sábado , 23 novembro , 2024

Artigo | ‘O Estranho Mundo de Jack’: um macabro e magnífico conto de Natal

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Halloween Town é uma cidade como você nunca viu antes. Nela, o Dia dos Mortos acontece todos os dias, reunindo as criaturas mais horripilantes que insistem em invadir nossos sonhos e transformá-los em perturbadores pesadelos, e cada habitante da medonha comunidade sai dos esgotos, dos obscuros castelos e dos profundos lagos para confraternizar e celebrar a presença de Jack Skellington, o Rei das Abóboras e monarca responsável pela manutenção da boa convivência entre cada uma das criaturas. E é claro que tais personagens não poderiam ter surgido de outra mente senão a de Tim Burton que, apesar de não entrar como roteirista ou diretor, já começou a cultivar seu extraordinário nome com uma narrativa ao mesmo tempo encantadora e distorcida ao extremo – que ganhou o nome de O Estranho Mundo de Jack.

Após uma incrível introdução desse mundo com a canção This Is Halloween”, a partir do qual somos apresentados a cada um dos personagens – e a prováveis tramas que ganharão mais força conforme a narrativa se desenrola -, Jack percebe que sua vida mantém-se numa constante monotonia, levando-o a perambular pelos enevoados montes de seu reino, cantando sobre gostaria de como as coisas fossem diferentes até que, chegando em uma clareira no meio de uma floresta outonal, na qual descobre a passagem para diversos outros reinos, inexplorados, desconhecidos – e novos.



É justamente aí que Jack, dublado em conjunto por Danny Elfman durante as canções e Chris Sarandon nos diálogos, descobre Christmas Town que, como o nome já precede, é lar do Papai Noel e de seus ajudantes, além de ser diferente de tudo que o personagem já viu. Ao chegar lá, depara-se com luzes pisca-pisca, neve, presentes e um trabalho árduo que se mantém durante o ano todo e atravessa as dimensões para chegar aos meninos e meninas do mundo terrestre – coisa que apenas acontece uma vez ao ano para os moradores de Halloween Town. É nesse momento que Jack tem a brilhante ideia de levar essas comemorações para seus súditos e amigos, sequestrando o jocosamente intitulado Sandy Claws (Garras de Areia, numa tradução livre) e tomando controle de toda a produção natalina.

É bastante perceptível as inclinações do diretor Henry Selick para o expressionismo alemão – aliás, é muito difícil encontrar alguma sequência que não respalde nessa estética. Os cenários, tortuosos, distorcidos, cheios de curvas e uma neblina indissociável que aumenta todo o misticismo acerca dos personagens. Jack, em união a seu par romântico, Sally (Catherine O’Hara), constituem uma bizarra e inesperada versão de Romeu e Julieta, dançando pelas lápides do cemitério que cerceia a cidade enquanto ambos constroem um arco dramático e deliciosamente envolvente que culmina em uma tragédia cômica.

A trama não se mantém na linearidade desses personagens, abrindo margens para a insurgência de antagonistas múltiplos. Jack, por um lado, funciona como vilão de sua própria história ao querer mexer no status quo e, ainda que suas intenções sejam as melhores, isso ocasiona uma quebra brusca naquilo a que todos estavam acostumados. Porém, é Oogie Boogie (Ken Page), uma versão mais assustadora do que conhecemos como Bicho-Papão, que transforma-se na verdadeira figura vilanesca. Desde sua concepção imagética, uma fluida sombra que transmuta-se num lençol maltrapilho perscrutado por nojentos insetos, até seus momentos de glória, Oogie deseja matar o Papai Noel, destituir Jack e tomar controle de Halloween Town.

O antagonista vive nas profundezas de um abismo, solitário e responsável por assombrar os pensamentos de todos que ousarem pronunciar seu nome. Assim que Jack percebe o que fez, desagradando aos moradores de sua cidade, ele volta para buscar Papai Noel, agora nas garras de Oogie, e trava uma épica luta regada a canções emocionantes e diálogos extremamente ácidos. E, como se não bastasse, cada uma das falas encontra uma teatralidade incrivelmente bem estruturada, conversando com a estilização dos cenários e as opções de paleta de cor que se engolfam em divertidas construções estroboscópicas apaixonantes e bastante bem-vindas. O mais interessante é observar como todos os elementos conversam entre si, desde as músicas orquestradas também por Elfman até o lapidado roteiro de Caroline Thompson.

De qualquer forma, a preocupação cênica também pode ser encontrada na  própria direção. Selick busca se afastar do convencionalismo romântico-dramático de narrativas similares, brincando com a câmera à medida que os personagens dançam nos atos de ballet, procurando alcançar o que desejam e depois arrependendo-se de pensamentos apressados e procurando por redenção. A profundidade da obra permanece fincada à sua sutileza – e, caso não seja percebida, o público ainda se sente bastante satisfeito com as aventuras de cada um dos habitantes de Halloween Town.

