domingo , 22 dezembro , 2024

Artigo | Nunca mais: o final explicado de ‘A Queda da Casa de Usher’, nova série de TERROR da Netflix

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Cuidado: muitos spoilers à frente.

Mike Flanagan já provou ser um realizador incrível ao encabeçar aclamados projetos de terror gótico como A Maldição da Residência Hill, Jogo Perigoso e Missa da Meia-Noite. No último dia 12 de outubro, Flanagan lançou seu último projeto em colaboração com a Netflix, A Queda da Casa de Usher, mergulhando de cabeça nos incríveis poemas e contos assinados pelo mestre da literatura Edgar Allan Poe – e, em pouco tempo, a minissérie de apenas oito episódios conquistou os assinantes da plataforma e reiterou seu importante status no cenário do entretenimento contemporâneo.



É claro que, considerando o impacto dos escritos de Poe, o tiro poderia sair pela culatra – ainda mais com o árduo de trabalho de amarrar histórias como ‘O Gato Preto’, ‘O Barril de Amontillado’ e ‘A Máscara da Morte Vermelha’ em um mesmo eixo temático, considerando que elas não fazem, teoricamente, parte do mesmo cosmos. Felizmente, Flanagan acertou em todos os pontos que se propôs a entregar aos fãs de terror e modernizou incursões atemporais em uma celebração de tudo aquilo que nos causa medo e que nos deixa acordados à noite.

Para aqueles que ainda não tiveram a oportunidade de assistir, a trama acompanha a ascensão e a queda da família Usher, comandada pelo patriarca Roderick (Bruce Greenwood) e por sua irmã gêmea, Madeline (Mary McDonnell). Após construírem um doloroso império farmacêutico que foi responsável pela morte de centenas de milhares de pessoas, Roderick percebe que cada um de seus descendentes está morrendo misteriosamente – e que isso pode estar atrelado a um inexplicável acontecimento nos anos 1970 que premeditaria seu sucesso financeiro. E, agora, trazemos a vocês a explicação dessa intrincada e belíssima trama.

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“NUNCA MAIS”

Episódio a episódio, percebemos que uma força sobrenatural acompanha Roderick – que, como podemos imaginar, será o último a morrer. A verdade é que, em meados dos anos 1970, Roderick e Madeline (aqui, interpretados por Zach Gilford e Willa Fitzgerald) trabalhavam para um magnata da indústria farmacêutica que não fez nada além de abusarem de seus projetos e de sua boa vontade para alcançar mais sucesso à custa dos outros e obter lucro sobre uma pilha crescente de corpos. Não demorou muito tempo até os gêmeos descobrirem que, para se livrarem de uma vida de subserviência, eles precisavam agir – e, após arquitetarem um plano maligno, conseguiram colocar esse magnata selado no esquecimento (literalmente, visto que eles o enterraram dentro de uma parede de tijolos).

Para se livrarem de quaisquer pistas que culminariam em acusações graves e uma provável vida na cadeia, eles seguiram para uma festa de ano novo em um bar misterioso e se encontraram com Verna (Carla Gugino em um dos melhores papéis de sua carreira), uma bartender que, de imediato, começa a se conectar com os irmãos. Após as baladas do Ano Novo, Verna lhes oferecesse um acordo sombrio, mas muito interessante: Roderick e Madeline terão a vida dos sonhos, conseguindo ultrapassar todos os obstáculos para sagrarem a si próprios. Todavia, ao alcançarem a glória que tanto almejavam, cada um dos membros de sua família seria varrido da face do planeta, levando consigo um legado que desvaneceria em um piscar de olhos. A princípio, os gêmeos aceitam a proposta, mas não acreditando em nada do que aquela mulher taciturna falara – isto é, até as profecias se concretizarem de forma brutal e chocante.

O público percebe que Verna não é quem diz ser – e, caso paremos para pensar apenas alguns segundos, chegamos à conclusão de que Verna é apenas um anagrama de Raven (corvo, na tradução em português, personagem que empresta seu nome ao título do conto ‘O Corvo’, um dos mais famosos e icônicos de Poe). Mais do que isso, Verna é a representação material de uma entidade que está fora do tempo e do espaço e que permeia a tênue linha entre o metafísico e o físico, cujas habilidades são envolventes em um misticismo aterrador e instigante.

