quinta-feira , 26 dezembro , 2024

Artigo | Os 22 anos de ‘Hook – A Volta do Capitão Gancho’, clássico de Steven Spielberg

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Em 1911, o irreverente e rebelde Peter Pan ganhava as graças de uma gama de leitores que definitivamente tinham uma afeição por contos de fada. O novelista inglês J.M. Barrie tornou-se um nome muito conhecido em meio à sociedade britânica e seus escritos alcançaram um patamar atemporal ao serem lidos e relidos inúmeras vezes para o cinema e para a televisão – e seu legado foi endossado mais uma vez à medida em que todo o cosmos aventuresco que arquitetou permitiu uma crescente expansão até cair nas mãos de um conhecido nome na indústria dos blockbusters: Steven Spielberg. Partindo da fábula original, o cineasta resolveu trazer uma nova perspectiva para as telonas ao trazer o personagem-título para uma aventura de autodescobrimento e amadurecimento – e ainda que não funcione completamente, sua mais nova obra é, sem dúvida, agradável.

Com Hook – A Volta do Capitão Gancho’, viajamos para uma época mais contemporânea onde uma versão adulta de Peter Pan, intitulada Peter Banning, é um homem de negócios com uma carreira bem-sucedida e que eventualmente coloca sua família em segundo lugar. É claro que essa informação de que o protagonista é na verdade uma versão engessada do “garoto que nunca cresce” deve carregar tanto o semblante de um homem bombardeado pelas necessidades e pelos afazeres de uma sociedade individualista quanto as feições de uma criança perdida – e, nesse quesito, Robin Williams simplesmente acerta em cheio. É claro que, considerando seus papéis anteriores e até mesmo posteriores, fica difícil enxergá-lo dentro de um drama puro, e é justamente que a opção por uma dramédia vem em boa hora, até mesmo para tornar o personagem que encarna ainda mais complexo.



Peter é casado com Moira Banning (Caroline Goodall), uma mãe que se preocupa muito com o relacionamento entre seu marido e os filhos, percebendo pequenos detalhes que farão diferença em determinado momento – no caso, mais cedo do que se imagina. “Daqui poucos anos, eles serão adultos. Tudo passa muito rápido”, ela diz, criticando o marido por causa de sua incessante preocupação acerca do trabalho e da manutenção do status que seu nome carrega. E é claro que essa personalidade amargurada e até mesmo ofensiva encontra tanto um guia quanto um terrível obstáculo: o primeiro emerge na figura da Vovó Wendy Darling (Maggie Smith), uma senhora de idade que, apesar das rugas, nunca abandonou os seus sonhos e jamais deixou seus sonhos serem apagados. É incrível como Smith, mesmo com pouquíssimo tempo de cena, insurge como um dos ápices de uma narrativa desequilibrada e com certos deslizes rítmicos, principalmente por sua envolvência quanto atriz e pelos seus diálogos carregados com poesia e metáforas.

O outro fator decisivo para a brusca mudança de Peter dá as caras no início do segundo ato: como já é de se esperar, o temido e ardiloso Capitão Gancho, cujo nome em inglês é emprestado para o título do filme, retornou de algum modo de seu infame encontro com o crocodilo Tic Tac para orquestrar uma vingança contra seu arqui-inimigo, começando pela captura de seus filhos. Ainda que suas ambições se percam em meio a um roteiro cru, não podemos tirar mérito do incrível Dustin Hoffman, visto que sua perfeita caracterização consegue perpassar o âmbito cômico e o dramático de forma equilibrada e que consiga envolver o público e afastá-lo dos aparentes erros. Entretanto, o antagonista basicamente se vale de seus charmes e de seu poder de convencimento chantagista para atacar Peter, canalizando seus esforços para fazer seu filho Jack (Charlie Korsmo) voltar-se contra o próprio pai.

Ainda que os livros de Barrie sejam pautados em inúmeras críticas, a dupla formada por Jim V. Hart e Malia Scotch Marmo abandona essas pequenas sutilezas e rende-se a vários clichês do gênero de aventura, incluindo a entrada de extensas cenas de luta em detrimento da coesão narrativa. A partir de certo ponto, perdemos a conta da quantidade de furos no roteiro que se mostram aparentes pela falta de cuidado e pela altivez exacerbada da estética fílmica: se o miolo do longa-metragem traz referências incríveis à jornada do herói e permite que o protagonista retorne para seu escopo pueril e inocente, os atos extremos ou são apressados, ou monótonos. Nem mesmo a apurada direção de Spielberg parece encontrar um lugar adequado aqui – seja nos planos-sequência (que talvez sejam sua grande marca registrada), seja pelos enquadramentos mais fechados.