O Estranho Mundo de Jack é um auto de Natal como nunca antes visto cuja premissa funde dois cosmos bastante conhecidos pelas pessoas em uma jornada heroica de autoconhecimento e sacrifício que, ainda que não faça parte de sua própria filmografia, é uma das melhores obras de Tim Burton.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Após uma incrível introdução desse mundo com a canção This Is Halloween”, a partir do qual somos apresentados a cada um dos personagens – e a prováveis tramas que ganharão mais força conforme a narrativa se desenrola -, Jack percebe que sua vida mantém-se numa constante monotonia, levando-o a perambular pelos enevoados montes de seu reino, cantando sobre gostaria de como as coisas fossem diferentes até que, chegando em uma clareira no meio de uma floresta outonal, na qual descobre a passagem para diversos outros reinos, inexplorados, desconhecidos – e novos.

É justamente aí que Jack, dublado em conjunto por Danny Elfman durante as canções e Chris Sarandon nos diálogos, descobre Christmas Town que, como o nome já precede, é lar do Papai Noel e de seus ajudantes, além de ser diferente de tudo que o personagem já viu. Ao chegar lá, depara-se com luzes pisca-pisca, neve, presentes e um trabalho árduo que se mantém durante o ano todo e atravessa as dimensões para chegar aos meninos e meninas do mundo terrestre – coisa que apenas acontece uma vez ao ano para os moradores de Halloween Town. É nesse momento que Jack tem a brilhante ideia de levar essas comemorações para seus súditos e amigos, sequestrando o jocosamente intitulado Sandy Claws (Garras de Areia, numa tradução livre) e tomando controle de toda a produção natalina.

É bastante perceptível as inclinações do diretor Henry Selick para o expressionismo alemão – aliás, é muito difícil encontrar alguma sequência que não respalde nessa estética. Os cenários, tortuosos, distorcidos, cheios de curvas e uma neblina indissociável que aumenta todo o misticismo acerca dos personagens. Jack, em união a seu par romântico, Sally (Catherine O’Hara), constituem uma bizarra e inesperada versão de Romeu e Julieta, dançando pelas lápides do cemitério que cerceia a cidade enquanto ambos constroem um arco dramático e deliciosamente envolvente que culmina em uma tragédia cômica.

A trama não se mantém na linearidade desses personagens, abrindo margens para a insurgência de antagonistas múltiplos. Jack, por um lado, funciona como vilão de sua própria história ao querer mexer no status quo e, ainda que suas intenções sejam as melhores, isso ocasiona uma quebra brusca naquilo a que todos estavam acostumados. Porém, é Oogie Boogie (Ken Page), uma versão mais assustadora do que conhecemos como Bicho-Papão, que transforma-se na verdadeira figura vilanesca. Desde sua concepção imagética, uma fluida sombra que transmuta-se num lençol maltrapilho perscrutado por nojentos insetos, até seus momentos de glória, Oogie deseja matar o Papai Noel, destituir Jack e tomar controle de Halloween Town.

O antagonista vive nas profundezas de um abismo, solitário e responsável por assombrar os pensamentos de todos que ousarem pronunciar seu nome. Assim que Jack percebe o que fez, desagradando aos moradores de sua cidade, ele volta para buscar Papai Noel, agora nas garras de Oogie, e trava uma épica luta regada a canções emocionantes e diálogos extremamente ácidos. E, como se não bastasse, cada uma das falas encontra uma teatralidade incrivelmente bem estruturada, conversando com a estilização dos cenários e as opções de paleta de cor que se engolfam em divertidas construções estroboscópicas apaixonantes e bastante bem-vindas. O mais interessante é observar como todos os elementos conversam entre si, desde as músicas orquestradas também por Elfman até o lapidado roteiro de Caroline Thompson.

De qualquer forma, a preocupação cênica também pode ser encontrada na  própria direção. Selick busca se afastar do convencionalismo romântico-dramático de narrativas similares, brincando com a câmera à medida que os personagens dançam nos atos de ballet, procurando alcançar o que desejam e depois arrependendo-se de pensamentos apressados e procurando por redenção. A profundidade da obra permanece fincada à sua sutileza – e, caso não seja percebida, o público ainda se sente bastante satisfeito com as aventuras de cada um dos habitantes de Halloween Town.

O Estranho Mundo de Jack é um auto de Natal como nunca antes visto cuja premissa funde dois cosmos bastante conhecidos pelas pessoas em uma jornada heroica de autoconhecimento e sacrifício que, ainda que não faça parte de sua própria filmografia, é uma das melhores obras de Tim Burton.

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