sexta-feira, março 29, 2024

Cine Holliúdy

Halder Gomes acerta uma voadora na pleura, com sua ácida comédia rapadurenha.

Em 2004, o cineasta cearense Halder Gomes destacou-se internacionalmente por realizar o curta-metragem Cine Holliúdy – O Astista Contra o Caba do Mal, visto em 80 festivais de 20 países e vencedor de 42 prêmios. Alavancando sua carreira consideravelmente, teve as portas abertas e foi contratado para dirigir a continuação de terror Cadáveres. O que acabou não sendo algo proveitoso, do ponto de vista artístico, já que Cadáveres 2 foi terrivelmente ruim. Anos depois, Halder volta para sua terra e, em parceria com Glauber Filho, comanda o filme As Mães de Chico Xavier. Este, por sua vez, teve vários problemas de produção, atrasando assim o seu lançamento, sendo também massacrado pela crítica e não obtendo grande repercussão.

Talvez esses tropeços tenham feito Halder olhar para trás e perceber o incrível potencial deste antigo projeto, tão querido pelos que assim puderam conferir e ansiavam ver o conto ganhar maiores proporções. E, claro, tentar resgatar o prestigio, de anos atrás, com a mesma cartada, unindo o útil ao agradável. E, sim, acredito que ele tenha conseguido perpetrar tal objetivo, pois, ao transformar Cine Holliúdy num divertidíssimo longa-metragem, o diretor já alçou voos inimagináveis, e isso, sem precisar sair de casa.

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Estreando em terras cearenses, duas semanas antes do seu lançamento oficial, o filme levou cerca de 200 mil pessoas aos cinemas pra conferir as aventuras de Francisgleydisson e sua constante luta de manter a sétima arte viva nos corações sertanejos. Já que a estória se passa em Pacatuba, interior do Ceará, na década de 70. Pois, com a chegada das tevês, a população começou a se afastar dos cinemas, tornando os estabelecimentos cada vez mais escassos. É aí que o tal Francisgleydisson entra em cena. Mesmo com todos os empecilhos orçamentários, sociais e políticos, o sujeito tenta, a todo custo, manter o Cine Holliúdy de pé. Passando por cima do seu orgulho e utilizando da esperteza nordestina.

Curioso, desde o primeiro momento, por sua cópia nacional ser exibida com legendas em português, já que é o primeiro trabalho audiovisual falado em “cearês” – uma crítica aos sulistas que tendem a gozar o dialeto nordestino –, o filme tenta se infiltrar, ao máximo, na cultura local, com diálogos espertos e facetos, mas que soam expositivos e nada orgânicos. Principalmente por parte da atriz Miriam Freeland – interpretando Maria das Graças, mulher do protagonista – que ainda carrega vestígios de seu sotaque carioca, sabotando a veracidade de sua personagem e o envolvimento com a família. Até mesmo sua bela aparência não ajuda na caracterização. Por outro lado, é certo que Edmilson Filho seja mesmo o grande destaque da fita. Se doando completamente ao seu Francisgleydisson, o ator possui grande carisma e domina em tela. Com um belo trabalho vocal e corporal, algumas cenas são salvas pelo dinamismo e versatilidade do intérprete.

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Entretanto, Halder Gomes acerta por conceber uma narrativa direta e sucinta, que mantém um ritmo eletrizante e não deixa o espectador perder o foco. A fita é recheada de referências a antigos filmes de artes marciais (ou mesmo a clássicos como 2001 e Cinema Paradiso), de terceira categoria, aqui realizados pela própria produção, e que tem a função de transportar não só a imaginação do garoto Francisgleydisson Filho, mas também a da plateia, para aquela época e situação cultural, em que todos ali achavam tratar-se de grandes obras cinematográficas – quando na verdade eram antigas películas perdidas (ou pedaços delas) que eram exibidas sem a menor preocupação de continuidade.

A paixão de Halder por lutas vem de muito tempo atrás, já que, sendo ele mestre e 4° grau em Tae-kwon-do, trabalhou como dublê, em Los Angeles, e aprendeu por lá tudo que precisava para fazer cinema. Mas não é só em aspectos estéticos que Cine Holliúdy tem seus méritos, o roteiro realizado em cima do vocabulário rapadurenho, é digno de ser estudado por profissionais de gramática. Não pela complexidade do tema abordado, mas sim pela rica coleção de (novos) termos que substituem os conhecidos. Já o seu humor é ácido e politicamente incorreto, sem medo de brincar com temas mais polêmicos como xenofobia, homofobia e piadas com deficientes físicos – que naquela sociedade era (é) algo muito recorrente e, por que não dizer, inocente.

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Assumidamente brega, tanto no nome de seus personagens, quanto nos figurinos, à trilha sonora não poderia ser diferente, é composta por cantores da época como Márcio Greyck, Fernando Mendes e Odair José, que marcaram uma geração, e irão fazer os mais antigos voltarem no tempo.

Assim, em meio a tantas comédias ruins que a Globo Filmes e derivados vem produzindo, nos últimos anos, Cine Holliúdy é um alento bastante satisfatório, e se distancia, significativamente, dessa forma novelada que vem nos sendo empurrada goela abaixo. Ainda que possua algumas ressalvas, essa nova empreitada de Halder Gomes funciona quase que totalmente, pois, nos entrega um humor sincero, repleto de conceitos críticos, sendo eles, dentro e fora da arte, e que, acima de tudo, não deixa de ser cinema de boa qualidade e feito com o coração.

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Wilker Medeiroshttps://www.youtube.com/imersaocultural
Wilker Medeiros, com passagem pela área de jornalismo, atuou em portais e podcasts como editor e crítico de cinema. Formou-se em cursos de Fotografia e Iluminação, Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica, Forma e Estilo do Cinema. Sempre foi apaixonado pela sétima arte e é um consumidor voraz de cultura pop.

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