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Se Hook’ peca em sua história, definitivamente excede no quesito direção de arte. A utilização de efeitos visuais não é pedante em nenhum momento, visto que os caprichos permanecem na criação de objetos de cena e em grande parte dos cenários: seja dentro da embarcação de Gancho, no píer habitado pelos piratas ou até mesmo na morada dos Garotos Perdidos, Norman Garwood consegue trabalhar cada um dos aspectos de modo soberbo; cada um dos sets principais conversa com uma época fantasiosa sem se valer das impossibilidades cênicas e mesmo assim abrindo margem para que alguns elementos mais contemporâneos entrem no cosmos da Terra do Nunca – como, por exemplo, as bolinha de gude e uma paleta de cores de pigmentação mais forte para contrastar com o uso constante de marrom e amarelo-alaranjado.

Apesar desse cuidado estilístico, o filme tem seus desperdícios – sendo Julia Roberts um deles. A atriz dá vida à famosa e brincalhona fada Sininho, que representa um arquétipo da guardiã e da conselheira de Peter; mas seus trejeitos em cena são muito exagerados e over-the-top, o que se afasta de uma fluidez e de um naturalismo cômico dos outros personagens, incluindo Williams, para fincar-se a uma infeliz canastrice. Roberts faz um uso desnecessário de movimentos com os braços que parecem traduzir seus diálogos de modo errôneo e redundante (por exemplo ao convencer Gancho de lhe dar algum tempo para colocar Pan em forma).

Nem mesmo a trilha sonora consegue alcançar todo o seu potencial e permanece em uma tentativa constante de exprimir catarse para o público. Ainda que John Williams seja um mestre compositor inegável e retorne para mais um trabalho ao lado de Spielberg, ele parece não querer explorar muito uma musicalidade enigmática, preferindo apenas realizar algumas investidas genéricas ao utilizar instrumentos premeditáveis para certas ocasiões – como a grave acentuação do violoncelo para os momentos de tensão e o retorno dos fabulescos violinos para uma atmosfera mais simples ou mais alegre. De qualquer forma, é inesquecível mencionar aqui que o primeiro ato é respaldado por uma risível composição que se assemelha ao escopo sinfônico de basicamente qualquer comédia romântica generalizada.

Spielberg pode não estar em seu melhor momento com Hook – A Volta do Capitão Gancho’, mas certamente sabe apostar em determinados elementos para não deixá-lo à mercê de um fracasso total. Mesmo com seus deslizes, o incrível elenco emociona com atuações envolventes e competentes – e sem sombra de dúvida os esforços acerca da recriação de lúdica atmosfera da Terra do Nunca funcionam em quase sua totalidade.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Com Hook – A Volta do Capitão Gancho’, viajamos para uma época mais contemporânea onde uma versão adulta de Peter Pan, intitulada Peter Banning, é um homem de negócios com uma carreira bem-sucedida e que eventualmente coloca sua família em segundo lugar. É claro que essa informação de que o protagonista é na verdade uma versão engessada do “garoto que nunca cresce” deve carregar tanto o semblante de um homem bombardeado pelas necessidades e pelos afazeres de uma sociedade individualista quanto as feições de uma criança perdida – e, nesse quesito, Robin Williams simplesmente acerta em cheio. É claro que, considerando seus papéis anteriores e até mesmo posteriores, fica difícil enxergá-lo dentro de um drama puro, e é justamente que a opção por uma dramédia vem em boa hora, até mesmo para tornar o personagem que encarna ainda mais complexo.

Peter é casado com Moira Banning (Caroline Goodall), uma mãe que se preocupa muito com o relacionamento entre seu marido e os filhos, percebendo pequenos detalhes que farão diferença em determinado momento – no caso, mais cedo do que se imagina. “Daqui poucos anos, eles serão adultos. Tudo passa muito rápido”, ela diz, criticando o marido por causa de sua incessante preocupação acerca do trabalho e da manutenção do status que seu nome carrega. E é claro que essa personalidade amargurada e até mesmo ofensiva encontra tanto um guia quanto um terrível obstáculo: o primeiro emerge na figura da Vovó Wendy Darling (Maggie Smith), uma senhora de idade que, apesar das rugas, nunca abandonou os seus sonhos e jamais deixou seus sonhos serem apagados. É incrível como Smith, mesmo com pouquíssimo tempo de cena, insurge como um dos ápices de uma narrativa desequilibrada e com certos deslizes rítmicos, principalmente por sua envolvência quanto atriz e pelos seus diálogos carregados com poesia e metáforas.

