terça-feira , 5 novembro , 2024

Artigo | No clima de Dia das Bruxas, ‘O Mundo Sombrio de Sabrina’ é a escolha perfeita para você assistir

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O Mundo Sombrio de Sabrina definitivamente veio para abalar nossas estruturas. Afastando-se de modo considerável da série original, uma espécie de sitcom tragicômica fantástica, a nova investida da Netflix não apenas nos presenteia com uma perspectiva mais sombria e macabra, como também se respalda em vários elementos nostálgicos que homenageiam a protagonizada por Melissa Joan Hart. É fato dizer que a primeira temporada tornou-se bem controversa, principalmente por tratar sem qualquer tipo de tabu várias questões complexas, incluindo machismo, racismo e doutrinações religiosas. Ademais, a diversão e as inocentes alfinetadas são divertidíssimas e complementam atuações e diálogos bastante envolventes.

A profundidade do show já se inicia com a abertura à la anos 1960, retomando as HQs clássicas de Roberto Aguirre-Sacasa, que também fica responsável pela própria adaptação. O retorno às tramas de terror já nos é entregue nesses dois minutos de introdução antes da verdadeira narrativa ganhar forma, sem pressa alguma em relação à ocorrência dos eventos. Como já dito nas primeiras impressões, o início pode parecer um tanto coreografado demais; entretanto, a atitude é compreensível, visto que precisamos entender e mergulhar de cabeça no cosmos de Greendale e em todos os seus mistérios mais ocultos. 

Sabrina Spellman (Kiernan Shipka em uma deliciosa rendição ao mesmo tempo amargurada e delicada) está prestes a fazer dezesseis anos e deve decidir entre permanecer em sua vida mundana ou entregar-se ao Lorde das Trevas e assinar seu livro, juntando-se ao clã de bruxas e trilhando o caminho de seu pai, ex-sumo sacerdote da Igreja da Noite. Porém, por ser mestiça e constante alvo de injúrias, ela renuncia e não renuncia a seus poderes, recusando-se a ceder às pressões dos que vivem à sua volta e utilizando seu livre-arbítrio, ainda que passe a ter inúmeros inimigos, incluindo a presença obscura e nada acolhedora do Padre Blackwood (Richard Coyle) e das Irmãs Sinistras conhecidas como Prudence (Tati Gabrielle), Agatha (Adeline Rudolph) e Dorcas (Abigail Cowen). 

Uma das maiores conquistas da série é sua estruturação. Além de desenvolver um grandioso arco para cada um de seus personagens, alguns núcleos fecham-se em si próprios e partem da construção de Sabrina – A Aprendiz de Feiticeira’. Em outras palavras, é possível entender a história de um capítulo sozinho, mas deve-se acompanhar desde o início para ter uma visão mais ampla. Aguirre-Sacasa, em colaboração com uma aplaudível equipe criativa, não se equivale de subtramas clichês, buscando sempre pela originalidade e pelo choque. Não é surpresa, pois, que Mundo Sombrio’ seja explícito e tangencie o gore, com sequências explícitas de morte e de tortura. A discrição cênica é abandonada pelas “leis” do terror, incluindo cenas de possessão demoníaca, encontro com o próprio Satã e lutas com demônios tão horríveis quanto a própria natureza humana.

A narrativa também preza pelo sentimentalismo teatral, mas não se valendo do melodrama desnecessário. Os personagens têm problemas pessoais que são obrigados a enfrentar ao longo das jornadas: Sabrina, por exemplo, cresce sem o apoio dos pais e tem a vida moldada pela presença de suas tias, Zelda (Miranda Otto) e Hilda (Lucy Davis), as quais mantêm segredos acerca de seu nascimento e seu batismo. A partir disso, ela lida com o luto de forma diferente, recriando características de sua família dos sonhos a parti da menção que outras pessoas fazem. Sua personalidade altruísta muitas vezes é contestada pelos membros do coven, e admirada em segredo pela Zelda, cuja performance se entrega de corpo e alma a uma das personas mais encantadoras da série (sem trocadilhos). 