Crítica | ‘A Queda da Casa de Usher’ é mais uma obra-prima do terror assinada por Mike Flanagan

No conto original, acompanhamos um jovem estudante que lamenta a perda de sua amada e que é confrontado pela presença agourenta de um corvo que repete constantemente a frase “nunca mais” (nevermore, no original). Funcionando como uma exploração da autodepreciação, o protagonista, que também entra como narrador, parece ter um apreço pela dor da ausência e da não-existência, à medida que faz perguntas à ave, sabendo que a resposta será sempre a mesma e que continuará alimentando um vórtice de loucura que, ao que tudo indica, termina com sua morte espiritual. Como vemos, o complexo poema ganha uma palpabilidade inesperada e bastante expressiva nas mãos de Flanagan, em que o Corvo interpretado por Gugino é a representação máxima de um círculo inquebrável cujo único objetivo é o esquecimento – ou seja, o desaparecimento do legado da Casa Usher como se ela jamais tivesse existido.

Quando o último capítulo se encerra, nada resta além de lápides; a “queda” anunciada pelo título se enforma tanto numa metáfora muito bem construída, quanto na literariedade – em que a casa de infância de Roderick e Madeline se desmantela como um castelo de cartas, frágil e efêmero, desaparecendo como um sopro.

“SONO, ESSAS PEQUENAS FATIAS DE MORTE, COMO EU AS ODEIO”

O capítulo de estreia de A Queda da Casa de Usher já começa com uma grande revelação: todos os filhos de Roderick morreram – mas suas almas continuam a assombrá-lo, para lembrá-lo dos pecados que cometeu em vida e que fugir de seu destino selado não é uma opção. Essa investida é um dos elementos mais brilhantes da minissérie e nos faz querer saborear os episódios com atenção redobrada para as reviravoltas e as conclusões de cada um dos filhos.

No fundo, é notável as críticas que Flanagan promove ao capitalismo predatório e ao niilismo adotado pelo realizador, abraçando a máxima “do pó viestes, ao pó retornarás”. De modo antológico e, ao mesmo tempo, seriado, as narrativas emergem como um conglomerado de traições, mentiras e conluios que em momento algum revelam qualquer empatia dos protagonistas, mas sim uma necessidade de sobrevivência que se sobrepõe à própria essência humana – uma espécie de “darwinismo social” que recai sobre a família Usher.

Temos, por exemplo, Prospero (Sauriyan Sapkota), o filho bastardo mais novo de Roderick que não tem a manha para os negócios como o pai ou a tia e que move-se através da imprudência e do hedonismo – morrendo de forma trágica e assustadora após organizar uma orgia entre celebridades e membros da elite para chantageá-los; Kate Siegel retorna em mais uma colaboração com Flanagan como Camille L’Espanaye, outra filha bastarda que trabalha nas relações públicas da empresa da família e que utiliza o próprio nome como passe livre para cometer atrocidades e para reafirmar seu poder frente aos outros; T’Nia Miller interpreta Victorine LaFourcade, uma médica ultraperfeccionista que não aceita errar e não aceita ser contrariada; Rahul Kohli encarna Leo Usher, a estrela da adaptação de ‘O Gato Preto’, que nunca se dispôs a criar algo além de patrocinar gênios da tecnologia e se esquecer dos problemas com as drogas.

Por fim, temos os filhos legítimos de Roderick, Tamerlane (Samantha Sloyan) e Frederick (Henry Thomas), que nutrem de um desprezo pelos meio-irmãos e não os enxergam como membros da família – além de constantemente desmoralizá-los como incapazes de se sentarem ao trono imortalizado pelo pai. É muito claro como personalidades tão odiáveis preenchem as telas em alegorias profundas sobre ambição, vingança, egolatria, desespero, aflição e apatia – cada tema servindo de amparo ao próximo ao passo que engendra o declínio da realeza-mor, Roderick e Madeline (o rei e a rainha que, mesmo com todas as tentativas, serão esquecidos em uma mixórdia de falcatruas, falência e escândalos).

