecer um pouco de clareza para o futuro. Em seu primeiro encontro com Grace, o charmoso rapaz lê a sua mão e diz basicamente que “depois da tempestade, vem a calmaria”. E, bom, ele não poderia estar mais correto, levando em consideração que as reviravoltas em sua vida atingiram ápices tenebrosos antes de finalmente encontrar a merecida paz em um arco de “redenção obrigatória” do qual ela não deveria ter participado para início de conversa.

Os eventos que se sucedem em Alias Grace são imprescindíveis para uma mudança radical no rumo da história – e aqui, a concepção narrativa e imagética é de uma controvérsia gigantesca ao trazer elementos bíblicos para a tela. Em determinado momento após a morte de Mary, Grace é convidada pela aparentemente gentil e maternal Nancy Montgomery (Anna Paquin), governanta de Thomas Kinnear (Paul Gross), a qual a convida para ajudá-la nos serviços domésticos. É inegável dizer que a paz no rosto de Nancy é extremamente convidativo – suas roupas e até mesmo a paleta de cores que a envolve é adornada com cores leves, como rosa-claro e azul-bebê, transformando-a em um pedaço do paraíso que anda no mundo dos vivos. A metáfora para o evangelho católico vem justamente aí: por trás de uma máscara de gentileza, se esconde a real serpente – e a governanta não mede esforços para demonstrar seu arrependimento em contratar Grace para ajudá-la.

Afinal, Nancy e Thomas têm um caso, e a personalidade ciumenta da mulher é algo desprezível e que não nos causa nada além de asco. E seus distúrbios são expressados na forma de tarefas degradantes da jovem garota, a qual, em determinada sequência, deixa seus sentimentos internalizados explodirem para uma das poucas cenas de embate entre posições sociais. E as coisas ficam ainda mais angustiantes quando sua atitude muda para uma docilidade medonhamente comovente.

A série em momento algum é panfletária; ela analisa a ascensão e a queda de uma mulher – seguindo os passos de Jackie’, cinebiografia sobre Jacqueline Kennedy lançada em 2016 -, com uma identidade imagética que preza pelo todo e pelo particular. Em outras palavras, o enquadramento das cenas dialoga paralelamente ao sentimento que deseja passar – a grandiloquência e a majestuosidade dos governantes e famílias abastadas é retificada com planos gerais e simétricos que revelam estabilidade financeira, enquanto momentos mais íntimos prezam pelo close, com enfoque no brilho e no misticismo dos olhos. E isso não apenas serve para a conexão do público com personagens tão bem criados, mas também de forma condescendente de retratação da personagem encarnada por Gadon – a qual vimos em uma interessante performance em A Nona Vida de Louis Drax’, mas que se afasta completamente de sua zona de conforto aqui. Sua caracterização é misteriosa, indecifrável e oblíqua, com certos trejeitos adoráveis como o franzir da testa.

É claro que o show não abriria mão de uma saída sobrenatural – e ela vem no final da temporada. Já digo que a conclusão não será engolida por todos do público, mas é até compreensível de considerarmos duas coisas principais: primeiro, a questão espiritual sempre esteve em pauta dentre as damas mais ricas da sociedade, buscando proveito nas sessões religiosas que realizavam em suas próprias casas para encontrar clareza; segundo, a “encarnação” do espírito de Mary, responsável por levar Grace a cometer tais atrocidades, se inclina para os crescentes estudos de dupla personalidade da época, predecessoras para a metapsicologia do início do século XX.

Alias Grace é um grande acerto da Netflix e merecia mais atenção do que tem, principalmente às vésperas de seu quinto aniversário – e sua narrativa não apenas dá uma perspectiva original e interessante para os dramas de época, como reafirma o império literário e televisivo de Margaret Atwood, uma das melhores autoras de sua geração e que ficará marcada definitivamente na história.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Dramas históricos são sempre passíveis de adoração e, na maioria dos casos, configuram-se como um dos gêneros preferidos do público aficionado por séries e filmes. Nos últimos anos, esse tipo de narrativa ganhou uma popularidade imensa e tal aceitação não-premeditada permitiu que a televisão contemporânea ganhasse pérolas como Downton Abbey’, ambientada no começo do século XX, Penny Dreadful’, recriando uma Londres sobrenatural do final do século XIX, e The Crown’, uma joia a ser apreciada com a maior cautela, recontando o conturbado reinado da Rainha Elizabeth II.

