Anunciado como um dos melhores filmes do ano, e forte concorrente a diversas indicações no Oscar, “As Aventuras de Pi” é um feito impressionante da sétima arte, e demonstra que ainda existe criatividade na hora de se contar histórias.
O cineasta Ang Lee é sem dúvidas um dos nomes mais expressivos do cinema atual. Natural de Taiwan, Lee conquistou o mundo e quebrou as barreiras da língua demonstrando ser um dos diretores mais globais de todos os tempos. Após alguns filmes feitos na sua terra, em seu idioma, Lee surpreendeu ao adaptar o conto clássico, e super inglês, de Jane Austen, “Razão e Sensibilidade”. Afinal o que um cineasta asiático saberia sobre uma obra de época de um outro continente. O diretor entregou um dos melhores filmes dos anos 90, impecável em sua estética e narrativa, ainda conquistando indicações no Oscar. De lá para cá, Ang Lee ficou entre erros e acertos, mas nunca se domesticou pela comodidade, sempre encarando desafios. O cineasta pode ser considerado o mais corajoso e ousado contador de histórias da atualidade, mesmo que não acerte sempre, o que conta na carreira de Lee é o gosto pela mudança. Lee já se aventurou em desmascarar a classe média americana dos anos 70 em “Tempestade de Gelo” (antes de Sam Mendes fazer o mesmo em “Beleza Americana”), desmistificar o gênero do faroeste e a imagem do cowboy americano por duas vezes, em “Cavalgada com o Diabo” e “O Segredo de Brokeback Mountain“, além de investir em filmes de artes marciais, e até mesmo no subgênero dos super-heróis.
Agora, Lee apresenta mais um filme único e inusitado em sua carreira. Um espanhol e um taiwanês contando a história de personagens indianos. Como se não bastasse a mistura globalizada, “As Aventuras de Pi” é um filme onde muito poderia dar errado. Foi necessário um diretor com a sensibilidade de Ang Lee para capturar cada nuance dessa obra, que não possui muitos diálogos, mas tem muito a dizer sobre a natureza humana, e seu espírito resistente. Os efeitos visuais aqui são simplesmente fantásticos, em muitos momentos, ou em sua grande maioria, são usados animais virtuais, ou seja, criados por efeitos especiais, e o grande êxito do filme é nos fazer não conseguir diferenciar tais momentos. O tigre Richard Parker é sem dúvidas um dos personagens mais icônicos do cinema no ano. As cenas em que o tigre olha para o nada, para a imensidão que os cerca, onde não conseguimos diferenciar o céu do mar, é de uma beleza poética emocionante. Os efeitos em 3D são magníficos, esse é o filme que merecia ter sido rodado em 48 quadros por segundo e não “O Hobbit”, para termos toda a vantagem dos efeitos em 3D, e não ficarem escurecidos pelo óculos, esse filme precisava ser mais claro. De qualquer forma, a única maneira de ver “As Aventuras de Pi” é em 3D, você perderá grande parte do impacto se optar pela versão normal (que nem sei se existe).
O filme é pura poesia e um deleite visual. Infelizmente, “As Aventuras de Pi” tem sim seus problemas. O primeiro deles sendo tudo o que envolve a trama central, ou seja, o começo e o fim. “As Aventuras de Pi” é sobre um náufrago e um tigre, e caso fosse apenas isso seria uma obra-prima, coisa que por pouco escapa de ser. Para termos conhecimento das origens e crenças do protagonista Pi, os realizados optam por todo um início onde isso é mostrado (sem necessidade de fato). A obra demora a engatar e a dizer sobre o que verdadeiramente irá falar. Isso causa confusão para as pessoas que não sabem do que o filme se trata, e podem achar que mudou totalmente a sua trama, quando a história central é justamente o que é mostrado por grande parte.
Digamos que o filme começa como uma história sobre um jovem indiano em busca de sua verdadeira fé, ao lado da família num zoológico, e inclusive temos acrescentado um interesse amoroso que não nos leva a nada, e cenas que mostram a infância de Pi sendo hostilizado pelos coleguinhas no colégio devido a seu exótico nome. Tudo isso se formos parar para pensar é completamente descartável e não soma nada na trama central, assim como o tio apaixonado por piscinas que simplesmente é eliminado sem cerimônia se tornando apenas uma pequena nota no filme. Seja como for, “As Aventuras de Pi” é uma obra quase perfeita, digna dos maiores épicos de Hollywood, que conta uma história diferente e inusitada, e ganha muitos pontos por ser um filme família com conteúdo. O filme fará você verdadeiramente pensar, sentir e refletir, e deverá merecidamente ser lembrado no próximo Oscar.