Dois anos depois que Taylor Swift lançou ‘Reputation’, a princesa do country-pop voltou a explorar relacionamentos conturbados com a estreia de ‘Lover’, seu sétimo álbum de estúdio. E, logo de cara, a própria estética fonográfica onírica da produção nos arremessa de volta para 2014, mais precisamente para o auge de sua carreira (‘1989’) com uma deliciosa e contraditória aventura através de um tema que ela certamente conhece muito bem: o romance. Felizmente, ainda que a artista acabe se rendendo às mesmas narrativas de sempre, é inegável dizer que Taylor carrega consigo uma habilidade incrível para compor letras memoráveis e que, à prima vista, divirjam entre si.
Aqui, Swift volta a brincar com conceitos evolutivos dentro de seu arco profissional, reinventando a si mesma sem perder suas raízes. Não é surpresa que, como mencionado no parágrafo acima, ela traga para o fim desta década aclamadas produções predecessoras em um estilo que não apenas encantará sua legião de fãs, mas também os apreciadores da boa música. Claro que, de cara, as dezoito longas faixas podem assustar os ouvintes; porém, faz-se necessário dizer que, com exceção de algumas construções repetitivas e monótonas, a cantora investe em uma permissiva fluidez sonora que dialoga com os obstáculos que enfrentou neste ano – incluindo a iminente, mas não concreta, perda de seus outros álbuns. E com certeza tais complicações influenciaram no resultado final (para o melhor, devo dizer).
Como se não bastassem as ótimas baladas – como a empática “Soon You’ll Get Better”, carregada pelas notas envolventes e familiares de um melódico violão, ou a declamatória e teatral “Daylight” -, Taylor não abre mão de suas já conhecidas críticas bastante ácidas, preferindo a sutileza condescendente a brutos ataques. Não é à toa que o álbum abra com a minimalista e controversa “I Forgot That You Existed”, que mistura o melhor dos toques contemporâneos com um envolvente pop clássico enquanto diz com todas as palavras que “não é amor, não é ódio, é indiferença”.
Do mesmo jeito, ela se exila em meio à comunidade LGBT+ em um sonoro e divertido protesto intitulado “You Need to Calm Down”, que nutre de certas semelhanças com “Royals” (principalmente a superposição das várias camadas no início do refrão), mas sem perder sua identidade. Aqui, Swift preza pela palavra cantada e alcança a mensagem que desejava passar desde o princípio (isso sem comentar a presença ilustre de nomes como Billy Porter, Ellen DeGeneres e Ryan Reynolds no videoclipe oficial).
Entretanto, a lead singer não se isenta de alguns brutos deslizes que, eventualmente, são ofuscados pela beleza da obra em sua completude. Por exemplo, temos a colaboração entre ela e Brandon Uries em “ME!”, faixa que sem sombra de dúvida não corresponde à capacidade criativa da artista. Na verdade, esta é a track mais solta de toda a obra, visto que é infantil demais e reflete uma personalidade linear que nada mais é que uma cópia malfeita de “Next to Me”, de Emili Sandé. Do mesmo modo, “It’s Nice To Have a Friend” é uma competente delineação, mas sofre por dois motivos: estar localizado em um esquecível lugar dentro do compilado de músicas e ser extensão de outras entregas muito melhor arquitetadas.
Nossa surpresa também ganha palanque quando as canções mais animadas e dançantes cedem espaço para as ballads. De um lado, temos o solilóquio “The Archer” que busca elementos tanto do synth-pop quanto do gospel-pop (a entrada dos vocais em coro é soberba em diversos níveis), mesmo que falhe em buscar uma explosão catártica, não sonora, em lyrics bem pensadas cujas metáforas são ricas em uma melancólica tristeza amorosa, respaldadas pela atmosfera dark; de outro lado, “Lover” talvez insurja como a track mais emotiva do CD, principalmente pelo fato de usar o saudosismo musical a seu favor. Nesta segunda faixa, a faixa em mid-tempo é movida pelos acordes do violão e pela bateria demarcada, mas, diferente de sua conterrânea, não deixa que a linearidade fale mais alto: a expressividade é canalizada pela profunda e dramática atuação de Taylor, expandindo-se para dois bridges que poderiam ser editados sem fazer muita diferença ao poder desse espetáculo.
Elementos de ‘Reputation’ também não são descartados por completo: em “Cruel Summer”, os sintetizadores e as distorções vocais que contemplam o pano de fundo harmonizam com a levada que tangencia a perfeição fonográfica de Swift. Nem mesmo a mudança brusca entre os dois atos principais é o suficiente para tirar as glórias da faixa – e é estranho e animador ao mesmo perceber como a canção dialoga em progressão pura com “Out of the Woods” (uma das melhores investidas de sua carreira). Esses mesmos elementos voltam a dar as caras em “The Man”, aproveitando o momento para recuar o peso do synth-pop e se valer de algo prático, apesar de convencional.
A ambiência mais obscura e quase tétrica volta com a deliciosa “Miss Americana & the Heartbreak Prince”, um interessante contos de fadas desconstruído que, apesar da presença exorbitante de estilos musicais, tem uma consistência considerável que utiliza até mesmo as propositais notas dissonantes para abrir espaço a uma épica aventura. Já sua sucessora, “Paper Rings”, afasta-se do que já vimos e mergulha em uma jornada de volta ao passado com um rock-pop-country dinâmico refletido pela enérgica performance da cantora – e, ainda que não esteja no mesmo nível que as outras, a música em questão suprimi seus claros deslizes ao nos convidar para redescobrir um hit quase roubado da década passada.
Em ‘Lover’, ao mesmo tempo que retornou para suas raízes, Taylor Swift não deixou de se reinventar e acrescentar uma bela obra fonográfica para sua carreira e, talvez, essa seja sua produção mais dramática e mais pessoal de todas.