De todos os elementos ovacionáveis dentro das tramas supracitadas, a recriação verossímil da atmosfera condizente com a época é um dos mais perceptíveis por parte dos fãs. E, seguindo o alto padrão de shows similares, Alias Grace encontra um espaço no coração desse público ao surpreender e atingir as expectativas esperadas, principalmente em se tratando de um romance assinado por Margaret Atwood (autora do grande sucesso literário e televisivo The Handmaid’s Tale’). Em contrapartida de sua obra mais famosa, a qual é centrada num futuro distópico e teocêntrico, a série em questão é ambientada no conflituoso período canadense em que o território era “invadido” constantemente por imigrantes irlandeses e escoceses – mais precisamente em meados do século XIX. A trama principal gira em torno da personagem-título Grace Marks (Sarah Gadon), cujo nome pode ser encarado como uma ironia (grace significa graça, no inglês), visto que sua vida foi marcada por uma constante tempestade de tragédias.

Logo no primeiro capítulo, perscrutado por uma montagem não-linear que nos relembra das transgressões narrativas da vanguarda surrealista no começo do século passado, descobrimos que a jovem garota foi acusada de assassinar seus patrões, aliciando-se ao faz-tudo James McDermott (Kerr Logan) para concretizar seu plano demoníaco. Entretanto, diferentemente de seu parceiro, que foi condenado à forca, Grace permaneceu quase intocada por forças maiores, sendo respaldada por inúmeros nomes e classes sociais de respeito, as quais declaravam repetitivamente que ela apenas funcionou como um pião influenciável nos planos arquitetados pelo conturbado homem.

Isso já nos leva a perceber um padrão de incompreensão por parte da personalidade da protagonista – e ela faz questão de nos lembrar disso numa constância interessante, em um voz over tão enigmático quanto suas próprias palavras. Ela é tachada de louca, ignorante, assassina, amante, prostituta, ingênua e inúmeros outros adjetivos que a transformam em uma construção social muito superficial para a profundidade psicológica que carrega – e, como se não bastasse, os diálogos são marcados por uma poética própria da mitologia nórdica (uma mistura equilibrada de cores e substantivos comuns que entram como metáforas para a vida cotidiana).

Grace não compreende a si mesma. E não poderia, visto que sua pouca experiência em vida foi marcada, como supracitado, por eventos desafortunados que começaram quando era apenas uma adolescente. Durante suas sessões com o psicólogo Simon Jordan (Edward Holcroft), ela discorre sobre sua infância, seus momentos mortais numa embarcação ao estilo navio negreiro da Irlanda para a América, e como ela sobreviveu à perda de entes muito queridos. As sequências ambientadas no navio não são apenas cruas em essência, mas são dotadas de uma sensorialidade inebriante que nos impede de tirar os olhos da tela, mesmo com a explicitação própria das obras de Atwood: a mudança de planos mais fechados para mais abertos contribui para o sentimento enervante que se apossa dos personagens, os quais passaram oito semanas em condições degradantes para conseguir realizar um sonho há muito querido.

As coisas não melhoram muito quando chegam ao destino: a mãe de Grace morre durante a viagem, e o infame pai é o típico macho-alfa de um família extremamente tradicional que usa e abusa de seu título patriarcal para submeter as mulheres da família a um patamar inferiorizado. Claro que isso é típico da sociedade da época, cujo semblante é estampado com alguns toques contemporâneos justamente para propor uma discussão mais aprofundada; logo, não é nenhuma surpresa que a garota saia de casa na primeira oportunidade, ainda que tenha que deixar seus quatro irmãos para trás como forma de começar uma nova vida – e é nesse exato momento que uma tour de force bem delineada começa a dar às caras.

Ao longo da narrativa, Grace acaba por encontrar inúmeros arquétipos da jornada do herói. A figura do guardião emerge na breve aparição de Rebecca Liddiard como Mary Whitney, empregada da família Parkinson que imediatamente consegue cativar o público. Sua personalidade rebelde e revolucionária – que conversa com os crescentes movimentos sociais do Canadá na época – é um dos principais fatores que consegue impactar na quietude serena e quase assustadora de Grace. Inclusive, a química entre Liddiard e Gadon é de uma pureza envolvente e que nos leva a imaginar se alguma centelha de amor pode surgir entre as duas. Entretanto, os laços entre elas se tornam mais fortes à medida em que os meses passam, tornando-se melhores amigas, confidentes e, eventualmente, invertendo os papéis quando essa guardiã e protetora encontra uma trágica ruína, decorrente até mesmo de sua condição como subordinada.

