Mesclar gêneros no cinema parece fácil, e hoje em dia é uma coisa natural. Mas elementos que podem ser satisfatórios em determinado gênero, se adicionados em outro podem não atingir relevância e deixar o momento se perder. Sr. e Sra. Smith (2005) é um exemplo de obra que conseguiu mesclar bem a dinâmica do humor com cenas de ação dignas dos maiores blockbusters, mesmo que não seja um filme perfeito. Antes dele, usando temática similar, True Lies (1994), de James Cameron, com Arnold Schwarzenegger, foi ainda mais bem sucedido. Usando a mesma receita de bolo, mas ficando sem o mesmo sabor, chega este Vizinhos Nada Secretos, que estreou recentemente na Netflix e está fazendo o maior sucesso.
Lançado no final de 2016 nos EUA, a Fox planejava um lançamento nos cinemas para o longa, que tem bastante renome dentro e fora das telas com os envolvidos na produção, e a campanha de marketing já trabalhava em sua divulgação nas redes sociais – com um trailer legendado em português inclusive sendo lançado em seu canal no Youtube. Sempre me pergunto o motivo da estratégia de alguns lançamentos e mais ainda de sua desistência, uma vez tendo concordado em lança-lo. De qualquer forma foi justamente este o caminho para a comédia, cujo destino foi a rede de TV a cabo citada acima.
Vizinhos Nada Secretos não foi bem de crítica ou público nos EUA, mas está longe de ser a pior coisa do mundo, conseguindo inclusive arrancar algumas risadas. Pense por este lado, anualmente produções bem mais capengas e pretensiosas são lançadas nas salas de cinema, e algumas inclusive fazem sucesso com o público.
Um dos nomes de maior peso no elenco, bem, ao menos agora, é o da israelense Gal Gadot, após o estrondoso sucesso de Mulher Maravilha ano passado, o que colocou a atriz no patamar de estrela. Penso inclusive que se Vizinhos Nada Secretos tivesse sido lançado depois do filme da amazona heroína, poderia ter tido uma vida maior no circuito. Os protagonistas, no entanto, são os personagens de Zach Galifianakis e Isla Fisher. O humorista, mais conhecido pela trilogia cômica de sucesso Se Beber, Não Case (2009, 2011 e 2013), tem um estilo de humor que me agrada, dono de uma louvável cara de pau, mas cujos filmes infelizmente não lhe fazem jus. Aqui ele repete o ritmo e arranca praticamente todas as risadas. Fisher também se esforça e consegue entregar boa química e comédia física, o que é difícil.
A dupla vive um pacato casal dos subúrbios norte-americanos, onde nada acontece. Em sua grande casa e vizinhança perfeita a rotina começa a adentrar na monotonia. Até que num belo dia, novos vizinhos se mudam para a casa em frente, personificados por Gadot e Jon Hamm, o Don Draper da série Mad Men (2007-2015). Obviamente, após fazerem amizade com os protagonistas, e se mostrarem o casal mais simpático da rua, descobrimos que eles não são exatamente quem dizem – na verdade, agentes da CIA em uma missão.
A graça e o mote do filme, escrito por Michael LeSieur (Dois é Bom, Três é Demais), é sacudir a vidinha enfadonha do casal que tem tudo, mas não tem nada, virando-a de ponta cabeça, jogando na mistura um casal de espiões e todo tipo de perigo imaginável. O problema é que realmente falta uma pegada mais forte, tanto nas cenas de ação, quanto no humor – este parece o tipo de roteiro engavetado por décadas, ou reciclado, e levemente modificado para os dias de hoje – soa muito como algo que seria feito na década de 1980, por exemplo.
Outra surpresa é ver que na direção temos o outrora talentoso diretor de gênero Greg Mottola, que na década passada entregou algumas das melhores comédias jovens dos últimos anos, vide Superbad – É Hoje (2007) e Férias Frustradas de Verão (Adventureland, 2009). Nesta década, no entanto, Mottola já andou dando umas escorregadas, com Paul – O Alien Fugitivo (2011) e Apagar Histórico (2013), filme feito para a TV. Podemos dizer que Vizinhos Nada Secretos é seu filme menos satisfatório. E sabemos bem disso quando temos a estonteante Gal Gadot usando somente lingerie durante uma cena inteira, e em momentos pra lá de sensuais com Isla Fisher, e mesmo assim a coisa não desce redonda. Esperamos que daqui pra frente, a recém-formada estrela escolha melhor seus papeis.