Cada um dos protagonistas e coadjuvantes, por mais que lute para viver uma vida normal dentro de suas concepções próprias, vê-se em um ciclo compulsório de enfrentar seus maiores medos e colocar à prova o que realmente acreditam. A única exceção, talvez, insurja na figura da Srta. Wardell (Michelle Gomez), a encarnação de Lilith que em momento algum deixa de dar ponto sem nó. A mãe de todos os demônios aproxima-se da heroína fingindo ajudá-la, mas arquitetando provações mortais para aproximá-la do Lorde das Trevas e deixá-la pronta para ser abraçada pelo próprio Satã. Gomez e Otto são as que mais dividem os holofotes, deixando-se levar por encenações teatrais dramáticas propositalmente floreadas e extremamente envolventes.

Ainda que seja, no geral, uma ótima iteração, ela apresenta alguns excessos. Hilda e Ambrose (Chance Perdomo) vêm como os escapes tragicômicos que suavizam a tenebrosa atmosfera, mas poderiam ser melhores utilizados; por vezes, ambos são esquecidos em prol da continuidade cênica da arquitrama, desvalorizando-os sem qualquer motivo aparente. Além disso, alguns diálogos soam falsos e autoexplicativos demais, mesmo que não tirem o peso dramático da obra. 

As inúmeras referências, também mencionadas no texto anterior, permeiam constantemente o show. As mais sutis residem em valorizar a importância do julgamento de Salem para a ambiência histórica e política tão defendida pela comunidade bruxa, enquanto as mais óbvias expandem-se para as referências fotográficas e artísticas de O Exorcista’, A Bruxa’ e outros clássicos do suspense psicológico. Em uma determinada cena, Aguirre-Sacasa faz questão de estampar na cara do público suas aspirações e sua tentativa de conexão com o máximo de fãs do gênero possível.

O Mundo Sombrio de Sabrina parece não ter o reconhecimento que merece – o que não faz o menor sentido. Apesar dos deslizes cometidos nas temporadas futuras, a série da Netflix consagra-se como uma das mais sólidas de seu catálogo, permeada por escolhas narrativas e imagéticas de tirar o fôlego e um espectro nostálgico que nos arrebata desde os primeiros minutos até o agridoce adeus.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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A profundidade do show já se inicia com a abertura à la anos 1960, retomando as HQs clássicas de Roberto Aguirre-Sacasa, que também fica responsável pela própria adaptação. O retorno às tramas de terror já nos é entregue nesses dois minutos de introdução antes da verdadeira narrativa ganhar forma, sem pressa alguma em relação à ocorrência dos eventos. Como já dito nas primeiras impressões, o início pode parecer um tanto coreografado demais; entretanto, a atitude é compreensível, visto que precisamos entender e mergulhar de cabeça no cosmos de Greendale e em todos os seus mistérios mais ocultos. 

Sabrina Spellman (Kiernan Shipka em uma deliciosa rendição ao mesmo tempo amargurada e delicada) está prestes a fazer dezesseis anos e deve decidir entre permanecer em sua vida mundana ou entregar-se ao Lorde das Trevas e assinar seu livro, juntando-se ao clã de bruxas e trilhando o caminho de seu pai, ex-sumo sacerdote da Igreja da Noite. Porém, por ser mestiça e constante alvo de injúrias, ela renuncia e não renuncia a seus poderes, recusando-se a ceder às pressões dos que vivem à sua volta e utilizando seu livre-arbítrio, ainda que passe a ter inúmeros inimigos, incluindo a presença obscura e nada acolhedora do Padre Blackwood (Richard Coyle) e das Irmãs Sinistras conhecidas como Prudence (Tati Gabrielle), Agatha (Adeline Rudolph) e Dorcas (Abigail Cowen). 

