domingo , 22 dezembro , 2024

Artigo | Os 10 anos de ‘ParaNorman’, uma das joias da Laika Studios

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Em 2005, a Laika Studios apresentava ao seu público uma interessante revolução para o gênero do stop-motion com A Noiva Cadáver’, o primeiro longa-metragem animado do diretor Tim Burton. Entretanto, não seria até 2009 que a produtora alcançaria seu ápice, entregando à sua legião de fãs uma incrível e amedrontadora narrativa tour-de-force unindo o melhor de dois mundos e misturando as técnicas animadas a uma aventura sobrenatural intitulada Coraline e o Mundo Secreto’ – que sem sombra de dúvida deixou várias crianças sem dormirem à noite imaginando como seria ser viver em um mundo controlado por uma criatura comedora de almas que se parecia com nossa respectiva figura maternal.

Três anos depois, Chris Butler, responsável pela arte principal da jornada e Coraline Jones, se reuniria com a Laika em uma nova e divertida aventura, retomando os preceitos do macabro e do fantasioso e trazendo agora para um novo cosmos que mantém muitas relações com o Palácio Cor de Rosa ao mesmo tempo que fornece mais uma perspectiva única. Já aqui – e relembrando também que em 2016 a produtora voltaria com Kubo e as Cordas Mágicas’ -, percebemos uma preferência estilística que funciona irretocavelmente: a utilização de uma criança irreverente como protagonista, fora dos padrões da sociedade em que vive, e que se lança em um arco de autodescobrimento que, no final das contas, muda absolutamente tudo o conhece sobre si mesma e sobre os outros.



Em ParaNorman, as coisas não são muito diferentes. Norman Babcock (Kodi Smit-McPhee) tem doze anos e sempre foi apaixonado por histórias de terror – não é à toa que seu quarto inteiro parece ter saído de uma loja de quadrinhos. Entretanto, essa paixão não é inexplicável, mas vem como consequência de seu dom único de se comunicar com os mortos. E diferente do que poderíamos esperar, as habilidades mediúnicas do jovem rapaz podem torná-lo um estranho para a pequena comunidade de Blithe Hollow, mas abrem portas para um universo metafísico que o aceita como bem é. É por isso que suas cenas com a falecida avó já arrancam lágrimas nos primeiros minutos de filme – afinal, quem não gostaria da oportunidade de voltar a conversar com os entes queridos que passaram desta para a melhor?

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Mas não pense que o cotidiano do nosso nada convencional herói é puramente contemplativo. Ele sofre todos os dias, tanto na escola quanto em casa, ofensas descaradas sobre sua “bizarrice”, até receber a visita de seu estranho tio que vive isolado nas colinas do vilarejo, perto do cemitério, e repentinamente morre, vítima de um infarto fulminante. O Sr. Prenderghast (John Goodman), como é conhecido por todos, vai até ele para lhe dar uma missão de extrema importância: impedir que a lendária e secular maldição da bruxa que habitou Blithe Hollow se concretize com a última badalada das oito horas da noite no Dia dos Mortos.

No geral, o longa de Butler é bastante funcional e ousa para além do que esperaríamos, considerando o escopo animado e, à prima vista, direcionado especificamente para um público mais jovem. Entretanto, se nos recordarmos das iterações anteriores tutelados pela produtora em questão, mudar nossa concepção sobre o desenrolar da narrativa principal é mais fácil do que parece: até mesmo os diálogos mais “bobos”, por assim dizer, são carregados de mensagens subliminares que funcionam em âmbitos diferentes para cada faixa etária, impactando de modos distintos para os adultos, os adolescentes e as crianças. É claro que fazer vista grossa para os deslizes é cair em uma análise superficial do filme, mas eventualmente esses equívocos são ofuscados pelo brilho de originalidade que a obra em si entrega aos espectadores.

Há uma pequena falha no porquê Norman aceita cumprir a missão. Talvez sua condição como médium o condicione a isso, porém, nada fica extremamente claro – e as cenas em que o protagonista parece canalizar maus agouros sobre a tragédia que acometerá a cidadela são muito breves e perdem potencial, principalmente com a chegada do segundo e do terceiro atos. De qualquer forma, o herói permanece em uma constante atmosfera inebriante e tensa, retificada pela tétrica trilha sonora que o acompanha durante a trama principal. As sequências em que ele se aproxima do cemitério para ler uma história de ninar para os mortos são propositalmente angustiantes e trazem muitas referências aos traços estilísticos do expressionismo alemão, seja pela utilização do cenário distorcido, das sombras excessivas e da própria ambiência cênica.

É claro que o conto não teria continuidade caso as coisas dessem certo logo de cara. Norman não consegue completar a missão à qual foi destinado e libera a fúria da bruxa sobre o pacato e conservador vilarejo. E, como se não bastasse, a maldição também traz de volta à vida um grupo de zumbis que mais tarde revelam ser o júri que condenou a pobre e jovem Aggie (Jodelle Fernand) à execução. É interessante observar como o filme faz inúmeras reverências a um episódio real que ocorreu há alguns séculos, conhecido como o Julgamento de Salem, no qual várias mulheres foram injustamente acusadas de bruxaria e queimadas na fogueira ou condenadas à forca. Não é por qualquer motivo que Blithe Hollow se localize em Massachusetts (Salem também se localizava nesse território) e que o nosso personagem seja uma representação contemporânea das mesmas infelicidades que Aggie passou.

Vale ressaltar que o longa faz um incrível uso do stop-motion – o que não insurge com grande surpresa, considerando a aplaudível filmografia das companhias envolvidas. Aqui, a revolução endossada com Coraline’ ganha um novo prospecto, uma nova configuração mais orgânica e ao mesmo tempo nostálgica e clássica, que busca, antes de tudo, uma perfeita representação emocional das múltiplas facetas humanas, condensadas nas feições dramáticas, quase teatrais, de cada um dos personagens.