O outro fator decisivo para a brusca mudança de Peter dá as caras no início do segundo ato: como já é de se esperar, o temido e ardiloso Capitão Gancho, cujo nome em inglês é emprestado para o título do filme, retornou de algum modo de seu infame encontro com o crocodilo Tic Tac para orquestrar uma vingança contra seu arqui-inimigo, começando pela captura de seus filhos. Ainda que suas ambições se percam em meio a um roteiro cru, não podemos tirar mérito do incrível Dustin Hoffman, visto que sua perfeita caracterização consegue perpassar o âmbito cômico e o dramático de forma equilibrada e que consiga envolver o público e afastá-lo dos aparentes erros. Entretanto, o antagonista basicamente se vale de seus charmes e de seu poder de convencimento chantagista para atacar Peter, canalizando seus esforços para fazer seu filho Jack (Charlie Korsmo) voltar-se contra o próprio pai.

Ainda que os livros de Barrie sejam pautados em inúmeras críticas, a dupla formada por Jim V. Hart e Malia Scotch Marmo abandona essas pequenas sutilezas e rende-se a vários clichês do gênero de aventura, incluindo a entrada de extensas cenas de luta em detrimento da coesão narrativa. A partir de certo ponto, perdemos a conta da quantidade de furos no roteiro que se mostram aparentes pela falta de cuidado e pela altivez exacerbada da estética fílmica: se o miolo do longa-metragem traz referências incríveis à jornada do herói e permite que o protagonista retorne para seu escopo pueril e inocente, os atos extremos ou são apressados, ou monótonos. Nem mesmo a apurada direção de Spielberg parece encontrar um lugar adequado aqui – seja nos planos-sequência (que talvez sejam sua grande marca registrada), seja pelos enquadramentos mais fechados.

Se Hook’ peca em sua história, definitivamente excede no quesito direção de arte. A utilização de efeitos visuais não é pedante em nenhum momento, visto que os caprichos permanecem na criação de objetos de cena e em grande parte dos cenários: seja dentro da embarcação de Gancho, no píer habitado pelos piratas ou até mesmo na morada dos Garotos Perdidos, Norman Garwood consegue trabalhar cada um dos aspectos de modo soberbo; cada um dos sets principais conversa com uma época fantasiosa sem se valer das impossibilidades cênicas e mesmo assim abrindo margem para que alguns elementos mais contemporâneos entrem no cosmos da Terra do Nunca – como, por exemplo, as bolinha de gude e uma paleta de cores de pigmentação mais forte para contrastar com o uso constante de marrom e amarelo-alaranjado.

Apesar desse cuidado estilístico, o filme tem seus desperdícios – sendo Julia Roberts um deles. A atriz dá vida à famosa e brincalhona fada Sininho, que representa um arquétipo da guardiã e da conselheira de Peter; mas seus trejeitos em cena são muito exagerados e over-the-top, o que se afasta de uma fluidez e de um naturalismo cômico dos outros personagens, incluindo Williams, para fincar-se a uma infeliz canastrice. Roberts faz um uso desnecessário de movimentos com os braços que parecem traduzir seus diálogos de modo errôneo e redundante (por exemplo ao convencer Gancho de lhe dar algum tempo para colocar Pan em forma).

Nem mesmo a trilha sonora consegue alcançar todo o seu potencial e permanece em uma tentativa constante de exprimir catarse para o público. Ainda que John Williams seja um mestre compositor inegável e retorne para mais um trabalho ao lado de Spielberg, ele parece não querer explorar muito uma musicalidade enigmática, preferindo apenas realizar algumas investidas genéricas ao utilizar instrumentos premeditáveis para certas ocasiões – como a grave acentuação do violoncelo para os momentos de tensão e o retorno dos fabulescos violinos para uma atmosfera mais simples ou mais alegre. De qualquer forma, é inesquecível mencionar aqui que o primeiro ato é respaldado por uma risível composição que se assemelha ao escopo sinfônico de basicamente qualquer comédia romântica generalizada.

Spielberg pode não estar em seu melhor momento com Hook – A Volta do Capitão Gancho’, mas certamente sabe apostar em determinados elementos para não deixá-lo à mercê de um fracasso total. Mesmo com seus deslizes, o incrível elenco emociona com atuações envolventes e competentes – e sem sombra de dúvida os esforços acerca da recriação de lúdica atmosfera da Terra do Nunca funcionam em quase sua totalidade.

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