Uma das maiores conquistas da série é sua estruturação. Além de desenvolver um grandioso arco para cada um de seus personagens, alguns núcleos fecham-se em si próprios e partem da construção de Sabrina – A Aprendiz de Feiticeira’. Em outras palavras, é possível entender a história de um capítulo sozinho, mas deve-se acompanhar desde o início para ter uma visão mais ampla. Aguirre-Sacasa, em colaboração com uma aplaudível equipe criativa, não se equivale de subtramas clichês, buscando sempre pela originalidade e pelo choque. Não é surpresa, pois, que Mundo Sombrio’ seja explícito e tangencie o gore, com sequências explícitas de morte e de tortura. A discrição cênica é abandonada pelas “leis” do terror, incluindo cenas de possessão demoníaca, encontro com o próprio Satã e lutas com demônios tão horríveis quanto a própria natureza humana.

A narrativa também preza pelo sentimentalismo teatral, mas não se valendo do melodrama desnecessário. Os personagens têm problemas pessoais que são obrigados a enfrentar ao longo das jornadas: Sabrina, por exemplo, cresce sem o apoio dos pais e tem a vida moldada pela presença de suas tias, Zelda (Miranda Otto) e Hilda (Lucy Davis), as quais mantêm segredos acerca de seu nascimento e seu batismo. A partir disso, ela lida com o luto de forma diferente, recriando características de sua família dos sonhos a parti da menção que outras pessoas fazem. Sua personalidade altruísta muitas vezes é contestada pelos membros do coven, e admirada em segredo pela Zelda, cuja performance se entrega de corpo e alma a uma das personas mais encantadoras da série (sem trocadilhos). 

Cada um dos protagonistas e coadjuvantes, por mais que lute para viver uma vida normal dentro de suas concepções próprias, vê-se em um ciclo compulsório de enfrentar seus maiores medos e colocar à prova o que realmente acreditam. A única exceção, talvez, insurja na figura da Srta. Wardell (Michelle Gomez), a encarnação de Lilith que em momento algum deixa de dar ponto sem nó. A mãe de todos os demônios aproxima-se da heroína fingindo ajudá-la, mas arquitetando provações mortais para aproximá-la do Lorde das Trevas e deixá-la pronta para ser abraçada pelo próprio Satã. Gomez e Otto são as que mais dividem os holofotes, deixando-se levar por encenações teatrais dramáticas propositalmente floreadas e extremamente envolventes.

Ainda que seja, no geral, uma ótima iteração, ela apresenta alguns excessos. Hilda e Ambrose (Chance Perdomo) vêm como os escapes tragicômicos que suavizam a tenebrosa atmosfera, mas poderiam ser melhores utilizados; por vezes, ambos são esquecidos em prol da continuidade cênica da arquitrama, desvalorizando-os sem qualquer motivo aparente. Além disso, alguns diálogos soam falsos e autoexplicativos demais, mesmo que não tirem o peso dramático da obra. 

As inúmeras referências, também mencionadas no texto anterior, permeiam constantemente o show. As mais sutis residem em valorizar a importância do julgamento de Salem para a ambiência histórica e política tão defendida pela comunidade bruxa, enquanto as mais óbvias expandem-se para as referências fotográficas e artísticas de O Exorcista’, A Bruxa’ e outros clássicos do suspense psicológico. Em uma determinada cena, Aguirre-Sacasa faz questão de estampar na cara do público suas aspirações e sua tentativa de conexão com o máximo de fãs do gênero possível.

O Mundo Sombrio de Sabrina parece não ter o reconhecimento que merece – o que não faz o menor sentido. Apesar dos deslizes cometidos nas temporadas futuras, a série da Netflix consagra-se como uma das mais sólidas de seu catálogo, permeada por escolhas narrativas e imagéticas de tirar o fôlego e um espectro nostálgico que nos arrebata desde os primeiros minutos até o agridoce adeus.

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