segunda-feira , 23 dezembro , 2024

Artigo | ‘Cruella’, ‘Malévola’ e a humanização dos vilões da Disney

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Uma nova era, uma nova geração – e os estúdios Walt Disney continuam a investir em remakes em live-action de suas clássicas animações. Por um lado, trazer fábulas e contos de fada através de outra perspectiva para um público mais novo é uma ótima ideia, ainda mais considerando que os pequenos podem não se conectar com o estilo técnico-artístico dos filmes originais. Entretanto, uma das principais mudanças que vêm sendo trazidos à tona é a apresentação de uma desmistificação dos vilões do panteão Disney, transformando-os em personagens mais complexos do que o mero maniqueísmo “bem vs. mal” visto no cinema.

É claro que isso não se restringe apenas à Casa Mouse, mas alastra-se também para qualquer um que ouse mexer nos engessados preceitos dos séculos anteriores, em que histórias fantasiosas eram vistas como metáforas para proteger as crianças de males externos. Uma das mais recentes investidas que transmutam a relação mocinho-vilão é Malévola, estrelada por Angelina Jolie e que resolve trazer a icônica personagem para o centro dos holofotes.



Goste ou não, o longa-metragem já causa um grande impacto nas mais diferentes audiências por fornecer uma roupagem nada tradicional à feiticeira. Em A Bela Adormecida, Malévola era movida pela inveja e pela falta de carinho de outros, resolvendo colocar uma maldição na jovem Aurora que a colocaria em um profundo sono ao cair do 16º aniversário. Impedida por Phillip, ela chegou a virar um temível dragão para sair vitoriosa, mas viu-se em ruínas pela força do “amor verdadeiro”. Já em 2014, Robert Stromberg, aliando-se ao roteiro de Linda Woolverton, resolveu explicar as origens de tanto ódio, pondo-a como uma fada da floresta enganada por humanos. Jurando vingança contra aqueles que destruíram seus sonhos e criavam artimanhas para dizimar os seres mágicos de seu lar, ela percorreu os mesmos passos até encontrar Aurora.

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A diferença se expande para a relação com a menina. Conforme nos lembramos da animação de 1959, Malévola e Aurora não possuem qualquer relação senão antagônica; na releitura, Aurora enxerga a perigosa criatura como sua fada-madrinha, que percebe gradativamente que a garota não tem culpa pelos pecados da família. Ao tentar reverter a maldição, percebe que cometeu um trágico erro – eventualmente utilizando do amor que desenvolveu pela menina para salvá-la do sono eterno.

Anos mais tarde, a Disney voltaria com mais um ambicioso projeto, Cruella, trazendo Emma Stone para viver a personagem. Diferente de Malévola, cujas intenções eram bastante simples, levando em conta a narrativa em que primeiro apareceu, a magnata da moda Cruella de Vil não partia dos mesmos princípios da Casa Mouse: introduzida em 101 Dálmatas (uma das incursões mais originais do gênero animado), a antagonista mostrou-se má por natureza, decidida desde o começo a utilizar a pele de dálmatas para fazer estilosos casacos de pele e mergulhar em fama no cenário da haute couture.

No live-action, as coisas mudam drasticamente de posição e Cruella é agraciada com um tocante passado que envolve o assassinato da mãe, uma vida como golpista nas ruas de Londres e um trabalho estressante como pupila da Baronesa (interpretada por Emma Thompson). Como se não bastasse, o ardil psicótico característico da personagem se desenvolve em ápices de loucura que nos levam a pensar uma coisa quando, na verdade, dizem outra: no filme de 2021, Cruella não usa a pele dos cachorros como parte das vestimentas; na verdade, ela faz uma bela declaração artística que puxa elementos do punk-rock dos anos 1970 em um conflito geracional entre o ultrapassado (Baronesa) e o moderno (ela própria), apostando fichas no choque em vez da maldade.

E por que essa necessidade de mudar a personalidade de personagens tão icônicos?

Com o passar dos anos, histórias (escritas e audiovisuais) se viram num beco sem saída, em que imaginar um enredo original era uma tarefa bastante complicada. Mais do que isso, as mensagens clássicas apresentadas ao público – nesse caso, diretamente para uma audiência infantil – mostravam-se recicladas e talvez não tão compreendidas quanto deveriam. É claro que o embate entre o bem e o mal, como mencionado no começo desta matéria, sempre serviu de combustível para diversas tramas – mas até que ponto isso se mantém verdadeiro? Afinal, a dualidade configurada em opostos extremo não corresponde à realidade e nem à multiplicidade dos indivíduos. Encarar o mundo como um explosivo campo de batalha entre vilões e mocinhos é não compreender que existem “áreas cinzentas”.