Lembrando que a série já está disponível na Netflix.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Mike Flanagan já provou ser um realizador incrível ao encabeçar aclamados projetos de terror gótico como A Maldição da Residência Hill, Jogo Perigoso e Missa da Meia-Noite. No último dia 12 de outubro, Flanagan lançou seu último projeto em colaboração com a Netflix, A Queda da Casa de Usher, mergulhando de cabeça nos incríveis poemas e contos assinados pelo mestre da literatura Edgar Allan Poe – e, em pouco tempo, a minissérie de apenas oito episódios conquistou os assinantes da plataforma e reiterou seu importante status no cenário do entretenimento contemporâneo.

É claro que, considerando o impacto dos escritos de Poe, o tiro poderia sair pela culatra – ainda mais com o árduo de trabalho de amarrar histórias como ‘O Gato Preto’, ‘O Barril de Amontillado’ e ‘A Máscara da Morte Vermelha’ em um mesmo eixo temático, considerando que elas não fazem, teoricamente, parte do mesmo cosmos. Felizmente, Flanagan acertou em todos os pontos que se propôs a entregar aos fãs de terror e modernizou incursões atemporais em uma celebração de tudo aquilo que nos causa medo e que nos deixa acordados à noite.

Para aqueles que ainda não tiveram a oportunidade de assistir, a trama acompanha a ascensão e a queda da família Usher, comandada pelo patriarca Roderick (Bruce Greenwood) e por sua irmã gêmea, Madeline (Mary McDonnell). Após construírem um doloroso império farmacêutico que foi responsável pela morte de centenas de milhares de pessoas, Roderick percebe que cada um de seus descendentes está morrendo misteriosamente – e que isso pode estar atrelado a um inexplicável acontecimento nos anos 1970 que premeditaria seu sucesso financeiro. E, agora, trazemos a vocês a explicação dessa intrincada e belíssima trama.

“NUNCA MAIS”

Episódio a episódio, percebemos que uma força sobrenatural acompanha Roderick – que, como podemos imaginar, será o último a morrer. A verdade é que, em meados dos anos 1970, Roderick e Madeline (aqui, interpretados por Zach Gilford e Willa Fitzgerald) trabalhavam para um magnata da indústria farmacêutica que não fez nada além de abusarem de seus projetos e de sua boa vontade para alcançar mais sucesso à custa dos outros e obter lucro sobre uma pilha crescente de corpos. Não demorou muito tempo até os gêmeos descobrirem que, para se livrarem de uma vida de subserviência, eles precisavam agir – e, após arquitetarem um plano maligno, conseguiram colocar esse magnata selado no esquecimento (literalmente, visto que eles o enterraram dentro de uma parede de tijolos).

Para se livrarem de quaisquer pistas que culminariam em acusações graves e uma provável vida na cadeia, eles seguiram para uma festa de ano novo em um bar misterioso e se encontraram com Verna (Carla Gugino em um dos melhores papéis de sua carreira), uma bartender que, de imediato, começa a se conectar com os irmãos. Após as baladas do Ano Novo, Verna lhes oferecesse um acordo sombrio, mas muito interessante: Roderick e Madeline terão a vida dos sonhos, conseguindo ultrapassar todos os obstáculos para sagrarem a si próprios. Todavia, ao alcançarem a glória que tanto almejavam, cada um dos membros de sua família seria varrido da face do planeta, levando consigo um legado que desvaneceria em um piscar de olhos. A princípio, os gêmeos aceitam a proposta, mas não acreditando em nada do que aquela mulher taciturna falara – isto é, até as profecias se concretizarem de forma brutal e chocante.

O público percebe que Verna não é quem diz ser – e, caso paremos para pensar apenas alguns segundos, chegamos à conclusão de que Verna é apenas um anagrama de Raven (corvo, na tradução em português, personagem que empresta seu nome ao título do conto ‘O Corvo’, um dos mais famosos e icônicos de Poe). Mais do que isso, Verna é a representação material de uma entidade que está fora do tempo e do espaço e que permeia a tênue linha entre o metafísico e o físico, cujas habilidades são envolventes em um misticismo aterrador e instigante.

