domingo , 24 novembro , 2024

Avatar | A Lenda de Korra – A animação e o mundo pós guerra

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Assim como seu antecessor, a saga da nova Avatar tem ligações muito próximas com a realidade

Já está disponível no catálogo da Netflix a animação A Lenda de Korra, uma história que continua as aventuras apresentadas em A Lenda de Aang – ambas fazendo parte da série Avatar. Tendo a primeira temporada lançada em 2012 pela Nickelodeon a obra contou com a participação da dupla de criadores originais e com um nível de animação de qualidade considerável, continuando com o mesmo estilo de mescla entre traços orientais e ocidentais que seu antecessor apresentou. Acompanhado disso veio uma trilha sonora envolvente e uma nova história.



Muita da fama conquistada pela predecessora A Lenda de Aang foi pela forma inteligente com que sua ambientação foi construída, de modo que mesmo tendo um público-alvo claramente infanto-juvenil, uma parcela adulta também pode apreciar o produto, visto que temas sérios como guerra, imperialismo e perda compõem o mote da história. Portanto, quando A Lenda de Korra se inicia uma rápida introdução estabelece que alguns anos se passaram entre o fim da guerra dos cem anos e o tempo presente.

Nesse meio tempo o mundo passou por uma reconstrução; a antiga tecnologia à vapor que era exclusiva da Nação do Fogo para fins bélicos se modernizou para algo mais elétrico e de uso cotidiano, automóveis fortemente inspirados no antigo Ford Modelo T se popularizaram, meios de comunicação em massa (representados pelo rádio) surgiram e a gigantesca Cidade República (inspirada aos moldes de Nova York da década de 30) é visualmente o maior exemplo dessa evolução.

O mundo de Avatar passou por grandes mudanças após o fim da guerra

É nesse cenário que a protagonista Korra precisa encontrar o seu lugar e até responder uma pergunta pessoal: que lugar tem uma figura ancestral e mística como o Avatar em um mundo de maravilhas modernas e que vive em tempos de paz? Seu antecessor, Aang, foi um herói certo no momento em que o mundo estava em guerra, mas como ela pode se destacar quando os problemas não precisam ser resolvidos em um confronto direto com um tirano?

A guerra dos cem anos que foi o mote central da trama em A Lenda de Aang evoca claramente comparações com guerras típicas do início do século XX mais do que em qualquer outro período. Isso devido ao uso de tecnologias autônomas e modernas com fins de extermínio do inimigo; nesse quesito um exemplo identificável de imediato é a primeira guerra mundial que inovou em armamentos automáticos e em batalhas aéreas.

O mundo, portanto, que surge em A Lenda de Korra está reconstruído, com novas entidades políticas internacionais consolidadas e uma integração nova entre os povos dobradores dos três elementos (uma vez que os nômades do ar ainda são poucos). No artigo Reconstruction and World War I: Internationalism and the Idea of the Expert, a autora Leslie Deborah Slavitt aborda a visão que o planejador urbano Patrick Geddes tinha para o mundo pós-Primeira Guerra.

Cidade República, palco principal da aventura, é um exemplo do planejamento urbano de Geddes para o pós-Guerra

 “…Ele advogou um cuidadoso e descentralizado internacionalismo que poria um fim no imperialismo desenfreado que causou a Primeira Guerra. Isso era, Geddes sentiu, importante para interromper o ‘sacrifício da vida pelas coisas’ e para começar a enfatizar a importância da vida humana no pós-Guerra”.

Assim como no fim da primeira Guerra a política internacional se rearranjou com novos mecanismos de diplomacia, como a Liga das Nações, em A Lenda de Korra foi montado dois organismos de governança mundial. O primeiro é uma força de defesa internacional que aparenta ser similar ao modelo da OTAN chamada de Forças Unidas; essa que é uma enorme coalizão militar com dobradores de três dos quatro elementos e de também não dobradores. Sua função é a de manter a segurança e de impedir o surgimento de uma nova força ameaçadora.

