Se você passou pelo Twitter entre maio de 2017 e março de 2018, muito provavelmente deu de cara uma vez ou outra com alguma hashtag relacionada à temporada de ‘Malhação’ que estava no ar naquele período. A série antológica adolescente à brasileira, no ar desde 1995, raramente esteve tão em alta quanto esteve com ‘Viva a Diferença’ — e olha que já tivemos Vagabanda, Cabeção e Mocotó nesse rolê.
O sucesso é resultado da transformação da novelinha para aquela temporada. Quase tudo seria diferente; o subtítulo (‘Viva a Diferença’) era novidade; o fato de serem cinco as protagonistas, e não um casal, era novidade; a promessa de uma história sem mocinhos e vilões (ainda que burlada lá pelo meio da temporada) era novidade; a assinatura de Cao Hamburger, autor conhecido por Castelo Rá-Ti-Bum e outras programações para o público infanto-juvenil, chamava atenção por todos os motivos certos; o casal Limantha, surgido na 2ª fase e alçado ao sucesso absoluto, roubou os holofotes e o carinho da audiência. Curiosidade das boas era o mínimo que essa reunião de fatores poderia gerar.
A ideia por trás de tantas renovações na fórmula era fazer a atração voltar a conversar com o público jovem e adolescente na era digital. Isso é algo que aos poucos foi ficando para trás, sobretudo quando a entrada de seriados norte-americanos na rotina brasileira através do streaming se fortaleceu. Era um tiro de canhão, não exatamente no escuro mas não totalmente em claro, rumo à geração Z, os zoomers, com a promessa de tratar de assuntos relevantes para os jovens, na linguagem dos jovens, sem moralismos e com sensiblidade.
O resultado poderia ter sido inteiramente trágico, vergonhoso. Mas, depois de um Emmy internacional e recordes de audiência quebrados no horário, e levando em conta que estamos diante do primeiro derivado da história de Malhação — diga-se de passagem, um dos produtos mais aguardados do Globoplay — é seguro dizer que o experimento foi para lá de bem sucedido.
Mesmo com tudo isso, o que realmente fez ‘Malhação – Viva a Diferença’ funcionar não foi exatamente a ideia no papel, mas sua execução. Quando enxergamos as cinco protagonistas, tão diferentes entre si e com histórias tão particulares, é que fica clara qual era a tentativa (bem sucedida) da temporada. Não apenas MVAD queria falar com vários públicos e abrir um espaço para que jovens se enxergassem na história, mas queria fazer isso deixando de lado o didatismo o máximo possível. O realismo estava em detalhes na maioria das vezes invisíveis nos folhetins, como o tempo que Ellen passava no trajeto de sua casa na Brasilândia até o colégio em Vila Mariana, as diferenças socioeconômicas entre elas serem reconhecidas ao invés de ignoradas, e as diferenças celebradas e naturalizadas.
Se a estreia do spin-off ‘As Five’ vem pouco mais de 2 anos e meio após o fim de MVAD, esse tempo pareceu uma eternidade para quem está no aguardo desde 2018. Na história, que chega ao Globoplay a partir do próximo dia 12 de novembro, o público reencontra as protagonistas por volta de seis anos depois de elas terem se visto pessoalmente pela última vez — e três anos, dois meses e seis dias depois de terem se falado no grupo de mensagens.
De um lado, a passagem de tempo ajuda a equalizar as idades: do público-alvo, das personagens e das suas intérpretes. Por outro, permite que o roteiro avance em histórias mais complexas e pessoais do que as tramas do ensino médio de Malhação. E, com isso, expanda o seu público e continue tratando as personagens na base da honestidade.
Por exemplo: Benê (Daphne Bozaski) e Guto (Bruno Gadiol) estão se separando depois de o rapaz se revelar gay — e, com essa, ela se abre para explorar sua sexualidade. Este tema jamais abordado na novela vespertina, em razão do horário, apesar de conversas sobre sexo serem bem presentes na vida dos jovens autistas.
Keyla (Gabriela Medvedovski) cuida de Tonico (Matheus Dias) sozinha e está “completamente diferente da Keyla que conhecíamos”: a vida de mãe-solo lidando com o desemprego não é simples e a deixou bastante abalada e até desanimada para perseguir seus sonhos e ambições. (Quem nunca, né?)
Tina (Ana Hikari) sofre após a morte da mãe e lida com as pressões familiares — aliás, é o velório da Dona Mitsuko que reúne as amigas novamente. Embora ela seja uma DJ famosa nas noites paulistanas e tenha um relacionamento estável, sua situação também não é simples: o casamento com Anderson (Juan Paiva) guarda surpresas e ela estará bastante sensível.
Ellen (Heslaine Vieira), depois de ter realizado o seu sonho morando e estudando nos Estados Unidos, volta para o Brasil para reencontrar as amigas, com um anel de noivado e muitas dúvidas na cabeça. Lá vem problema…
E Lica (Manoela Aliperti), bem… o que dizer de Heloísa Gutierrez? Impulsiva como sempre, Lica abandonou faculdades e projetos e está perdida na vida em todos os sentidos — inclusive o romântico, já que o relacionamento com Samantha (Giovanna Grigio) não durou.
Portanto, muito mudou para as meninas, e pouco mudou para melhor. E é por isso que aqueles que esperam por uma série com o mesmo tom da novelinha infanto-juvenil talvez devam se preparar para algo mais ousado.
Ainda sob a direção criativa de Cao Hamburger, ‘As Five’ é anunciada como um presente para os fãs: “Depois que a novela acabou, nas redes sociais os fãs não paravam de pedir uma continuação”, explicou Cao no documentário ‘Making Five’, disponibilizado no Globoplay. “Foi aí que veio a ideia de fazê-las em outra fase da vida. Então, a série ficou com o nome ‘As Five’ porque não tinha outro, o público se apropriou [dele].”
É claro, isso não quer dizer que não exista espaço para quem quer conhecer a história agora. A trama segue para além do que aconteceu em Viva a Diferença, e embora conhecer a novela obviamente ajude, é esperado que a série também se abra para novos públicos. Afinal de contas, estamos falando do carro-chefe do Globoplay.