Crítica | ‘A Queda da Casa de Usher’ é mais uma obra-prima do terror assinada por Mike Flanagan

No conto original, acompanhamos um jovem estudante que lamenta a perda de sua amada e que é confrontado pela presença agourenta de um corvo que repete constantemente a frase “nunca mais” (nevermore, no original). Funcionando como uma exploração da autodepreciação, o protagonista, que também entra como narrador, parece ter um apreço pela dor da ausência e da não-existência, à medida que faz perguntas à ave, sabendo que a resposta será sempre a mesma e que continuará alimentando um vórtice de loucura que, ao que tudo indica, termina com sua morte espiritual. Como vemos, o complexo poema ganha uma palpabilidade inesperada e bastante expressiva nas mãos de Flanagan, em que o Corvo interpretado por Gugino é a representação máxima de um círculo inquebrável cujo único objetivo é o esquecimento – ou seja, o desaparecimento do legado da Casa Usher como se ela jamais tivesse existido.

Quando o último capítulo se encerra, nada resta além de lápides; a “queda” anunciada pelo título se enforma tanto numa metáfora muito bem construída, quanto na literariedade – em que a casa de infância de Roderick e Madeline se desmantela como um castelo de cartas, frágil e efêmero, desaparecendo como um sopro.

“SONO, ESSAS PEQUENAS FATIAS DE MORTE, COMO EU AS ODEIO”

O capítulo de estreia de A Queda da Casa de Usher já começa com uma grande revelação: todos os filhos de Roderick morreram – mas suas almas continuam a assombrá-lo, para lembrá-lo dos pecados que cometeu em vida e que fugir de seu destino selado não é uma opção. Essa investida é um dos elementos mais brilhantes da minissérie e nos faz querer saborear os episódios com atenção redobrada para as reviravoltas e as conclusões de cada um dos filhos.

No fundo, é notável as críticas que Flanagan promove ao capitalismo predatório e ao niilismo adotado pelo realizador, abraçando a máxima “do pó viestes, ao pó retornarás”. De modo antológico e, ao mesmo tempo, seriado, as narrativas emergem como um conglomerado de traições, mentiras e conluios que em momento algum revelam qualquer empatia dos protagonistas, mas sim uma necessidade de sobrevivência que se sobrepõe à própria essência humana – uma espécie de “darwinismo social” que recai sobre a família Usher.

Temos, por exemplo, Prospero (Sauriyan Sapkota), o filho bastardo mais novo de Roderick que não tem a manha para os negócios como o pai ou a tia e que move-se através da imprudência e do hedonismo – morrendo de forma trágica e assustadora após organizar uma orgia entre celebridades e membros da elite para chantageá-los; Kate Siegel retorna em mais uma colaboração com Flanagan como Camille L’Espanaye, outra filha bastarda que trabalha nas relações públicas da empresa da família e que utiliza o próprio nome como passe livre para cometer atrocidades e para reafirmar seu poder frente aos outros; T’Nia Miller interpreta Victorine LaFourcade, uma médica ultraperfeccionista que não aceita errar e não aceita ser contrariada; Rahul Kohli encarna Leo Usher, a estrela da adaptação de ‘O Gato Preto’, que nunca se dispôs a criar algo além de patrocinar gênios da tecnologia e se esquecer dos problemas com as drogas.

Por fim, temos os filhos legítimos de Roderick, Tamerlane (Samantha Sloyan) e Frederick (Henry Thomas), que nutrem de um desprezo pelos meio-irmãos e não os enxergam como membros da família – além de constantemente desmoralizá-los como incapazes de se sentarem ao trono imortalizado pelo pai. É muito claro como personalidades tão odiáveis preenchem as telas em alegorias profundas sobre ambição, vingança, egolatria, desespero, aflição e apatia – cada tema servindo de amparo ao próximo ao passo que engendra o declínio da realeza-mor, Roderick e Madeline (o rei e a rainha que, mesmo com todas as tentativas, serão esquecidos em uma mixórdia de falcatruas, falência e escândalos).

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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