Já o segundo é o conselho que administra a Cidade República; a República Unida das Nações. Esta que funciona nos moldes tanto da antiga Liga das Nações quanto da atual ONU no qual prioriza uma formação etnicamente variada e tem suas decisões debatidas por um conselho composto por representantes de cada país daquele mundo. 

O modelo de governo da República Unida das Nações em muito se assemelha com o adotado por órgãos internacionais

Nesse sentido a animação faz um trabalho inteligente em mostrar resumidamente as virtudes e defeitos do modelo multilateralista (quando a relação entre países é intermediada por um terceiro envolvido), no qual há uma representatividade de diferentes culturas contendo direito a voz mas ao mesmo tempo a tomada de uma decisão pode ser demorada e bastante burocrática. 

Por mais que a guerra dos cem anos guarde similaridades com a Primeira Guerra, os efeitos pós-conflito se assemelham muito mais aos vistos depois da Segunda Guerra por uma razão. No mundo real, 1918 marcou o início de vários momentos de instabilidade econômica, social e política pelo mundo. Em A Lenda de Korra o mundo aparenta estar muito mais estabilizado e progressivo do que aquele entre 1918 e 1939.

A animação então busca simbolizar a prosperidade daquele mundo através de certos personagens que são economicamente ricos e detém recursos que eventualmente servem como elemento de progressão da história. Em especial é introduzida as Indústrias Futuro, que é responsável pela produção dos automóveis e está ligada a uma das integrantes do time Avatar. Esse núcleo tem uma função interessante para a ambientação em mostrar que as questões a serem resolvidas agora nada mais tem a ver com a guerra.

Prosperidade industrial do pós-Guerra move a trama de “A Lenda de Korra

No capítulo II do relatório World Economy and Social Survey 2017, encomendado pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, é discutido o quão rápido e intenso foi o processo de reconstrução mundial pós-Segunda Guerra. “Os anos imediatamente após a Segunda Guerra Mundial por uma velocidade na recuperação econômica sem precedentes do mais devastador conflito da história humana, combinada com uma igualmente impressionante intensidade e cooperação internacional nunca antes vista”.

A tecnologia, aliás, não possuiu apenas uma função de progresso aqui. Mais especificamente na primeira temporada são apresentados os igualitários, uma facção formada por não dominadores (pessoas normais) que decidem realizar um levante contra a classe social oposta a eles. Para tanto eles se utilizam de equipamentos elétricos e táticas de guerrilha para praticar atos de terrorismo.

Esse é um problema comum do mundo real pós-Guerra. Com economias e estilos de vida mais integrados, juntou-se também o lado negativo da coisa: constantes crises econômicas, inflação desenfreada (principalmente em países subdesenvolvidos), choque entre culturas milenares e progressistas. Dessa forma, a ameaça de terrorismo praticado por estados ou grupos menores se torna a nova ameaça à segurança.

O vilão Amon, assim como seus igualitários, é o primeiro grande desafio de Korra

No capítulo O Terror do livro Globalização, Democracia e Terrorismo, o historiador Eric Hobsbawm argumenta qual o principal motivador de atos violentos e, acidentalmente ou não, disseca a motivação dos igualitários. “Existe, no entanto, um fator mais perigoso na geração da violência sem limites. É a convicção ideológica, que desde 1914 domina tanto os conflitos internos quanto os internacionais, de que a causa que se defende é tão justa, e a do adversário é tão terrível, que todos os meios para conquistar a vitória e evitar a derrota não são só válidos como necessários”.

Por fim, as aventuras da Avatar Korra se diferenciam de seu antecessor por uma questão de contexto; ainda é o mesmo mundo fantástico com a inclinação à magia das dobras elementares, mas ele evoluiu. Da mesma forma que em A Lenda de Aang a inspiração surgiu da irracionalidade real que foi a Primeira Guerra Mundial, de modo que assim a bondade do protagonista pudesse ser reforçada, com Korra essa inspiração vem de um mundo que vive em um tempo de paz.