Cruella e Malévola, nesse âmbito, são humanizadas para um bem maior e para levar os espectadores a entender que ninguém nasce mal, e sim torna-se. E mesmo dentro de um espectro como esse, é notável a forma como os realizadores são cautelosos em criar empatia e delinear relações de causa e consequência que podem inclusive aparecer em outras histórias de origem – ainda mais considerando que ‘A Pequena Sereia’ e ‘Peter Pan & Wendy’ são alguns dos próximos projetos em live-action da Disney. Quem sabe Úrsula e Capitão Gancho (e Gastão e Jafar e Lady Tremaine) não encontrem uma conclusão mais honesta?

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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É claro que isso não se restringe apenas à Casa Mouse, mas alastra-se também para qualquer um que ouse mexer nos engessados preceitos dos séculos anteriores, em que histórias fantasiosas eram vistas como metáforas para proteger as crianças de males externos. Uma das mais recentes investidas que transmutam a relação mocinho-vilão é Malévola, estrelada por Angelina Jolie e que resolve trazer a icônica personagem para o centro dos holofotes.

Goste ou não, o longa-metragem já causa um grande impacto nas mais diferentes audiências por fornecer uma roupagem nada tradicional à feiticeira. Em A Bela Adormecida, Malévola era movida pela inveja e pela falta de carinho de outros, resolvendo colocar uma maldição na jovem Aurora que a colocaria em um profundo sono ao cair do 16º aniversário. Impedida por Phillip, ela chegou a virar um temível dragão para sair vitoriosa, mas viu-se em ruínas pela força do “amor verdadeiro”. Já em 2014, Robert Stromberg, aliando-se ao roteiro de Linda Woolverton, resolveu explicar as origens de tanto ódio, pondo-a como uma fada da floresta enganada por humanos. Jurando vingança contra aqueles que destruíram seus sonhos e criavam artimanhas para dizimar os seres mágicos de seu lar, ela percorreu os mesmos passos até encontrar Aurora.

A diferença se expande para a relação com a menina. Conforme nos lembramos da animação de 1959, Malévola e Aurora não possuem qualquer relação senão antagônica; na releitura, Aurora enxerga a perigosa criatura como sua fada-madrinha, que percebe gradativamente que a garota não tem culpa pelos pecados da família. Ao tentar reverter a maldição, percebe que cometeu um trágico erro – eventualmente utilizando do amor que desenvolveu pela menina para salvá-la do sono eterno.

Anos mais tarde, a Disney voltaria com mais um ambicioso projeto, Cruella, trazendo Emma Stone para viver a personagem. Diferente de Malévola, cujas intenções eram bastante simples, levando em conta a narrativa em que primeiro apareceu, a magnata da moda Cruella de Vil não partia dos mesmos princípios da Casa Mouse: introduzida em 101 Dálmatas (uma das incursões mais originais do gênero animado), a antagonista mostrou-se má por natureza, decidida desde o começo a utilizar a pele de dálmatas para fazer estilosos casacos de pele e mergulhar em fama no cenário da haute couture.

No live-action, as coisas mudam drasticamente de posição e Cruella é agraciada com um tocante passado que envolve o assassinato da mãe, uma vida como golpista nas ruas de Londres e um trabalho estressante como pupila da Baronesa (interpretada por Emma Thompson). Como se não bastasse, o ardil psicótico característico da personagem se desenvolve em ápices de loucura que nos levam a pensar uma coisa quando, na verdade, dizem outra: no filme de 2021, Cruella não usa a pele dos cachorros como parte das vestimentas; na verdade, ela faz uma bela declaração artística que puxa elementos do punk-rock dos anos 1970 em um conflito geracional entre o ultrapassado (Baronesa) e o moderno (ela própria), apostando fichas no choque em vez da maldade.

E por que essa necessidade de mudar a personalidade de personagens tão icônicos?

Com o passar dos anos, histórias (escritas e audiovisuais) se viram num beco sem saída, em que imaginar um enredo original era uma tarefa bastante complicada. Mais do que isso, as mensagens clássicas apresentadas ao público – nesse caso, diretamente para uma audiência infantil – mostravam-se recicladas e talvez não tão compreendidas quanto deveriam. É claro que o embate entre o bem e o mal, como mencionado no começo desta matéria, sempre serviu de combustível para diversas tramas – mas até que ponto isso se mantém verdadeiro? Afinal, a dualidade configurada em opostos extremo não corresponde à realidade e nem à multiplicidade dos indivíduos. Encarar o mundo como um explosivo campo de batalha entre vilões e mocinhos é não compreender que existem “áreas cinzentas”.

Cruella e Malévola, nesse âmbito, são humanizadas para um bem maior e para levar os espectadores a entender que ninguém nasce mal, e sim torna-se. E mesmo dentro de um espectro como esse, é notável a forma como os realizadores são cautelosos em criar empatia e delinear relações de causa e consequência que podem inclusive aparecer em outras histórias de origem – ainda mais considerando que ‘A Pequena Sereia’ e ‘Peter Pan & Wendy’ são alguns dos próximos projetos em live-action da Disney. Quem sabe Úrsula e Capitão Gancho (e Gastão e Jafar e Lady Tremaine) não encontrem uma conclusão mais honesta?

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