quarta-feira, abril 24, 2024

Artigo | Desperate Housewives: Relembrando o início de uma das maiores séries do século

Wisteria Lane não é um lugar como qualquer outro. É claro, apesar da fachada suburbana e lindamente cuidada de todos os seus moradores, e até mesmo da aparente boa convivência entre seus vizinhos, mistérios aterradores se escondem por detrás dos grandes casarões da pacata rua. Mistérios que ninguém nunca imaginaria que conseguiriam se manter guardados por tantos anos, enterrados em corações machucados com traumas e fantasmas assustadores. E esse ar de suspense, mesclado com o melhor da comédia e do adorável drama familiar, é o que torna Desperate Housewives’ uma das séries mais agradáveis e interessantes de acompanharem, desde o irreverente piloto até seu series finale.

É muito fácil julgar um livro pela capa – ou, nesse caso, uma série por seu pôster. Ao nos depararmos com os trailers e com a publicidade acerca do show criado por Marc Cherry, pensamos imediatamente em um melodrama, à la soap opera, que trará personagens unidimensionais numa linearidade monótona e previsível. Entretanto, o mais incrível é o quanto estávamos errados em duvidar das capacidades do showrunner e da aplaudível equipe artística – e, sem sombra de dúvida, daquelas que roubam a cena a todo momento: as desesperadas donas de casa. Pode esquecer da perfeição melódica e estereotipada de Mulheres Perfeitas’ ou qualquer outra obra do gênero: aqui, todas as protagonistas são diferentes entre si, mergulhando em arcos muito estruturados e sendo mais complexas que seus maridos.

Dessa forma, Cherry consegue fazer o “impossível”, por assim dizer: manter-se num nível tragicômico altíssimo e desconstruir o gênero dramático em subtramas envolventes e apaixonantes. E isso já se inicia com o episódio piloto, no qual a narradora póstuma, Mary Alice (Brenda Strong) recebe uma carta e dá um tiro em sua própria cabeça, desencadeando eventos assustadores e que mostram que ninguém é o que realmente parece ser. O suicídio inesperado poderia muito bem ser ofuscado pelas outras histórias que permeiam o pano de fundo, mas ambas as partes dividem a cena de modo igualitário, às vezes deixando um pouco mais de espaço para que a continuidade e as viradas ganhem uma estrutura mais endossada. E nesse meio que surgem os quatro rostos principais, construídos nas formas de Susan (Teri Hatcher), Bree (Marcia Cross), Gabi (Eva Longoria) e Lynette (Felicity Huffman).

Logo no primeiro capítulo, percebemos como as mulheres são muito diferentes entre si, o que, num escopo convencional, seria base para transformá-las em inimigas. Mas são essas diferenças que as unem como melhores amigas e a transtornam mais do que deveriam: Susan lida com a traição de seu ex-marido e com sua tentativa de conciliar sua vida profissional e pessoal, sendo constantemente aparada pela filha Julie (Andrea Bowen); Bree mantém-se num patamar de “a esposa e a mãe perfeita”, sem perceber que não está agradando à sua família até o pedido de divórcio do esposo; Lynette abandonou sua carreira de publicitária quando ficou grávida de gêmeos, observando a carreira de Tom (Doug Savant) enquanto mantinha-se presa em casa com filhos; e Gabi, uma ex-modelo, parece ter o casamento perfeito, mas na verdade está infeliz com um marido tão controlador e o trai com seu jardineiro, o estudante de dezessete anos John (Kyle Searles).

Seria muito fácil para uma produção como essa mergulhar num ciclo inquebrantável de fórmulas e acontecimentos clichês. Porém, Cherry arquiteta tudo com bastante esmero, sabendo exatamente quando e onde colocar as viradas, e quando se manter na comédia em detrimento de um dramalhão desnecessário. Conforme as personas encontram progresso em seus arcos, mais linhas se mostram presentes, como um novo vizinho que vem para tentar mudar a triste onda de separação de Susan, ou uma sogra que chega de surpresa para tentar descobrir uma traição imperdoável e vingar seu “filho maravilhoso”. Mas o que parece unir os coadjuvantes e protagonistas é o assassinato de Mary Alice – e o aparecimento de Mike Delfino (James Denton) parece ser a chave para desvendar os mistérios por trás da família Young.

Não é apenas a trama principal que nos rouba atenção, mas também a competência de sua parte estética e artística. Além da direção de arte, que respalda na perfeição simétrica e pré-programada das produções de décadas anteriores, com tons pastéis e vívidos – é até mesmo possível ver a transfusão cênica de Pleasantville’ para o show -, a preocupação imagética também é vista com clareza na edição, cujas múltiplas narrativas paralelas inúmeras vezes encontram flashbacks rápidos e explicativos, e até mesmo um extradiegismo que dá mais sustância para os laços psicoemocionais entre os telespectadores e os personagens.

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Danny Elfman é outro nome bastante expressivo dentro da série, trazendo suas habilidades caprichosas e fabulescas para uma trilha sonora que oscila entre um mickey-mousing estruturado e compreensivo, trazendo um teclado e um violino interessantíssimos, entrando em conflito com um violoncelo mais profundo para as surpresas e as resoluções de cada um dos episódios. Aliás, a primeira temporada encontra um terreno extremamente fértil para colocar cliffhangers em cada iteração, culminando em uma “resolução” de tirar o fôlego que já dá as cartas para o próximo ano.

‘Desperate Housewives’ talvez teve um dos melhores inícios de série do século, nos entregando muito mais do que prometera e nos fazendo apaixonar por cada uma das mulheres que moram em Wisteria Lane. E realmente, nada é o que parece ser – e nem mesmo o mais cândido dos rostos está livre de cometer atos duvidosos em prol de salvar a própria pele.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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