ParaNorman é um gigantesco acerto do gênero da animação e não se preocupa apenas com o senso estético da composição cinematográfica, mas explora uma narrativa competente, recheada de personas convincentes, propositalmente estereotipadas, e acompanhadas com simbologias inteligentes e bastante sagazes.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Três anos depois, Chris Butler, responsável pela arte principal da jornada e Coraline Jones, se reuniria com a Laika em uma nova e divertida aventura, retomando os preceitos do macabro e do fantasioso e trazendo agora para um novo cosmos que mantém muitas relações com o Palácio Cor de Rosa ao mesmo tempo que fornece mais uma perspectiva única. Já aqui – e relembrando também que em 2016 a produtora voltaria com Kubo e as Cordas Mágicas’ -, percebemos uma preferência estilística que funciona irretocavelmente: a utilização de uma criança irreverente como protagonista, fora dos padrões da sociedade em que vive, e que se lança em um arco de autodescobrimento que, no final das contas, muda absolutamente tudo o conhece sobre si mesma e sobre os outros.

Em ParaNorman, as coisas não são muito diferentes. Norman Babcock (Kodi Smit-McPhee) tem doze anos e sempre foi apaixonado por histórias de terror – não é à toa que seu quarto inteiro parece ter saído de uma loja de quadrinhos. Entretanto, essa paixão não é inexplicável, mas vem como consequência de seu dom único de se comunicar com os mortos. E diferente do que poderíamos esperar, as habilidades mediúnicas do jovem rapaz podem torná-lo um estranho para a pequena comunidade de Blithe Hollow, mas abrem portas para um universo metafísico que o aceita como bem é. É por isso que suas cenas com a falecida avó já arrancam lágrimas nos primeiros minutos de filme – afinal, quem não gostaria da oportunidade de voltar a conversar com os entes queridos que passaram desta para a melhor?

Mas não pense que o cotidiano do nosso nada convencional herói é puramente contemplativo. Ele sofre todos os dias, tanto na escola quanto em casa, ofensas descaradas sobre sua “bizarrice”, até receber a visita de seu estranho tio que vive isolado nas colinas do vilarejo, perto do cemitério, e repentinamente morre, vítima de um infarto fulminante. O Sr. Prenderghast (John Goodman), como é conhecido por todos, vai até ele para lhe dar uma missão de extrema importância: impedir que a lendária e secular maldição da bruxa que habitou Blithe Hollow se concretize com a última badalada das oito horas da noite no Dia dos Mortos.

No geral, o longa de Butler é bastante funcional e ousa para além do que esperaríamos, considerando o escopo animado e, à prima vista, direcionado especificamente para um público mais jovem. Entretanto, se nos recordarmos das iterações anteriores tutelados pela produtora em questão, mudar nossa concepção sobre o desenrolar da narrativa principal é mais fácil do que parece: até mesmo os diálogos mais “bobos”, por assim dizer, são carregados de mensagens subliminares que funcionam em âmbitos diferentes para cada faixa etária, impactando de modos distintos para os adultos, os adolescentes e as crianças. É claro que fazer vista grossa para os deslizes é cair em uma análise superficial do filme, mas eventualmente esses equívocos são ofuscados pelo brilho de originalidade que a obra em si entrega aos espectadores.

Há uma pequena falha no porquê Norman aceita cumprir a missão. Talvez sua condição como médium o condicione a isso, porém, nada fica extremamente claro – e as cenas em que o protagonista parece canalizar maus agouros sobre a tragédia que acometerá a cidadela são muito breves e perdem potencial, principalmente com a chegada do segundo e do terceiro atos. De qualquer forma, o herói permanece em uma constante atmosfera inebriante e tensa, retificada pela tétrica trilha sonora que o acompanha durante a trama principal. As sequências em que ele se aproxima do cemitério para ler uma história de ninar para os mortos são propositalmente angustiantes e trazem muitas referências aos traços estilísticos do expressionismo alemão, seja pela utilização do cenário distorcido, das sombras excessivas e da própria ambiência cênica.

É claro que o conto não teria continuidade caso as coisas dessem certo logo de cara. Norman não consegue completar a missão à qual foi destinado e libera a fúria da bruxa sobre o pacato e conservador vilarejo. E, como se não bastasse, a maldição também traz de volta à vida um grupo de zumbis que mais tarde revelam ser o júri que condenou a pobre e jovem Aggie (Jodelle Fernand) à execução. É interessante observar como o filme faz inúmeras reverências a um episódio real que ocorreu há alguns séculos, conhecido como o Julgamento de Salem, no qual várias mulheres foram injustamente acusadas de bruxaria e queimadas na fogueira ou condenadas à forca. Não é por qualquer motivo que Blithe Hollow se localize em Massachusetts (Salem também se localizava nesse território) e que o nosso personagem seja uma representação contemporânea das mesmas infelicidades que Aggie passou.

Vale ressaltar que o longa faz um incrível uso do stop-motion – o que não insurge com grande surpresa, considerando a aplaudível filmografia das companhias envolvidas. Aqui, a revolução endossada com Coraline’ ganha um novo prospecto, uma nova configuração mais orgânica e ao mesmo tempo nostálgica e clássica, que busca, antes de tudo, uma perfeita representação emocional das múltiplas facetas humanas, condensadas nas feições dramáticas, quase teatrais, de cada um dos personagens.

ParaNorman é um gigantesco acerto do gênero da animação e não se preocupa apenas com o senso estético da composição cinematográfica, mas explora uma narrativa competente, recheada de personas convincentes, propositalmente estereotipadas, e acompanhadas com simbologias inteligentes e bastante sagazes.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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