A Netflix fez um anúncio maravilhoso na noite de ontem (29): a adolescência do ex-quaterback Colin Kaepernick será retratada em um série de seis episódios pela dupla premiada, Ava DuVernay e Michael Starrbury, responsável pela visceral série Olhos Que Condenam. Segundo a Netflix: “A série de seis episódios, que foi concebida em 2019 e concluída recentemente em maio, fornece uma visão introspectiva da infância de Kaepernick como uma criança negra que cresceu com uma família adotiva branca e sua jornada para se tornar um grande defensor ao definir sua identidade. A série limitada reúne Starrbury e DuVernay, que trabalharam juntos pela última vez na aclamada série Olhos Que Condenam, da Netflix, que recebeu 16 indicações ao Emmy Award, incluindo uma indicação para Melhor Roteiro para a dupla e recentemente recebeu o Peabody Award“.
Mas por que este ex-jogador de futebol americano vem sendo tão falado nos últimos tempos?
Bem, para um atleta ter sua vida retratada em uma produção assim, ou ele realizou coisas extraordinárias em seu esporte ou teve algum feito notável fora do âmbito esportivo, seja esse feito positivo ou negativo. O caso de Colin Kaepernick é curioso, porque envolve os dois casos. Nascido em Milwaukee, Colin tinha o físico ideal para jogar futebol americano. Destaque da Universidade de Nevada, ele chegou à NFL, liga principal do esporte nos EUA, pelo Draft de 2011. Sua primeira temporada no San Francisco 49ers não foi de muito destaque, já que ele ficou esquentando banco para Alex Smith. Agora, sua segunda temporada impressionou.
Misturando passes precisos com uma velocidade colossal, Kaepernick virou titular e se tornou peça fundamental para os 49ers. Com suas habilidades, que inclusive renderam a ele o recorde de mais jardas corridas em um único jogo, o quaterback conduziu o time à fase dos playoffs e, em 2013, à tão sonhada final do campeonato, o Super Bowl XLVII. Eles não venceram, mas até então, chegar à final já era um feito e tanto. Nas temporadas seguintes, o elenco foi se desmontando e o rendimento de Kaepernick caiu um pouco.
Na temporada 2015/16, porém, o jogador entraria de vez na história do esporte americano. Em meio à onda de protestos contra a violência policial contra pessoas negras, Colin Kaepernick decidiu apoiar os manifestantes. Assim, no dia 26 de agosto de 2016, em um jogo contra o Green Bay Packers, o jogador se recusou a ficar de pé durante o hino americano. O gesto havia causado estranheza do público, e passou a causar polêmica quando ele explicou o motivo para as mídias da NFL: “Não vou me levantar para mostrar orgulhoso pela bandeira de um país que oprime pessoas negras e pessoas de cor. Para mim, isso é maior que o futebol americano e seria egoísmo de minha parte fechar os olhos para isso […] Não estou procurando aprovação. Tenho que me posicionar pelas pessoas oprimidas. Se tirarem o futebol americano, o apoio a mim, eu sei que me posicionei pelo que é certo”.
Após o protesto histórico, ele passou a se ajoelhar durante os hinos. Isso fez com que outros jogadores repetissem o gesto, chegando até mesmo a outros esportes, como a NBA, conhecida como a liga mais politizada do mundo. O protesto polarizou ainda mais os EUA. Na época, Donald Trump, que ainda era apenas candidato à presidência, fez duras críticas em suas redes sociais. A própria NFL e o San Francisco 49ers se opuseram ao gesto e rescindiram o contrato do jogador, que deveria ter acabado apenas em 2019. Desde então, ele nunca mais conseguiu uma equipe para jogar.
Em paralelo à recusa do esporte, Colin Kaepernick assumiu o papel de ativista e decidiu usar sua influência para ajudar. Ainda em 2016, ele criou a fundação Know Your Rights Camp, que tem foco em empoderar e ensinar a história e os direitos básicos que a sociedade americana nega aos jovens negros ou de cor. Em 2018, ele assinou um contrato com a Nike para a campanha dos 30 anos do slogan “Just Do It“. Essa assinatura rendeu o boicote de grupos conservadores à marca, mas a campanha rendeu um Emmy à empresa americana na categoria Melhor Campanha Comercial.
Em 2020, com o assassinato covarde de George Floyd e o fortalecimento do Black Live Matters, Kaepernick anunciou a criação de um fundo para contratar advogados para os manifestantes presos nos protestos pelo assassinato de George Floyd. Nas redes sociais, a icônica imagem de Colin Kaepernick ajoelhado em campo voltou a ser a compartilhada e usada como símbolo, tendo a campanha endossada por nomes gigantes do esporte mundial, como LeBron James. Ao redor do mundo, independentemente do esporte, centenas de atletas repetiram o gesto, chamando atenção para as vidas negras perdidas diariamente.
Em nota à imprensa, a diretora da série, Ava DuVernay, afirmou que: “Com seu ato de protesto, Colin Kaepernick começou um debate de amplitude nacional sobre raça e justiça com consequências que vão além o futebol americano, da cultura e para ele, de forma pessoal. A história de Colin tem muito a dizer sobre identidade, esportes e o espírito incessante de protesto e resiliência. Eu não poderia estar mais feliz em contar essa história com a equipe da Netflix“.
“É comum vermos histórias negras e raciais sendo retratadas pela visão do branco. Nós queremos trazer uma nova perspectiva para as diferentes realidades que as pessoas negras enfrentam. Vamos explorar os conflitos raciais que enfrentei como um menino negro adotado vivendo em uma comunidade branca durante meus anos de ensino médio. É uma honra trazer essas histórias à vida em colaboração com a Ava para que o mundo possa ver”, disse Kaepernick sobre a série.
Colin In Black & White ainda não tem data de estreia.