Da mesma forma que na realidade, o termo “tempo de paz” não implica em uma ausência total de conflitos em andamento, mas sim na escala deles. Desse jeito, os desafios que Korra precisa se submeter são outros: lidar com a política, mídia, facções extremistas e por aí vai. Esse caminho apenas reforça a grande virtude da série Avatar, que é saber como traduzir as complexidades do mundo para um público jovem sem jamais subestimá-lo. 

 

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Muita da fama conquistada pela predecessora A Lenda de Aang foi pela forma inteligente com que sua ambientação foi construída, de modo que mesmo tendo um público-alvo claramente infanto-juvenil, uma parcela adulta também pode apreciar o produto, visto que temas sérios como guerra, imperialismo e perda compõem o mote da história. Portanto, quando A Lenda de Korra se inicia uma rápida introdução estabelece que alguns anos se passaram entre o fim da guerra dos cem anos e o tempo presente.

Nesse meio tempo o mundo passou por uma reconstrução; a antiga tecnologia à vapor que era exclusiva da Nação do Fogo para fins bélicos se modernizou para algo mais elétrico e de uso cotidiano, automóveis fortemente inspirados no antigo Ford Modelo T se popularizaram, meios de comunicação em massa (representados pelo rádio) surgiram e a gigantesca Cidade República (inspirada aos moldes de Nova York da década de 30) é visualmente o maior exemplo dessa evolução.

O mundo de Avatar passou por grandes mudanças após o fim da guerra

É nesse cenário que a protagonista Korra precisa encontrar o seu lugar e até responder uma pergunta pessoal: que lugar tem uma figura ancestral e mística como o Avatar em um mundo de maravilhas modernas e que vive em tempos de paz? Seu antecessor, Aang, foi um herói certo no momento em que o mundo estava em guerra, mas como ela pode se destacar quando os problemas não precisam ser resolvidos em um confronto direto com um tirano?

A guerra dos cem anos que foi o mote central da trama em A Lenda de Aang evoca claramente comparações com guerras típicas do início do século XX mais do que em qualquer outro período. Isso devido ao uso de tecnologias autônomas e modernas com fins de extermínio do inimigo; nesse quesito um exemplo identificável de imediato é a primeira guerra mundial que inovou em armamentos automáticos e em batalhas aéreas.

O mundo, portanto, que surge em A Lenda de Korra está reconstruído, com novas entidades políticas internacionais consolidadas e uma integração nova entre os povos dobradores dos três elementos (uma vez que os nômades do ar ainda são poucos). No artigo Reconstruction and World War I: Internationalism and the Idea of the Expert, a autora Leslie Deborah Slavitt aborda a visão que o planejador urbano Patrick Geddes tinha para o mundo pós-Primeira Guerra.

Cidade República, palco principal da aventura, é um exemplo do planejamento urbano de Geddes para o pós-Guerra

 “…Ele advogou um cuidadoso e descentralizado internacionalismo que poria um fim no imperialismo desenfreado que causou a Primeira Guerra. Isso era, Geddes sentiu, importante para interromper o ‘sacrifício da vida pelas coisas’ e para começar a enfatizar a importância da vida humana no pós-Guerra”.

Assim como no fim da primeira Guerra a política internacional se rearranjou com novos mecanismos de diplomacia, como a Liga das Nações, em A Lenda de Korra foi montado dois organismos de governança mundial. O primeiro é uma força de defesa internacional que aparenta ser similar ao modelo da OTAN chamada de Forças Unidas; essa que é uma enorme coalizão militar com dobradores de três dos quatro elementos e de também não dobradores. Sua função é a de manter a segurança e de impedir o surgimento de uma nova força ameaçadora.

Já o segundo é o conselho que administra a Cidade República; a República Unida das Nações. Esta que funciona nos moldes tanto da antiga Liga das Nações quanto da atual ONU no qual prioriza uma formação etnicamente variada e tem suas decisões debatidas por um conselho composto por representantes de cada país daquele mundo. 