É inegável dizer que a protagonista passou por inúmeras perdas – e, no momento em que perde sua amiga para um ato de autossalvação, ela desenvolve alguns transtornos psíquicos que são justificados por uma fé avassaladora. Afinal, Grace vem de uma criação religiosa que não apenas resgata elementos católicos, mas estende sua abertura para a mitologia céltica (principalmente escocesa) para lhe dar um pouco de conforto. Tal ideal parte da premissa de que a intangibilidade da fé é um dos motivos que reafirmam a lucidez humana – entrando em conflito com si mesma pelo tratamento que recebe dentro da série.

O escape cômico emerge no convidativo e misterioso rosto de Jeremiah Pontelli (Zachary Levi), um místico vendedor ambulante que utiliza de sua “formação cigana” para proteger aqueles de que gosta e lhes fornecer um pouco de clareza para o futuro. Em seu primeiro encontro com Grace, o charmoso rapaz lê a sua mão e diz basicamente que “depois da tempestade, vem a calmaria”. E, bom, ele não poderia estar mais correto, levando em consideração que as reviravoltas em sua vida atingiram ápices tenebrosos antes de finalmente encontrar a merecida paz em um arco de “redenção obrigatória” do qual ela não deveria ter participado para início de conversa.

Os eventos que se sucedem em Alias Grace são imprescindíveis para uma mudança radical no rumo da história – e aqui, a concepção narrativa e imagética é de uma controvérsia gigantesca ao trazer elementos bíblicos para a tela. Em determinado momento após a morte de Mary, Grace é convidada pela aparentemente gentil e maternal Nancy Montgomery (Anna Paquin), governanta de Thomas Kinnear (Paul Gross), a qual a convida para ajudá-la nos serviços domésticos. É inegável dizer que a paz no rosto de Nancy é extremamente convidativo – suas roupas e até mesmo a paleta de cores que a envolve é adornada com cores leves, como rosa-claro e azul-bebê, transformando-a em um pedaço do paraíso que anda no mundo dos vivos. A metáfora para o evangelho católico vem justamente aí: por trás de uma máscara de gentileza, se esconde a real serpente – e a governanta não mede esforços para demonstrar seu arrependimento em contratar Grace para ajudá-la.

Afinal, Nancy e Thomas têm um caso, e a personalidade ciumenta da mulher é algo desprezível e que não nos causa nada além de asco. E seus distúrbios são expressados na forma de tarefas degradantes da jovem garota, a qual, em determinada sequência, deixa seus sentimentos internalizados explodirem para uma das poucas cenas de embate entre posições sociais. E as coisas ficam ainda mais angustiantes quando sua atitude muda para uma docilidade medonhamente comovente.

A série em momento algum é panfletária; ela analisa a ascensão e a queda de uma mulher – seguindo os passos de Jackie’, cinebiografia sobre Jacqueline Kennedy lançada em 2016 -, com uma identidade imagética que preza pelo todo e pelo particular. Em outras palavras, o enquadramento das cenas dialoga paralelamente ao sentimento que deseja passar – a grandiloquência e a majestuosidade dos governantes e famílias abastadas é retificada com planos gerais e simétricos que revelam estabilidade financeira, enquanto momentos mais íntimos prezam pelo close, com enfoque no brilho e no misticismo dos olhos. E isso não apenas serve para a conexão do público com personagens tão bem criados, mas também de forma condescendente de retratação da personagem encarnada por Gadon – a qual vimos em uma interessante performance em A Nona Vida de Louis Drax’, mas que se afasta completamente de sua zona de conforto aqui. Sua caracterização é misteriosa, indecifrável e oblíqua, com certos trejeitos adoráveis como o franzir da testa.

É claro que o show não abriria mão de uma saída sobrenatural – e ela vem no final da temporada. Já digo que a conclusão não será engolida por todos do público, mas é até compreensível de considerarmos duas coisas principais: primeiro, a questão espiritual sempre esteve em pauta dentre as damas mais ricas da sociedade, buscando proveito nas sessões religiosas que realizavam em suas próprias casas para encontrar clareza; segundo, a “encarnação” do espírito de Mary, responsável por levar Grace a cometer tais atrocidades, se inclina para os crescentes estudos de dupla personalidade da época, predecessoras para a metapsicologia do início do século XX.

Alias Grace é um grande acerto da Netflix e merecia mais atenção do que tem, principalmente às vésperas de seu quinto aniversário – e sua narrativa não apenas dá uma perspectiva original e interessante para os dramas de época, como reafirma o império literário e televisivo de Margaret Atwood, uma das melhores autoras de sua geração e que ficará marcada definitivamente na história.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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