sábado, abril 27, 2024

Artigo | Os 20 anos de ‘Embriagado de Amor’, elogiada dramédia romântica com Adam Sandler

Cena: um homem observa um veículo deixar um harmônio na sarjeta de uma rua deserta. Logo depois de perceber que aquele objeto permanecerá ali até que alguém tome uma atitude, ele sai do pequeno alojamento que possui como lugar de trabalho, caminha até lá e espera até que ninguém esteja vendo para tomar o instrumento em mãos e voltar correndo para sua sala e tentar tocá-lo sem qualquer sucesso. É exatamente desse modo que o primeiro ato de Embriagado de Amor’ se desenrola, já dando o tom de uma dramédia romântica nem um pouco convencional e que traz personagens completamente inesperados dentro de um escopo único e com uma perspectiva que eventualmente consegue se equilibrar nas saídas mais bizarras e impossíveis imagináveis.

Paul Thomas Anderson sempre teve sua própria estética fílmica, consagrando-se como um grande quebrador de tabus e de paradigmas cinematográficos com obras como Boogie Nights – Prazer sem Limites’ e Magnólia’. Sua mais nova investida pode não ter agradado a todos, mas mais uma vez ele se dispõe de um espaço bastante amplo para utilizar de incríveis técnicas e reafirmar seu nome como um dos cineastas mais aplaudíveis de sua geração. E além disso, Thomas Anderson também dá margens para que certos nomes da indústria estigmatizados por uma preferência narrativa explorem sua versatilidade performática – e sim, estou me referindo com todas as palavras à entrega inesperada de Adam Sandler ao seu papel.

A trama principal gira em torno de Barry Egan (Sandler), um inventor decadente e psicologicamente conturbado que odeia sua vida. Ele procura equilíbrio em pequenas coisas, como o harmônio mencionado lá em cima, mas sofre com os constantes maus-tratos recebidos por suas sete irmãs – que mascaram tais abusos com uma falsa preocupação e inclusive tiram sarro de sua condição desequilibrada – e com a falta de prospecto profissional. Tudo muda drasticamente quando passa por alguns acontecimentos interessantes e que chocam o espectador pela inverossimilhança, tornando a atmosfera tanto cômica quando dramática em um nível consideravelmente equilibrado. Um dos eventos envolve o instrumento em questão; logo depois, ele descobre uma brecha na indústria alimentícia e resolve se aproveitar disso comprando dezenas de latas de pudim para conseguir milhas aéreas. Mas talvez o mais transformador venha no começo do segundo ato.

Após o fiasco de uma festa de família que dá abertura para Barry mostrar sua raiva contida e aumentar ainda mais a complexidade de sua figura contraditória, ele percebe que sua vida pessoal e amorosa também vai de mal a pior e resolve contatar um serviço de telessexo como forme de desabafar acerca do que sente e ter alguém para conversar. É desse jeito que ele se envolve em uma situação de vida e morte que envolve chantagens, agiotas e perseguidores – e isso tudo por conta de um esquema que traz como protagonista a sua carência emocional e uma atendente muito perigosa.

Além dessa parte mais trágica e mais sofrida de toda sua inesquecível trajetória, nosso anti-herói também conhece alguém com uma personalidade tão flutuante e fluida quanto a sua, a envolvente Lena Leonard (Emily Watson), que na verdade também arquiteta seu próprio plano para conhecê-lo e que, se analisarmos de modo mais analítico, é a personificação abrandada de uma obsessiva stalker. Mas a ideia de Thomas Anderson, que também fica responsável pelo roteiro, é justamente essa: colocar pessoas problemáticas dentro de um arco que aparenta ser clichê, mas que se mostra diferente de outras obras do gênero. Desse modo, espere sim um pano de fundo conhecido, incluindo os obstáculos e o tão aguardado “final feliz”; entretanto, preste muita atenção em seu miolo, porque é ele que se mostra completamente original.

Sem dúvida alguma, os deslizes se mostram de forma clara, principalmente em alguns diálogos mal colocados e delineados que se tornam ambíguos e repetitivos, visto que representam uma extensão das construções imagéticas. Ainda que as atuações sigam um nível interessante e mantenham-se dentro do escopo que lhes é entregue, é triste ver como alguns momentos são desperdiçados em prol de uma impossibilidade que não desenvolve nenhum tipo de relação com o público, como por exemplo as sequências em que Barry resolve ir para o Havaí ou até mesmo após se encontrar com a gangue de sicários que resolve persegui-lo por causa de dinheiro.

Entretanto, com exceção desses problemas estruturais, o filme excede no quesito técnica. Como já dito, Thomas Anderson possui um olho incrível em relação à construção de planos e enquadramentos, e utiliza muito bem de uma investida onírica, pautada na mistura de cores frias e quentes e de uma sutil névoa que toma conta das cenas por grande parte da narrativa, como forma de ressaltar a personalidade intangível de seu protagonista. Essa amálgama também é reafirmada pelos incríveis planos-sequência que captam toda a essência atmosférica e também abre espaço para mostrar a diferença dos cenários, ainda que mantenha uma mesma identidade – seja pela simetria, seja pela paleta de cores.

Não deixe de assistir:

Ao contrário de outras obras desse gênero, que normalmente opta por tons mais pastéis, o diretor trabalha com grande afeição por cores mais saturadas, principalmente o azul – que acompanha o protagonista em toda a sua vida e surge como resquício dialógico para reafirmar seu paradoxo interior, visto que esse tom normalmente é utilizado com sutileza. Toda a construção arquetípica de Barry encontra seu complemento na figura de Lena, incluindo sua caracterização permanecida dentro de um escopo vermelho, permitindo que se trabalhe tanto as personalidades opostas quanto suas peculiaridades eventualmente complementares.

‘Embriagado de Amor’ é uma narrativa que nos deixa em um estado inebriante de confusão e admiração. Ainda que tenha seus altos e baixos, Paul Thomas Anderson consegue nos entregar a uma história muito interessante e que nos envolve a cada minuto que passa pelo inexplicável e pelo impossível – mesmo que às vezes ele opte por uma impossibilidade extrema e desnecessária.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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