O modelo de governo da República Unida das Nações em muito se assemelha com o adotado por órgãos internacionais

Nesse sentido a animação faz um trabalho inteligente em mostrar resumidamente as virtudes e defeitos do modelo multilateralista (quando a relação entre países é intermediada por um terceiro envolvido), no qual há uma representatividade de diferentes culturas contendo direito a voz mas ao mesmo tempo a tomada de uma decisão pode ser demorada e bastante burocrática. 

Por mais que a guerra dos cem anos guarde similaridades com a Primeira Guerra, os efeitos pós-conflito se assemelham muito mais aos vistos depois da Segunda Guerra por uma razão. No mundo real, 1918 marcou o início de vários momentos de instabilidade econômica, social e política pelo mundo. Em A Lenda de Korra o mundo aparenta estar muito mais estabilizado e progressivo do que aquele entre 1918 e 1939.

A animação então busca simbolizar a prosperidade daquele mundo através de certos personagens que são economicamente ricos e detém recursos que eventualmente servem como elemento de progressão da história. Em especial é introduzida as Indústrias Futuro, que é responsável pela produção dos automóveis e está ligada a uma das integrantes do time Avatar. Esse núcleo tem uma função interessante para a ambientação em mostrar que as questões a serem resolvidas agora nada mais tem a ver com a guerra.

Prosperidade industrial do pós-Guerra move a trama de “A Lenda de Korra

No capítulo II do relatório World Economy and Social Survey 2017, encomendado pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, é discutido o quão rápido e intenso foi o processo de reconstrução mundial pós-Segunda Guerra. “Os anos imediatamente após a Segunda Guerra Mundial por uma velocidade na recuperação econômica sem precedentes do mais devastador conflito da história humana, combinada com uma igualmente impressionante intensidade e cooperação internacional nunca antes vista”.

A tecnologia, aliás, não possuiu apenas uma função de progresso aqui. Mais especificamente na primeira temporada são apresentados os igualitários, uma facção formada por não dominadores (pessoas normais) que decidem realizar um levante contra a classe social oposta a eles. Para tanto eles se utilizam de equipamentos elétricos e táticas de guerrilha para praticar atos de terrorismo.

Esse é um problema comum do mundo real pós-Guerra. Com economias e estilos de vida mais integrados, juntou-se também o lado negativo da coisa: constantes crises econômicas, inflação desenfreada (principalmente em países subdesenvolvidos), choque entre culturas milenares e progressistas. Dessa forma, a ameaça de terrorismo praticado por estados ou grupos menores se torna a nova ameaça à segurança.

O vilão Amon, assim como seus igualitários, é o primeiro grande desafio de Korra

No capítulo O Terror do livro Globalização, Democracia e Terrorismo, o historiador Eric Hobsbawm argumenta qual o principal motivador de atos violentos e, acidentalmente ou não, disseca a motivação dos igualitários. “Existe, no entanto, um fator mais perigoso na geração da violência sem limites. É a convicção ideológica, que desde 1914 domina tanto os conflitos internos quanto os internacionais, de que a causa que se defende é tão justa, e a do adversário é tão terrível, que todos os meios para conquistar a vitória e evitar a derrota não são só válidos como necessários”.

Por fim, as aventuras da Avatar Korra se diferenciam de seu antecessor por uma questão de contexto; ainda é o mesmo mundo fantástico com a inclinação à magia das dobras elementares, mas ele evoluiu. Da mesma forma que em A Lenda de Aang a inspiração surgiu da irracionalidade real que foi a Primeira Guerra Mundial, de modo que assim a bondade do protagonista pudesse ser reforçada, com Korra essa inspiração vem de um mundo que vive em um tempo de paz.

Da mesma forma que na realidade, o termo “tempo de paz” não implica em uma ausência total de conflitos em andamento, mas sim na escala deles. Desse jeito, os desafios que Korra precisa se submeter são outros: lidar com a política, mídia, facções extremistas e por aí vai. Esse caminho apenas reforça a grande virtude da série Avatar, que é saber como traduzir as complexidades do mundo para um público jovem sem jamais subestimá-lo. 

 

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