Ryan Murphy é um dos nomes mais prolíficos do cenário do entretenimento – e ganhou fama ao criar produções que caíram no gosto da crítica e do público, como as séries ‘Glee’ e ‘American Horror Story’, bem como diversas outras incursões muito populares. E, em 2010, Murphy abraçou um projeto que foi esquecido com o passar do tempo, mas que, à época, fez um barulho considerável de bilheteria ao arrecadar mais de US$200 milhões ao redor do mundo: a cinebiografia ‘Comer Rezar Amar’, baseada no romance de não-ficção homônimo de Elizabeth Gilbert.
A trama é centrada em Liz (Julia Roberts), uma escritora e jornalista que tem uma carreira de sucesso e um casamento estável, além de amigos próximos que sempre a apoiam – mas algo não está certo: ela acredita piamente que algo falta em sua vida e, após uma viagem para Bali para a produção de um artigo, ela percebe que as coisas estão mudando de forma drástica. Ao perceber que está infeliz em seu relacionamento com o marido, Stephen (Billy Crudup), ela entra com um processo de divórcio, tenta se abrir para experiências novas, até decidir deixar tudo para trás e embarcar numa jornada de cura que se inicia na Itália, passa pela Índia e termina na Indonésia.
Ao chegar à encantadora cidade de Roma, Liz conhece pessoas locais que se tornam suas amigas, incluindo Giovanni (Luca Argentero), seu professor de italiano, e a desinibida Sofi (Tuva Novotny), que veio da Suécia e que a guia em sua nova realidade – isso sem falar de suas aventuras culinárias que a fazem redescobrir o prazer pela própria existência e a reencontrar um brilho há muito perdido; na Índia, ela se hospeda em um ashram, um monastério budista onde procura se reconectar com sua espiritualidade e acaba cruzando caminho com um traumatizado e ranzinza homem chamado Richard (Richard Jenkins); e, em Bali, ela é bombardeada pelo poder do amor à medida que se aproxima do charmoso brasileiro Felipe (Javier Bardem) e visita Ketut (Hadi Subiyanto), guru que a havia atendido em sua primeira viagem à ilha.
Como bem podemos perceber, a narrativa funciona como uma grande palestra de autoajuda que, quinze anos atrás, acompanhava o boom de produções do gênero. E, dentro desse espectro, é compreensível que mais da metade da crítica tenha recebido com amargor a produção – colocando o filme com meros 35% de aprovação no Rotten Tomatoes. Todavia, se deixarmos de lado os inúmeros convencionalismos tragicômicos que acompanham Liz em sua jornada de libertação, é sempre divertido ver Roberts em ação – permitindo que uma das atrizes mais conhecidas da história da sétima arte traga sua experiência em comédias românticas e drama pessoais em um mesmo lugar. E, dominando cada um dos holofotes apontados à sua atuação, Roberts transforma um descompensado filme de quase duas horas e meia em uma bem-vinda e inocente mensagem de bonança e fé.
É claro que determinadas incursões não funcionam como deveriam, ainda mais quando nos centramos na quantidade de diálogos complexos que entram em conflito com a básica estrutura que os sustenta – incluindo monólogos em voiceover de Liz em sua narração recheada de metáforas e de comparações que, volta e meia, são didáticas demais para que apreciemos as nuances dos personagens. De qualquer maneira, a montagem de Bradley Buecker (colaborador de longa data de Murphy) e a trilha sonora de Dario Marianelli conseguem preencher certas lacunas rítmicas e balancear uma verborragia excessiva com incursões contemplativas (mesmo que panfletárias aqui e ali).
Talvez a maior frustração do projeto é sua falta de ambição, bem como o fato de não trazer nada de novo ao gênero: dessa forma, as calmas águas de uma zona de conforto se agitam pouco a pouco através do poder de um elenco que ainda inclui Viola Davis e Christine Hakim. E, em virtude de não fugir para além do óbvio, um sentimento de incompletude é comum e é justificado quando, como já mencionado alguns parágrafos acima, paramos para analisar os mínimos detalhes de um longa-metragem que, no final das contas, não tem qualquer desejo de reinventar a roda. Caso levemos isso em consideração, é possível aproveitar a atmosfera de empoderamento que começa a ser fundada conforme Liz enfrenta seus problemas e se reencontra.
‘Comer Rezar Amar’ é uma inofensiva dramédia que vale a pena por um elenco de ponta e pela ótima performance de Julia Roberts – por mais que a sinceridade do livro original não seja explorada como merecia.
Lembrando que a produção está disponível nas plataformas do Telecine e do Prime Video.